segunda-feira, maio 30, 2016

Enquanto te beijo


A vida apresenta-se sempre como uma sequência de ínfimos instantes. Cada instante comporta uma série de infinitas combinações. Um conjunto de instantes forma um momento. E cada momento é algo particular e aleatório. Mas é o que fica e nos tem sentido. Quantas vezes já nos beijamos e declaramos o nosso amor? Não se pode contar. Mas nosso primeiro beijo, (lembra?), debaixo da marquise onde nos abrigávamos da chuva, está em nós como um memorial. Quando me lembro dele sinto o cheiro de teu perfume; o brilho em teus olhos, o rubor de tuas faces. Quantas vezes eu quisera aquele momento, adiado por imaturos receios. Você apoio seu corpo ao meu, encostou sua cabeça em meu ombro; quando eu abri os olhos, teu sorriso me envolvia. Hoje, enquanto esperava-te, um aroma de café me fez lembrar a primeira vez que te vi. Eu aproximava-me da janela com a xícara. Você subia a rua do outro lado da calçada. Acompanhei-te até que sumistes no horizonte. Naquele instante, sim, foi um instante, não me passou pela cabeça que um dia estaríamos juntos. O fato é que a xícara despencou janela abaixo. Dias depois nos encontramos na mesma sala de aula. Mas quantas vezes em três anos conversamos? E nosso encontro sob aquela marquise, não foi um imprevisto? Tivéssemos planejado, talvez não acontecesse. Lembras de um passeio que fizemos, no segundo ano? Passei a noite em claro, arquitetando um modo de ficar só contigo e pedir-te em namoro. Nada deu certo. Mesmo assim, pintou uma oportunidade: eu emudeci. Um momento não tem uma extensão de tempo prevista: dura um segundo; dura uma vida toda. É sempre uma combinação aleatória de instantes nos dando sentido. E o beijo que neste instante nos damos é sempre o primeiro beijo que não se esgota desde o dia em que subias a rua do outro lado da calçada e uma xícara de café estatelada no chão chamava-te a atenção.

IMAGINADO FUTEBOL CLUBE


Aos trinta do primeiro tempo o adversário pressionava. Mas, Triguinho, o Mago, que até então estava apagado no jogo, na meia canja, acolchoou a bola no peito, deixou-a deslizar para a perna direita, gingou o corpo pra lá, pra cá, passou o pé sobre a bola, tirando dois adversários da jogada, com um toque magistral deixou Aparício na cara do gol. Este só teve o trabalho de, com um toque, tirar o goleiro do lance e estufar a rede. “Gênio! Gênio!” comentava efusivo o locutor que minutos antes pedia a substituição de Triguinho. “Tem que ir pra Seleção! Tem que ir pra Seleção!” Trinta e oito do segundo tempo, Abelardão cometeu, num lance infantil, pênalti. Ele apenas entrara para ajudar o time na retranca, e “comete uma cagada dessa”, o comentarista se desculpou, em seguida pela “infeliz expressão: cagada”. O batedor adversário foi pra bola. Olhar frio, confiante... A torcida apreensiva... O chute... Rodolfinho se esticou todo e com a ponta da chuteira defendeu milagrosamente. O empate levaria a disputa aos pênaltis. O time se segurava todo na retaguarda. A torcida com o coração na mão, o comentarista dando por certo o empate e quiçá a vitória do adversário ainda no tempo normal. Já nos acréscimos, aos quarenta e sete precisamente, o adversário todo foi pra área, inclusive o goleiro: era “a derradeira oportunidade” ... A bola sobrou nos pés de Triguinho que, fora a jogada magistral do primeiro gol, “não se fazia presente na partida”, dizia o comentarista. Triguinho  acolheu a bola rebatida da área, amorteceu-a na grama, levantou a cabeça, viu o goleiro adversário voltando desesperado pro gol. Chutou a bola como quem arremessa para uma cesta de três pontos: “Gooooooooolaçooooo. Golaço do gênio: Triguiiiiiiinho é o nome dele!” ... Estava tudo consumado: Imaginado Futebol Clube 2, adversário 0.  O comentarista, a todo momento querendo sua substituição, se rende: “É craque de seleção! É craque de seleção!”

Triguinho, 14 anos, é um corpo estendido de bala perdida, na plena realidade de uma semana que apenas começa. No jogo da vida, a violência vai ganhando de lavada.

 




domingo, maio 29, 2016

CRISÂNTEMOS


I



            Terminadas as aulas do primeiro período, reunimo-nos na sala dos professores. Silas e Marta debatiam sobre os rumos da greve. Jhoana folheava alheia uma revista da Avon. Contursi comentava com Deodora e Maria Lucinda uma matéria sobre os benefícios da culinária mediterrânea. Isoladas em um canto, Debhora e Regiane falavam da quinta série. Meus olhos acompanhavam os movimentos labiais de Debhora. Emocionava-me apenas vê-la. Passei a ouvir suas argumentações em defesa de um certo Adamastor que Regiane cismava em pontuar com severas observações morais.

            Quanto mais acompanhava Debhora, entrega-me a sua voz cariciosa discorrendo conceitos sócio-culturais a serem colocados em pauta na avaliação do comportamento infanto-juvenil, conceitos que tinham relevância nas práticas pedagógicas. Dava-me a consciência do fosso abismal que me separava daquele ser angelical.

            Tal não foi, portanto, minha surpresa, quando, já por encerrar o intervalo, em breve sorriso, Debhora convidou-me a almoçar ao fim do segundo período. O coração disparou. Tartamudeei sem jeito assentindo ao convite, deixando ir, desastrosamente por terra, diários, estojo, giz.



II



            Minhas pernas tremiam, as mãos suavam, a voz sumia. O pouco que conversamos foi para tratar de um ou outro assunto do cotidiano escolar. Temia olhá-la diretamente. Esperava por aquele momento de estar a sós com Debhora. Não sabia o que dizer, o que fazer. Sorria-lhe confuso.



