domingo, maio 22, 2016

SOBRE O AMOR CORTES


A idade média tem o seu capital cultural todo fundeado na emersão e desenvolvimento da Doutrina Católica que, no âmbito dos relacionamentos amorosos, estabelece  particular ênfase na exaltação à virgindade, admitindo e legitimando apenas a relação sexual sacralizada no matrimônio. Qualquer relação, portanto, fora do matrimonio, era condenada como manifestação maligna. Neste ambiente, as mulheres são expropriadas de privilégio e se ensina que elas são objetos para os homens, sendo privadas de terem acesso ao próprio prazer sexual. Assim, afirmando o casamento matrimonial, tornado sacramento, a Igreja combatia a homossexualidade, a poligamia, o prazer sexual, e, principalmente, o direito da mulher ao próprio corpo.

É neste contexto que nasce o “amor cortês”, difundido com os trovadores, por volta do século XII. O termo cortes se refere a quem se comporta segundo os valores da nobreza, dele derivou o termo cortesia (Frances antigo cortoisie, provençal, cortesia, cortezia). Cortes, cortesia indicam elegância, gentileza, boas maneiras. 

Literariamente o cortes consistirá da aproximação lírica do amor espiritual (Agape) ao amor carnal (Eros).  Ele acentua a subjetividade do poeta (trovador) que exprime a alegria de um “amor perfeito” e a vontade de exaltar a mulher-Senhora (damna, dompna). A mulher-Senhora muitas vezes se identifica com a senhora feudal, a princesa ou a mulher do príncipe. Em respeito ela, o amante se coloca na posição de vassalo, pronto a servir de modo absoluto e desinteressado aos desejos de sua senhora, que são desejos seus. Mesmo quando a mulher-Senhora é fisicamente próxima, a sua beleza e o seu poder a colocam em uma distância absoluta. O canto do poeta sublinha o fascínio desta distancia. Sua submissão à sublimidade de sua “Senhora” mantinha claro paralelismo com o culto a Virgem Maria, que então se desenvolvia. Não obstante, o amor cortes mantinha uma faceta antimatrimonial de caráter sensual, às vezes declaradamente erótico, e, sobretudo, adultero. Em alguns textos a relação amorosa é descrita com acentuado realismo, em modos alegremente libertinos; em outros se aproxima de uma agressividade ameaçadora e destrutiva, em outros se tocam motivos cômicos, ou resaltam imagens de amores idílicos, com reflexões morais e sobre a condição social e pessoal do poeta.

Assim, ao menos literariamente surge uma nova forma de interpretar o amor que implicava uma reconsideração da mulher numa sociedade misógina. Se no seu cotidiano eram consideradas física e moralmente frágeis,  precisando estar sobre constante vigilância contra si mesmas, na composição cortes ela é exaltada e considerada como um ser metadivino, capaz de mediar entre o homem e Deus. Uma concepção que evidencia comportamentos novos no interior das relações homem-mulher.

A Igreja, mantém, porém, sua rígida oposição ao amor carnal e continua a considerar o relacionamento sexual o elemento fundamental do pecado, chegando a regular seu ritmo e modos dentro do sacramento matrimonial. E São Jerônimo chegou a afirmar que "adultero é também aquele que é ardentemente enamorado da esposa".

Assim, por sua  ambivalência entre erótico e espiritual, o amor romântico-cortes, para Domanico, era impossível de ser vivido no matrimônio. Segundo Domanico: “l’amor cortese è quindi adultero per definizione” (O amor cortes é adultero por definição). Como tal, se opunha frontalmente à Doutrina Católica e à vida cotidiana medieval.

Traços dessa ambivalência não são difíceis de se encontrar entre nós, a despeito dos movimentos de liberação sexual e emancipação feminina.





DOMANICO. Roberto (2012).  Dal l’amor cortese al dolce stil nuevo. http://www.2la.it/letteratura/411-dallamor-cortese-al-dolce-stil-novo.html

DUBY, Georges (2013).  As damas do século XII . Companhia de Bolso. São Paulo.

Ferroni, Giulio. Profilo storico della leteratura Italiana. Milano: Einaudi. 1996

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