Abro os olhos e incauto
percebo que as coisas se mantêm em ordem. As leis que as regem se mantêm. O
copo cheio pela metade, não se esvaziou por todo: não pode! O liquido que o
preenche pela metade não se avoluma e o transborda: não pode. O relógio marca as
horas e avisa-me o correr do tempo. E tenho pouco tempo, alguns minutos apenas.
Sento-me e levando os pés ao chão tateio-o buscando os chinelos no exato lugar
em que os deixo todas as noites. Ligo a rádio e o locutor informa que é feriado
e haverá sol: “A chuva parece ter dado um tempo, para quem vai curtir o
feriado, o dia será de sol”... segue a canção...: “a sensação do momento...”.
Alcanço com os pés os chinelos, calço-os e levanto-me. Abro a janela e a brisa
fria da manhã invade o quarto, arrepia o corpo. Esta tudo em ordem, nada foi
revogado. A natureza mantém suas regras... Tomo o copo verso o liquido que o
preenche pela metade no ralo da pia. O liquido como se deve esperar escorre
para baixo e aos poucos some ante meus olhos. Lavo o copo e o encho de água.
Verso a água na cafeteira, coloco-lhe também o filtro e o café. Ligo-a, sua luz
ascende e em segundos seu rumor característico me informa que está tudo em
ordem. O relógio não para, o tempo escorre e não o vemos. Tenho pouco tempo,
tempo de tomar correndo um café. Visto-me às presas, tomo de uma golada só o
café, desço as escadas correndo, por pouco perco o ônibus. Esbaforido sento-me
e respiro aliviado. Afora o feriado, que trás um pouco de tranquilidade à
cidade, nada está fora do lugar: “terá desfile, pronunciamentos, programas
especiais, sorteio de brindes, manifestações...”. “Na noite passada”, leio de
relance no jornal de um cavalheiro, “a polícia encontrou mais um corpo de
mulher esquartejada próximo ao Parque das Nações. Segundo informou o delegado
responsável pelo caso, ela tinha tatuado no corpo a lei de Newton: “Dois corpos
não cabem no mesmo espaço”. É o quarto corpo encontrado nos últimos vinte dias
com tatuagens similares. A polícia suspeita...”. Não consegui ler mais nada. Só
ouvi o murmúrio do cavalheiro: “este mundo está perdido. Só Deus o pode
salvar...” Levo a mão ao bolso, encontro a caneta e o bloco de anotações: “A
energia não pode ser criada nem destruída: a energia pode apenas
transformar-se”, anoto. Tiro do bolso o canivete e brinco com ele.
In O Todo Em Fragmentos.
Editora Ilustra. 2013
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