– Damos uma volta pelo parque? Sugeriu enquanto acertávamos a conta.



III



            Deixei-me conduzir por aquele ser extraordinário até uma área mais isolada. Sob uma frondosa mangueira nos firmamos. Sem rodeios, tirando os sapatos, ela estirou o corpo sobre a relva. Fiquei absorto contemplando seu rosto lindo, seu corpo formoso, seu sorriso despretensioso. Instintivamente, sentei-me a seu lado. Ousei tocar-lhe os cabelos. Ela acomodou-se em meu colo. Olhava-me e seus olhos negros turbavam-me.

– Tenho algo a dizer-lhe, disse ela, quebrando o encantamento em que me encontrava.        Senti um calafrio percorrer-me a espinha. E sem me olhar, proferiu:

– Quero muito conhecer-te melhor, namorar contigo!

Era tudo que eu desejara ouvir, desde a primeira vez que nos vimos.       Pomo-nos de pé. Segurando meu braço, puxou-me para ela. Nossos olhos entrecruzaram-se. Apertei-a fortemente. Aproximei meu rosto ao seu e sussurrei-lhe:

 – É o que eu sempre quis.

            Debhora enlaçou-me pelo pescoço beijando-me longamente.



IV



A primavera durou longos anos... Mas haveria de chegar o outono...



V



            Amanhece. Atrasado, visto-me correndo, tomo às presas um copo de café, saio correndo para não perder o trem... Após oito horas de tedioso trabalho volto para casa. Preparo a janta. Tomo uma ou duas cervejas, os comprimidos... Ligo a TV e as fico mudando de canais... Assisto, alguns minutos, um programa qualquer. Ligo o notebook...

           

VI



            Não sei se é sonho ou transe: Debhora toma-me pelas mãos e caminhamos entre crisântemos...

           





O CARA

"- O que eu devo dizer?
- Diga como funcionava o esquema, fala dele...
- Dele quem?
- Dele, o cara!
- Mas, ...!
- Você vai colaborar ou não?
- Esta bem!... Eu e o Playboy jogávamos carta e comentávamos da Dilma, do Michel, daquele que usa uma roupa estranha, toga, é isso toga... O telefone tocou... O Roberto quem atendeu... Cochichou algo no ouvido do  Playboy... O Playboy então disse: "Diz pra ele que 30% é meu...
- Viu! Nós sabíamos..., ele esta envolvido: Ele é o cara... Informa a imprensa: Pegamos Ele, o cara está envolvido na máfia de raspadinha de Copacabana..." (de um vazamento de delação premiada)       

sábado, maio 28, 2016

QUE HOMEM EU DEVO SER?


“Eles são homens e fizeram porque aprenderam que podiam fazer” (Pitty)



Eu já fiz muita coisa que contribui com a cultura do estupro. Já assinei revista pornográfica, já assinei sites pornográficos, já participei de despedidas de solteiro em Drinks Bar, e já frequentei Drinks bar sem a despedida de solteiro. Já incentivei concursos de misses, já fui em festas e baladas apenas para “caçar”, já fiz psiu e chamei a menina de tudo aquilo que um homem chama uma mulher. Nas atividades domésticas, minha esposa arca com tudo. Como escritor, já escrevi alguns textos machistas, ou de uma perspectiva minha sobre o erotismo que envolve uma relação sexual homem-mulher. Dizem por ai que somos produto da cultura, poderia me escusar então: Eu sou o que a minha cultura é! Cultura se escolhe? Creio que não! Temos uma outra cultura? Então eu sou machista e meu pai, meus irmãos e minha esposa, minha mãe, minhas irmãs e cunhadas também são. Mas mesmo numa cultura machista aprendemos a respeitar uns aos outros, a resolver problemas com o dialogo. Nunca presenciei um conflito entre meu pai e minha mãe que tenha acabado em agressão. E as brigas que tive com minhas irmãs nunca foram porque elas eram mulher e eu homem, mas porque eu brincava com suas roupas e suas bonecas. Meu pai não me ensinou que eu podia violentar uma mulher. Pelo contrario: “a mulher desviou o olhar ou guardou silêncio, recolhe-te em teu canto”, foi o que me aconselhou certa vez. Tio dizia que mulher se conquistava sem cativar. Ele sim tinha uma frase machista: “mulher no cabresto, chifre certo no caboclo”. Confesso estar confuso: já não sei mais se devo ou não oferecer flores para uma mulher, se devo ou não fazer-lhe um elogio, ser ou não delicado e ceder-lhe o lugar, já não sei se devo ou não sorrir para uma mulher, tudo coisas que vó me ensinou. E vó era muito machista: “mulher tem que saber de seu lugar”, ensinava às meninas. Já nem sei mais se devo continuar escrevendo. Tudo, hoje, precisa ser medido, um acento fora do lugar, uma virgula esquecida ou a mais, e tudo se torna agressão. Então, o que me proponho todos os dias é ser um pouco melhor, buscando compreender minha cultura, assumir nova postura, superar minhas contradições. Eu tenho evitado amigos misóginos, machistas, racistas, homofóbicos etc. Acredito que, mesmo numa cultura machista, a violência contra a mulher é uma luta que tem que contar com os homens. Eu (aqui falo por mim), mesmo machista, sempre me coloquei contra qualquer forma de violência; me proponho a rever atitudes, comportamentos, formas de pensar. Numa sociedade machista como a nossa, nem todo homem é um ogro. Mesmo assim, precisamos refundar as relações entre homens e mulheres, produzir uma nova cultura. Essa nova cultura só se dará se homens e mulheres estiverem juntos, combatendo o que precisa ser combatido. Mas eu quero ouvir as mulheres, por estarem no prejuízo: que elas nos digam que homens elas esperam que sejamos! Quando vó me ensinava eu sabia, mas vó era machista. Não a estou culpando, era a sua cultura.




