Aos trinta do primeiro tempo o adversário pressionava. Mas,
Triguinho, o Mago, que até então estava apagado no jogo, na meia canja,
acolchoou a bola no peito, deixou-a deslizar para a perna direita, gingou o
corpo pra lá, pra cá, passou o pé sobre a bola, tirando dois adversários da
jogada, com um toque magistral deixou Aparício na cara do gol. Este só teve o
trabalho de, com um toque, tirar o goleiro do lance e estufar a rede. “Gênio!
Gênio!” comentava efusivo o locutor que minutos antes pedia a substituição de
Triguinho. “Tem que ir pra Seleção! Tem que ir pra Seleção!” Trinta e oito do
segundo tempo, Abelardão cometeu, num lance infantil, pênalti. Ele apenas
entrara para ajudar o time na retranca, e “comete uma cagada dessa”, o
comentarista se desculpou, em seguida pela “infeliz expressão: cagada”. O
batedor adversário foi pra bola. Olhar frio, confiante... A torcida
apreensiva... O chute... Rodolfinho se esticou todo e com a ponta da chuteira
defendeu milagrosamente. O empate levaria a disputa aos pênaltis. O time se
segurava todo na retaguarda. A torcida com o coração na mão, o comentarista
dando por certo o empate e quiçá a vitória do adversário ainda no tempo normal.
Já nos acréscimos, aos quarenta e sete precisamente, o adversário todo foi pra
área, inclusive o goleiro: era “a derradeira oportunidade” ... A bola sobrou
nos pés de Triguinho que, fora a jogada magistral do primeiro gol, “não se
fazia presente na partida”, dizia o comentarista. Triguinho acolheu a bola rebatida da área, amorteceu-a
na grama, levantou a cabeça, viu o goleiro adversário voltando desesperado pro
gol. Chutou a bola como quem arremessa para uma cesta de três pontos: “Gooooooooolaçooooo.
Golaço do gênio: Triguiiiiiiinho é o nome dele!” ... Estava tudo consumado:
Imaginado Futebol Clube 2, adversário 0. O comentarista, a todo momento querendo sua
substituição, se rende: “É craque de seleção! É craque de seleção!”
Triguinho, 14 anos, é um corpo estendido de bala perdida, na
plena realidade de uma semana que apenas começa. No jogo da vida, a violência
vai ganhando de lavada.
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