A
idade média tem o seu capital cultural todo fundeado na emersão e
desenvolvimento da Doutrina Católica que, no âmbito dos relacionamentos
amorosos, estabelece particular ênfase
na exaltação à virgindade, admitindo e legitimando apenas a relação sexual
sacralizada no matrimônio. Qualquer relação, portanto, fora do matrimonio, era
condenada como manifestação maligna. Neste ambiente, as mulheres são
expropriadas de privilégio e se ensina que elas são objetos para os homens,
sendo privadas de terem acesso ao próprio prazer sexual. Assim, afirmando o
casamento matrimonial, tornado sacramento, a Igreja combatia a
homossexualidade, a poligamia, o prazer sexual, e, principalmente, o direito da
mulher ao próprio corpo.
É
neste contexto que nasce o “amor cortês”, difundido com os trovadores, por
volta do século XII. O termo cortes se refere a quem se comporta segundo os
valores da nobreza, dele derivou o termo cortesia (Frances antigo cortoisie, provençal, cortesia, cortezia). Cortes, cortesia
indicam elegância, gentileza, boas maneiras.
Literariamente
o cortes consistirá da aproximação lírica do amor espiritual (Agape) ao amor
carnal (Eros). Ele acentua a
subjetividade do poeta (trovador) que exprime a alegria de um “amor perfeito” e
a vontade de exaltar a mulher-Senhora (damna, dompna). A mulher-Senhora muitas
vezes se identifica com a senhora feudal, a princesa ou a mulher do príncipe.
Em respeito ela, o amante se coloca na posição de vassalo, pronto a servir de modo
absoluto e desinteressado aos desejos de sua senhora, que são desejos seus.
Mesmo quando a mulher-Senhora é fisicamente próxima, a sua beleza e o seu poder
a colocam em uma distância absoluta. O canto do poeta sublinha o fascínio desta
distancia. Sua submissão à sublimidade de sua “Senhora” mantinha claro
paralelismo com o culto a Virgem Maria, que então se desenvolvia. Não obstante,
o amor cortes mantinha uma faceta antimatrimonial de caráter sensual, às vezes
declaradamente erótico, e, sobretudo, adultero. Em alguns textos a relação
amorosa é descrita com acentuado realismo, em modos alegremente libertinos; em
outros se aproxima de uma agressividade ameaçadora e destrutiva, em outros se
tocam motivos cômicos, ou resaltam imagens de amores idílicos, com reflexões
morais e sobre a condição social e pessoal do poeta.
Assim,
ao menos literariamente surge uma nova forma de interpretar o amor que
implicava uma reconsideração da mulher numa sociedade misógina. Se no seu
cotidiano eram consideradas física e moralmente frágeis, precisando estar sobre constante vigilância
contra si mesmas, na composição cortes ela é exaltada e considerada como um ser
metadivino, capaz de mediar entre o homem e Deus. Uma concepção que evidencia
comportamentos novos no interior das relações homem-mulher.
A
Igreja, mantém, porém, sua rígida oposição ao amor carnal e continua a
considerar o relacionamento sexual o elemento fundamental do pecado, chegando a
regular seu ritmo e modos dentro do sacramento matrimonial. E São Jerônimo chegou
a afirmar que "adultero é também aquele que é ardentemente enamorado da
esposa".
Assim,
por sua ambivalência entre erótico e
espiritual, o amor romântico-cortes, para Domanico, era impossível de ser
vivido no matrimônio. Segundo Domanico: “l’amor cortese è quindi adultero per
definizione” (O amor cortes é adultero por definição). Como tal, se opunha
frontalmente à Doutrina Católica e à vida cotidiana medieval.
Traços
dessa ambivalência não são difíceis de se encontrar entre nós, a despeito dos
movimentos de liberação sexual e emancipação feminina.
DOMANICO.
Roberto (2012). Dal l’amor cortese al
dolce stil nuevo. http://www.2la.it/letteratura/411-dallamor-cortese-al-dolce-stil-novo.html
DUBY,
Georges (2013). As damas do século XII .
Companhia de Bolso. São Paulo.
Ferroni,
Giulio. Profilo storico della leteratura Italiana. Milano: Einaudi. 1996
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