O MUNDO DAS AVES


Ficamos algumas semanas sem comer carne. Os materiais de escola eram mais urgentes. Eu nem gostava de escola, tinha dona Marta e sua régua de alfaiate, e os meninos que me caçoavam o tempo todo por eu trocar o “r” pelo “l”.  Mãe dizia que eu tinha que obedecer dona Marta e fazer tudo direitinho e respeito e não dar bola pros meninos. A irmã aprendeu a ler rápido, então tia começou a trazer folhas de jornal e revistas da casa dos Vieras Couto. Foi de uma dessas paginas que a irmã nos leu A Velhinha Contrabandista, de Stanislaw Ponte Preta (Sergio Porto). Na verdade, só recentemente vim a saber do autor. Vasculhava o porão e encontrei uma mala com pertence de tia, entre eles estes recortes de jornal e revistas. Tia era analfabeta, fez gosto em nos incentivar a estudar, repetia com vó que também não conhecia as letras: “devemos desconfiar de tudo que vemos, das letras devemos desconfiar duas vezes, mas quem lê vê mais além. Depois, quem não duvida deve estar é morto”. Encontrei o primeiro texto que li. Era fim de junho, vó fez fogueira, comemos milho e batata doce na brasa, tia contou-nos história e sacou um papel do bolso, deu-me... “Deixei o leito as 5 horas. Os pardais estão iniciando a sua sinfonia matinal. As aves deve ser mais feliz que nós. Talvez entre elas reina amizade e igualdade. (...) O mundo das aves deve ser melhor do que dos favelados, deitam e não dormem porque deitam-se sem comer...”. Li tremulo, tropeçando nas palavras, engolindo-as. Vó aplaudiu! O texto é de Carolina Maria de Jesus, e está em sua obra Quarto de Despejo que encontro entre as coisas de tia. Quando voltei do exílio, voltei com planos de ensinar tia a ler, não foi mais possível... “Professor, professor, eu li direito?”, pergunta-me Dona Sebastiana, 66 anos...  

sexta-feira, maio 27, 2016


ERGO SUM



Quando aqui cheguei

A coisa já estava desajustada

Um tanto de ismos e fobias

Tudo junto e engendrado

Mas quando me pronunciei,

Antes mesmo que assumisse lado

Todos me apontaram:

“Ergo Sum, Culpa mea:

Por existires já és culpado.”






A FACA

“Toda palavra tem dois fios tão cortantes quanto faca” (Christine Ramos)


A culpa é da faca, este instrumento pré-histórico, quase mítico: porque criou um poder inumano e inconsciente nas hordas totêmicas. A culpa é da faca, ou talvez do capitalismo que a tornou produto, a alienou do caçador e a tornou produto. A culpa é da faca que não estando na gaveta de talheres, pousava sua frieza malignidade ao alcance da mão de Justino. Tivesse a faca na gaveta e não sobre a mesa nada teria ocorrido.

O olhar de Jhuliana era outro. Juliano estranhou, percebeu distanciamento. E Juliano confirmou suas suspeitas. A campainha tocou. Jhuliana atendeu. Era o carteiro com telegrama. Jhuliana sorria um sorriso dantes visto. Juliano não tinha dúvida: “Era do outro... Comigo o sorriso mudou; não sorri assim... É do outro! ...”

A culpa é da faca que saltou da mesa à mão de Juliano e agora é um com o corpo de Jhuliana. O telegrama era só a confirmação de que o casal seria tríade. Não fosse a faca, não fosse o capital que a transformou produto, nada teria ocorrido.   

Que toda faca seja banida. Ela nos destitui toda vontade e toda decisão!!!


RÈVSlandia



Victor  e a prima, Maria Fernanda, não acreditaram que no Arquipélago de Rèv-Slandia os carros transformam-se em submarinos e helicópteros, segundo a necessidade. “Pai, isso não existe!” Não acreditaram, também que, em Rèv-Slandia,  minhocas têm pernas e pernilongos só sugam mel produzido por um pássaro especial que só se encontra em Rèv-Slandia.  “Tio o que produz mel é abelha”. Tudo começou porque Victor perguntou-me o que eu faria se ganhasse na loteria e eu respondi que compraria o Arquipélago de Rèv-Slandia, onde as casas são feitas de livro e não têm portas. “Liga não” disse Victor à prima, “ele é louco”. Foi Laura quem perguntou, então: “tio o que é Atipélago. “É” eu respondi, “um conjunto de ilhas próximas umas das outras”. E expliquei que: “o Arquipélago de Rèv-Slandia é composto por quatro pequenas ilhas: Isla-Victoriun, Isla de Maria Fernanda, LauraSlandia e Taleski-Slandia”. “Meu nome é Tales Augusto, papai”, replicou Tales, que gosta de ser chamado pelo sobrenome do irmão: Augusto. Todos rimos nos preparando para irmos à praça. Eu só jogaria na loteria por mundos inexistentes. O real, ou o transformamos, ou não vale riqueza alguma.    

Obs: eu li em algum lugar que rév, em crioulo haitiano, significa sonho.

quinta-feira, maio 26, 2016

UM ESTUPRADOR NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

"Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância" Simone de Beauvoir
 
Não é o bastante o que vou manifestar. Nunca é o bastante se opor ao que nos reduz a animais, que possuem maior dignidade que nós. Somos uma sociedade de estupradores, somos forjados do que há de mais vil em um ser vivente. Então, o que segue não é o bastante, talvez nem relevante seja. 

Eu acompanho muito pouco o noticiário e tenho centrado minha atenção no desgoverno e no Impostor que o ocupa. Mas ocorreu-me saber do caso de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, (30 homens  violentam uma jovem e postam em rede o crime), lendo o post de uma amiga. Da mesma amiga fiquei sabendo que Alexandre Frota esteve no Ministério da Educação apresentando propostas para o ensino. É de se recordar que o citado indivíduo relatou em um lixo televisivo um estupro que praticou, e o tal lixo televisivo atingiu bons índices de audiência e rendeu comentários uma ou mais semanas, mas nenhuma condenação contundente. Pois bem, é este indivíduo que visita o Ministério da Educação. Associo o ocorrido em Santa Cruz, e essa inusitada visita ao Ministério da Educação, aos recentes discursos de ódio de Jair Bolsonaro, seja quando insultou a deputada Maria do Rosário, seja em sua recente homenagem em rede nacional a um torturador, como forma de humilhar Dilma Rousseff. Os três fatos ilustram uma só coisa, fazem parte do mesmo modo de entender a presença feminina: Mulher, para nós, continua sendo apenas um objeto sem vontade, sem desejo, sem sentimento. Delas podemos fazer o que bem entendermos. Mulher é um direito de conquista. O Feminismo sozinho não dá conta de combater este odioso discurso. É preciso que homens e mulheres que se situam a um grau a mais na escala que nos conduz ao humano – não, não somos ainda humanos, e muitos estão regredindo ao invés de avançar para tal meta – , manifestem-se contra a violência sistemática e cotidiana que assistimos contra a mulher. Neste sentido, mesmo a graus e graus abaixo do que se possa considerar humano, eu repudio com vigor o ocorrido em Santa Cruz, espero que todos os envolvidos sejam identificados e condenados. Com o mesmo rigor repudio a presença de um estuprador confesso no Ministério da Educação e todo discurso misógino  ou contra os direitos da mulher ao próprio corpo, ao prazer, à vida independente e autônoma, à LIBERDADE.

 Adendo

Eu luto contra a cultura que violenta a mulher em seu corpo em sua voz em sua liberdade, apenas por ser mulher. O estupro é o mais vil atentado contra a mulher; é o ápice a que se pode chegar nossa vilania. Mas minha luta é contra toda e qualquer violência contra a mulher seja no lar, na escola, nas igrejas, na política, no trabalho, no seu lazer. Quando chegamos ao estupro é porque já cometemos todas as outras formas de violência física, verbal, psicológica, conceitual contra a mulher. Eu luto contra uma sociedade que violenta a mulher por ser mulher. Além de comentários sobre o estupro coletivo e sobre a mulher desacordada, foram divulgadas imagens de homens manipulando seus orgãos sexuais de maneira a expor ainda mais a vítima. As cenas são de uma brutalidade absurda e não podem passar em branco (prints de algumas postagens podem ser vistos aqui http://imgur.com/a/zrWyF)
Eu, como cidadã(o) me sinto aviltada(o) diante de imagens de violência explícita e sei que seus autores contam com a certeza da impunidade, por isso gostaria de pedir que seja feita uma investigação para punir os responsáveis por este crime hediondo."










 Além de comentários sobre o estupro coletivo e sobre a mulher desacordada, foram divulgadas imagens de homens manipulando seus orgãos sexuais de maneira a expor ainda mais a vítima. As cenas são de uma brutalidade absurda e não podem passar em branco (prints de algumas postagens podem ser vistos aqui http://imgur.com/a/zrWyF)
Eu, como cidadã(o) me sinto aviltada(o) diante de imagens de violência explícita e sei que seus autores contam com a certeza da impunidade, por isso gostaria de pedir que seja feita uma investigação para punir os responsáveis por este crime hediondo."

quarta-feira, maio 25, 2016

OLHA O LOBO


Um fato não é um acontecimento casual, é um produto humano, por isso, intencional, político. Não existe fato distituído de interesse. Toda fato é fugaz, o que se estende são as interpretações. E toda interpretação é uma fracassada tentativa de convencer a si mesmo seu apego a uma ilusão: Que o fato é uma verdade. (Rodner Lúcio)



Como arte de enganar o outro para se dar bem, política e verdade não se coadunam. Em verdade, seja qual for a concepção de verdade que um sujeito carraga consigo, ela é inimiga da política. Inseparável da politica é a mentira. E toda mentira é justificada.

Não importa, portanto, que Termer, os parlamentares, nossos ministros da justiça sejam uma só mentira. O importante é que eles cumprem um fim bom; isto é, um fim que condivido. Sim, a mentira é necessária para por fim à mentira. Fomos enganados. Então, não é mal enganarmos.

O rei está nú! Só os idiotas não percebem a farsa! Na verdade só os idiotas revelam a farsa! Perceber todos nós percebemos, mas queremos participar dela. O rei nú causa-nos certo desconforto, mas, ensinava minha avó: “habitos do rei,vicius do reinado”. Temer, os parlamentares, nossos ministros da justiça riem de nós, de nossa nudez. Eles apontam o dedo para nós e riem-se: “somos a vós espelhos”, anunciam em rede nacional. Isso explica porque o mundo inteiro se escandaliza e nós não. Pelo contrário vamos buscando justificativas, interpretações que se casem com o que nos interessa.

Em política, é preciso lembrar, quando a mentira se torna insufciente: quando não se acredita mais no partorzinho a gritar: “Olha o lobo! Olha o lobo! Olha o lobo!”, só resta a violência: o uso arbitrário da força. E não será o lobo a receber as bordoadas. Caminhamos para isso!  Sendo os três poderes uma mentira só, a violência indiscriminada ronda-nos. Penso em me vestir em pele de lobo. Não, os pastores já usam bem essa tecnica. Eu minto, mas não chego a tanto. Verdade e religião também nunca se encontram.


segunda-feira, maio 23, 2016

Pedindo licença a Gregório de Matos.


De dois ff se compõe
este desgoverno a meu ver:
um furtar, outro foder
...
no primeiro trata-se do povo
no segundo, o Aecin será o primeiro.

SOBRE NOSSOS INSTINTOS


O ser humano é movido por forças instintivas de criação e preservação. Assim, em tudo o que faz, o ser humano ou visa conservar, proteger, manter, ou visa transformar, melhorar, criar. O atual cenário político ilustra bem este confronto. Os que nutrem expectativas e aplaudem a Impostura instalada em Brasília se movem pelo instinto de conservação, conservação do que há de mais atrasado e mesquinho em nossa cultura: o patriarcalismo, a meritocracia, o desprezo, que em alguns se torna ódio, às camadas populares e às minorias. A expectativa de muitos conservadores é recuperar um passado que não existiu, um antes de Lula e PT que não passa de distorção de resíduos mnêmicos, amalgamados a alguma frustração pessoal. Alguns que defendem o retorno de Dilma também o fazem para conservar o que ilusoriamente creem terem conquistado. Mas há os que querem, de fato, transformar o Brasil e nossa forma de fazer política. São poucos. São, no entanto, os mais criativos.  Geralmente os conservadores de ambos os lados fazem largo uso de memes, que não requer muita inteligência, só a capacidade de reproduzir, outro nosso instinto.

A PESSOA HUMANA SER CULTURAL




“O aceso universal à Cultura não pode deixar de fazer parte das prioridades do poder público”



                 A pessoa humana é naturalmente cultural e a cultura é a sua forma de vida; o modo pelo qual ela se situa no mundo, interage com o mundo e produz e significa o mundo. Assim, a cultura exerce papel fundamental na vida humana. Sua tarefa principal  é construir um sentido para o existir humano, um modelo de humanidade que seja adequado à dignidade e à exigência da pessoa humana

                 Por ser uma construção coletiva, ela se estabelece mediante a inter-relação Eu-tu, no fazer e refazer o mundo. É mediante a inter-relação discurso-ação que o humano interage com seus pares e vai dominando a realidade, criando e recriando este mundo, acrescentando-lhe algo de seu, acrescentando-se a ele, humanizando-o, humanizando-se. Nos Dizeres de Hannah Arendt (A condição Humana): “É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento”. E no exercício deste novo nascimento, o homem pensa, avalia, dá sentido, cria valores, escolhe e justifica suas opções, organiza sua vida e de seu grupo: Forja a si um rosto. Tais procedimentos constituem um complexo e rico mundo de símbolos, ideias e cosmovisões. Assim, segundo Leslie A White, toda cultura depende do símbolo. É a “faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna possível sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura, e o homem seria apenas animal, não um ser humano” (in, Fernando H Cardoso, Homem e Sociedade). Para Lévi-Strauss as relações humanas não são possíveis senão em função de um sistema simbólico, pois “a vida social só pode emergir a partir do pensamento simbólico”.  Através da cultura, então, o ser humano destaca-se do mundo natural, cria um mundo próprio, determinando-se culturalmente.

                 Enquanto caráter identificador de uma determinada sociedade, a cultura se expressa nos modos de viver e pensar desta determinada sociedade, e designa o patrimônio social dos grupos humanos radicados historicamente nesta sociedade. A cultura compreende, então, os conhecimentos, crenças, valores, ideologias, modos de produzir e criar produtos e símbolos que caracterizam tal sociedade. De tal modo, o universo cultural de uma comunidade humana particular é um sistema oniabrangente que compreende a língua que se aprende, a maneira de se alimentar, o jeito de sentar, andar, correr, brincar, o tom da voz nas conversas, as relações familiares, a emoção, etc. Tudo isto existe no comportamento modelado em sociedade e possibilita o estabelecimento das regras de conduta e dos valores que nortearão a construção da vida social, econômica e política de tal comunidade.

                 Assim, cabe a cada sociedade projetar o modelo de pessoa que se plasma. O projeto cultural de um povo, ou seja, as prioridades, os valores, o modelo de pessoa, delineiam o caráter e a identidade da própria sociedade. O problema da cultura, portanto, não é um problema apenas do Estado, é um problema de toda a sociedade. É a sociedade que deve ditar-lhe os rumos. O Estado e sua organização é uma construção humana, portanto, é também um bem cultural. Porém, o Estado, enquanto expressão da sociedade, e a serviço da sociedade, não pode eximir-se de suas atribuições. Cabe ao Estado, a serviço da sociedade, incentivar a produção cultural, criando espaços para a criação, produção e circulação de bens e serviços culturais; preservando e resgatando patrimônios e documentos históricos; fomentando iniciativas artísticas, formativas, e de pesquisa que evidenciem as características próprias de uma coletividade; facilitando o acesso universal às produções e manifestações culturais, incrementando e preservando manifestações culturais próprias de seu povo, etc.

Ao defendermos, então, o direito universal à cultura, estamos reclamando ao Estado o reconhecer a cada pessoa o direito a fazer parte da comunidade humana, inserida numa história, numa sociedade, numa cultura própria, buscando relacionar o sistema de representação simbólica de seu grupo às exigências de um modelo social que ressalte e promova sua dignidade de pessoa humana.

Se reduzirmos, pois, o papel do Ministério da Cultura às lei de incentivo, em especial à Rouanet, ele não tem mesmo razão de ser. Num âmbito mais amplo, o debate entorno da extinção ou não do MINC revela apenas a obtusidade do atual desgoverno e dos que o aplaudem.  Na verdade, nutrir qualquer expectativa de uma IMPOSTURA, revela o quanto distante estamos de uma CULTURA democrática e humanizadora.

domingo, maio 22, 2016

SOBRE O AMOR CORTES


A idade média tem o seu capital cultural todo fundeado na emersão e desenvolvimento da Doutrina Católica que, no âmbito dos relacionamentos amorosos, estabelece  particular ênfase na exaltação à virgindade, admitindo e legitimando apenas a relação sexual sacralizada no matrimônio. Qualquer relação, portanto, fora do matrimonio, era condenada como manifestação maligna. Neste ambiente, as mulheres são expropriadas de privilégio e se ensina que elas são objetos para os homens, sendo privadas de terem acesso ao próprio prazer sexual. Assim, afirmando o casamento matrimonial, tornado sacramento, a Igreja combatia a homossexualidade, a poligamia, o prazer sexual, e, principalmente, o direito da mulher ao próprio corpo.

É neste contexto que nasce o “amor cortês”, difundido com os trovadores, por volta do século XII. O termo cortes se refere a quem se comporta segundo os valores da nobreza, dele derivou o termo cortesia (Frances antigo cortoisie, provençal, cortesia, cortezia). Cortes, cortesia indicam elegância, gentileza, boas maneiras. 

Literariamente o cortes consistirá da aproximação lírica do amor espiritual (Agape) ao amor carnal (Eros).  Ele acentua a subjetividade do poeta (trovador) que exprime a alegria de um “amor perfeito” e a vontade de exaltar a mulher-Senhora (damna, dompna). A mulher-Senhora muitas vezes se identifica com a senhora feudal, a princesa ou a mulher do príncipe. Em respeito ela, o amante se coloca na posição de vassalo, pronto a servir de modo absoluto e desinteressado aos desejos de sua senhora, que são desejos seus. Mesmo quando a mulher-Senhora é fisicamente próxima, a sua beleza e o seu poder a colocam em uma distância absoluta. O canto do poeta sublinha o fascínio desta distancia. Sua submissão à sublimidade de sua “Senhora” mantinha claro paralelismo com o culto a Virgem Maria, que então se desenvolvia. Não obstante, o amor cortes mantinha uma faceta antimatrimonial de caráter sensual, às vezes declaradamente erótico, e, sobretudo, adultero. Em alguns textos a relação amorosa é descrita com acentuado realismo, em modos alegremente libertinos; em outros se aproxima de uma agressividade ameaçadora e destrutiva, em outros se tocam motivos cômicos, ou resaltam imagens de amores idílicos, com reflexões morais e sobre a condição social e pessoal do poeta.

Assim, ao menos literariamente surge uma nova forma de interpretar o amor que implicava uma reconsideração da mulher numa sociedade misógina. Se no seu cotidiano eram consideradas física e moralmente frágeis,  precisando estar sobre constante vigilância contra si mesmas, na composição cortes ela é exaltada e considerada como um ser metadivino, capaz de mediar entre o homem e Deus. Uma concepção que evidencia comportamentos novos no interior das relações homem-mulher.

A Igreja, mantém, porém, sua rígida oposição ao amor carnal e continua a considerar o relacionamento sexual o elemento fundamental do pecado, chegando a regular seu ritmo e modos dentro do sacramento matrimonial. E São Jerônimo chegou a afirmar que "adultero é também aquele que é ardentemente enamorado da esposa".

Assim, por sua  ambivalência entre erótico e espiritual, o amor romântico-cortes, para Domanico, era impossível de ser vivido no matrimônio. Segundo Domanico: “l’amor cortese è quindi adultero per definizione” (O amor cortes é adultero por definição). Como tal, se opunha frontalmente à Doutrina Católica e à vida cotidiana medieval.

Traços dessa ambivalência não são difíceis de se encontrar entre nós, a despeito dos movimentos de liberação sexual e emancipação feminina.





DOMANICO. Roberto (2012).  Dal l’amor cortese al dolce stil nuevo. http://www.2la.it/letteratura/411-dallamor-cortese-al-dolce-stil-novo.html

DUBY, Georges (2013).  As damas do século XII . Companhia de Bolso. São Paulo.

Ferroni, Giulio. Profilo storico della leteratura Italiana. Milano: Einaudi. 1996

sexta-feira, maio 20, 2016

FRANCISCO MARX E LÁZARO


Eu conheci Francisco de Assis e Karl Marx no mesmo dia. Era em uma época em que a Igreja Católica tinha uma ala progressista e optava pelos pobres. Mantive-me sempre mais franciscano que marxista, e continuo achando que a revolução deve se dar com os destituídos contra os opulentos. A luta de classes é apenas um recorte dentro deste cenário em que uns não tem o mínimo e outros não se contentam em esbanjar. A luta de classes é uma luta em que uns lutam para não se tornarem pobres e os oponentes para serem aceitos no mundo do esbanjamento e da opulência.   Nunca me envolvi de pleno na ação política. Durante um bom tempo arrisquei o caminho da vida religiosa. Hoje mantenho apenas algo de Dom Helder Câmara: "não sou nem capitalista, nem comunista: Sou Cristão". O Cristo que sigo não se encontra nem na doutrina católica, nem na doutrina evangélica, das quais ele foge como o diabo foge da cruz. O Cristo que eu admiro não prega ao pobres se faz pobre, nasce e morre como delinquente: perseguido e despossuído. É o caído no caminho, caído porque saqueado, derrubado, abandonado, ignorado, como todo pobre de todos os tempos. É o Cristo sutil e irônico com o jovem rico. Fosse deselegante diria: “queres fazer parte comigo; vai devolve tudo o que roubaste até hoje dos pobres, porque tua riqueza é fruto da exploração, da expropriação do outro...” Não, este Cristo não existe, eu sei, faz parte de meus delírios... Mas a riqueza espúria de uns e a pobreza criminosa de tantos e tantos eu a vejo a todo instante. O comunismo não dá conta da revolução que eu sempre desejei. A revolução que eu sempre almejei não tem nome, apresenta-se numa imagem: a do pobre Lázaro no seio de Abraão (Lucas 16:19-31). Eu sempre tive que o seio de Abrão é uma realidade futura, mas não transcendente. Ela se dará quando todos os excluídos, e não uma classe, se levantarem contra os poucos privilegiados de qualquer sistema: econômico, político, religioso... Quando Golias derrubar Davi.

Tandara


Não queria vir direto pra casa. Voltar pra casa tem sido a última de minhas vontades. Desci, então, na Bento Madureira, decidido a tomar uma ou duas cervejas. Fui ao Beirute, geralmente o Adair está por lá. Precisava ser apunrrinhado. Pedi uma Vodka, um torresmo. Algumas pessoas bebiam e conversavam sobre o jogo na tela. Um grupo de alunos chegou. Iam comemorar o aniversário de um deles. “Professor!... O senhor aqui?”, como se professor não tivesse vida social. Tandara, uma moreninha, esguia, olhos esverdeados. Uma que senta no fundo, quase não fala, está sempre com aquela outra menina, a Patrícia, aquela que você vive dizendo: “está menina não vem pra escola, vem fazer ponto”... Tandara sentou-se do meu lado: “Senhor bebe pinga?” “Não é pinga, é Vodka”, respondi. “Uma cerveja na conta do Borges”, pediu um dos meninos. “Desculpem-me, mas eu não pago bebida para alunos!” “Não é o senhor quem diz que só é professor na escola? Então, nós só somos alunos na escola!” Tandara sorriu-me: “aqui somos Tandara e Borges”, tomando meu copo e bebelicando: “brhuuu!”. Senti o toque de sua mão sobre minha perna: “É forte né, desce queimando!”. Apenas sorri-lhe. “Nossa!” “O que ouve?”, perguntei-lhe. “O teu olhar, senti-me toda dentro dele!”, respondeu-me. “Vê, estou toda arrepiada!”. Pedi a conta. “Já, nem chegamos!”, Tandara desaprovava-me, fazendo beiço. Preciso ir, amanhã tenho uma turma pré-vestibular. Paguei a conta, deixei duas cervejas pagas, sai. “Então, até uma próxima vez Borges”, com uma inclinação de voz, que pareceu-me um convite. “Até quarta! Não bebam muito, não façam besteira!”... Vinha pensando naquela cena com Tandara, a sua atitude me surpreendera. Não era a mesma Tandara do segundo ano, que se anula num fundo de sala... Senti passos me acompanhando, virei-me uma duas vezes, mas não vi ninguém... Eu devia ter continuado em frente e vindo pra casa. Voltei ao Beirute. “Eu sabia que você ia voltar!”, sorriu-me Tandara, com um copo de Vodka.

quinta-feira, maio 19, 2016

POLÍTICA


Eu sou dualista e, por isso, pego-me em contradição. Por exemplo, eu tenho uma definição precisa de política: “Política é a arte de enganar para se dar bem!”. Está definição me impede, por exemplo, de envolver-me mais intensamente com a política partidária. Embora filiado a um partido, desconheço como ele funciona – sou como um batizado que comparece só aos casamentos, quando convidado. Meu comportamento cotidiano geralmente nega minha profissão de fé –.  Eu sou filiado a um partido de esquerda, mas no dia a dia defendo ideias liberais, como se fossem de esquerda. O contrario também acontece. Isso apenas ilustra o meu pouco envolvimento com a política, que procuro desconhecer como funciona. Pra mim está dado: quem se envolve com política é pra se dar bem, sem esforço, e precisa aprender a enganar. Fazer-se confiável, boa pinta, companheiro, até alcançar o que interessa: o interesse próprio. Eu dissimulo bem meus sentimentos, mas meus interesses, esses parecem impressos em mim. Então é melhor que eu fique longe de uma pratica que exige a arte do engano. Se política é a arte de enganar para se dar bem, eu deveria bater palmas para o atual desgoverno. Ocorre que não consigo ver o desgoverno como alguém que soube nos enganar, posto que ele é apenas parte do engano, que não se completou ainda. Temer é só um pião a ser movimentado a qualquer momento. Nós que o levamos ao posto em que se encontra devemos nos preparar, o verdadeiro ardiloso ainda esta por se revelar. Se já estamos nos sentindo iludidos, que nos preparemos. Temer é só um blefe no jogo em que estamos envolvido, um bocó que fizeram acreditar que poderia ser estadista. Eu desconfio que por trás desse desgoverno de fachada há algo que ainda não está revelado, a arquitetura do GOLPE (perdão ministra Weber, não encontro termo melhor) não está completa. Temer é apenas o interino, o figurativo que continua figurativo. E estamos nos enredando nesse jogo  como nos enredamos no fora Dilma. Vamos nos concentrando na figura patética de Temer e nos esquecendo dos que o sustentam por trás: os BBBs (bancadas do Boi, da Bala e da bíblia (com minúsculo mesmo, porque esta corja, infama a Sagrada Escritura) junto com nossa calhorda Mídia. A tese do menos Estado para governar melhor encanta, mas serve a quem? Menos Estado eu entendo, posso estar enganado, é mais poder em um só ou em um grupo restrito. A qual grupo restrito interessa concentrar o poder do Estado? Eu posso estar enganado, mas nos estão enganando. É a política.

terça-feira, maio 17, 2016

IMPOSTOR MISÓGINO CLEPTOCRÁTICO EUGÊNICO


Converso com a esposa e estamos de acordo que o desgoverno interino, além de impostor é misógino, Cleptocrático e eugênico.  Os filhos querem saber o que cada termo significa. A esposa explica que “interino é algo ou alguém colocado num posto que não é dele por breve tempo”. Para ficar claro exemplifica: “Quando a professora falta e vem uma outra em seu lugar, esta outra é interina, ela esta substituindo brevemente sua professora”. E continua: “Impostor é quem toma o lugar do outro. Por exemplo, vamos supor que sua professora não faltou, mas foi impedida pela outra professora de dar aula, porque acha que é ela quem tem que dar aula. Isto é impostura: querer assumir o posto de outro de forma violenta ou injusta. Misógino é quem tem aversão a mulher e nega-lhe o direito de participar da vida social e política do país. Eugênico é quem se acha melhor que todo mundo, um ser especial e tem horror a pobre e Cleptocrático quer dizer formado por ladrões.” Os meninos pensaram, pensaram e perguntaram: “Mas você e papai não votaram no Temer?” “Não, respondi eu, votamos na Dilma. O Temer era para ser interino, substituí-la em uma ocasião ou outra, sabendo que o cargo era da Dilma e não dele. O que ele fez foi tirar por meios tórpidos, enganosos, a Dilma para assumir o seu lugar e não substituí-la. É isto que torna seu governo uma impostura. E quem o colocou lá não foi quem votou em Dilma, mas pessoas que compartilham de sua misoginia, cleptocrácia e eugenia.  Mas estas pessoas são dissimuladas, tem noção da cagada que fizeram, mas preferem transferir a culpa aos eleitores de Dilma.” Dei boa noite aos menino e os coloquei para dormir.

segunda-feira, maio 16, 2016

ÁGUIA E GALINHA

Li e releio a meus filhos A fábula da águia e da galinha que conheci por meio de Leonardo Boff. Então o mais novo me perguntou: E se criar galinhas entre águias? Uma hora alguém vai perceber que ela é galinha, respondi. E porque as pessoas não percebem que o Temer não é águia? Quando li para meus filhos a fábula não era com esta intenção política. Mas o mais novo, enquanto brinca, saca as coisas. E em seus jogos ele diz ser naturalista.

INOCÊNCIO


"Então você acredita mesmo que quem limpa a cozinha com os pés e as mão sujas, limpa a cozinha?" Perguntou Inocêncio

COISAS DE PAU D’ALHO II




Dona Eugênia é uma boa senhora, gosta de ajudar os mais necessitados. Distribui roupas no inverno, brinquedos no natal e durante o ano colabora com doações ao fundo de assistência. Por seus prestigiosos serviços chegou a receber comenda do município. Dona Eugênia, para ajudar na organização da casa, sempre contou com a ajuda de Sebastiana, para quem dava uns trocadinhos, vez ou outra. “Temos que ajudar como podemos”, proverbiava. A ajuda de dona Sebastiana consistia em tirar pó, varrer quintal, lavar e passar, duas três vezes na semana. Os trocadinhos de dona Eugênia era algo com o qual não se podia contar, vezes vinha, vezes ficava para uma outra vez. Nunca era uma quantia certa. “Dona Eugênia me ajuda como pode”, dizia Sebastiana. Mas o município criou um tal de Frente de Trabalho, com recursos da Capital e um tal de Complemento de Renda, também repasse da Capital. O dinheiro era coisa pouca, mas era coisa certa. Sebastiana se inscreveu nos tais programas. “Depois que Sebastiana passou a receber ajuda do município ficou preguiçosa. Pobre é assim, não pode ver um dinherinho a mais que se encosta”, rezava dona Eugênia, enquanto a menina Margareth passava o pano no chão. “Margareth, tem uns vestidinho ali que eram de Regina, o que te servir você pode levar”. “Dona Eugênia é pessoa tão boa”, pensou a menina Margareth.      

domingo, maio 15, 2016

PROPRIEDADE PRIVADA E CAPITALISMO



Eu não tenho nada contra a propriedade privada. Tenho contra a concentração obscena da propriedade. Eu não combato os que alentam possuir bens materiais, ter uma vida confortável, ficar rico, combato os que acreditam ser só eles detentores de tal direito.  Uma grande parte das pessoas querem apenas poder comer, vestir, calçar, educar-se, trabalhar, fruir tempo livre. Mas há os que se assoberbam dos bens produzidos e da propriedade privada como bens exclusivos por “uma ordem de mérito” quando é de clara injustiça social. Sabemos bem como muitos latifúndios foram criados. Sabemos bem como muitos de nossos ricos, ficam ricos: explorando, extorquindo, agiotando, desviando recursos públicos para contas pessoais. Estes  desconsideram que – “se  ter é condição para ser, esta é uma condição necessária a todos os homens” (Paulo Freire) – os alijados e expropriados também tem direito à propriedade privada, o mínimo para garantir-lhes dignidade. Nem todo mundo sonha em ser empresário, fazendeiro, morar em Miami, visitar o mundo. Há pessoas que sonham apenas com a possibilidade de plantar uma roça e comer de seu fruto, ter uma casa modesta, um escola boa para os filhos, um atendimento respeitoso em postos de saúde e hospitais. Estes desejos parcos doem na alma dos opulentos e o lenitivo que eles encontram é o acumular mais e mais e o reprimir mais e mais os alijados.

O capitalismo funciona? Funciona! "Um de cada 100 habitantes do mundo tem tanto quanto os 99 restantes; 0,7% da população mundial monopoliza 45,2% da riqueza total e os 10% mais ricos têm 88% dos ativos totais, segundo a nova edição do estudo anual de riqueza publicado pelo banco suíço Credit Suisse, feito com dados do patrimônio de 4,8 bilhões de adultos de mais de 200 países"*. Num mundo  com 6 bilhões de habitantes, “apenas trinta e dois milhões de pessoas podem ser consideradas, de fato, ricas, sendo que 161 delas controlam cerca de 140 corporações que, por sua vez, dominam praticamente todo o sistema econômico e político do mundo”** .

A imagem que melhor explica o capitalismo para mim é a do médico contratado pelo SUS que vai até seu posto de trabalho assina o ponto contorna e vai para sua clinica particular, onde recebe do plano de saúde, do paciente e do SUS pelo atendimento que não ofereceu no SUS. Esse mesmo médico aparece no fim do dia na televisão anunciando que o SUS precisa ser privatizado para funcionar. O sujeito que ficou o dia todo esperando por seu atendimento tende a concordar, porque quando pagou “foi rapidinho”.

Eu e a massa de gente que me espreme todos os dias no cargueiro da CPTM nos sentiríamos um pouco mais ricos se fossemos transportados com mais dignidade. Mas as pessoas que desviaram os recursos para as melhorias do sistema ferroviário para manter e ampliar suas riquezas, nos veem apenas como números e não como pessoas.

Essas duas imagens é, para mim, e posso estar enganado, a essência do capitalismo.



*http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/13/economia/1444760736_267255.html

** http://jornalggn.com.br/blog/marcio-valley/a-espantosa-distribuicao-da-riqueza-mundial

sexta-feira, maio 13, 2016

O ASNO O BURRO O RATO




Tenho um amigo fantasma que diz ter sido mordomo de Pedro II. Geralmente ele me aparece quando estou a ponto de “azarar” alguma garota. Ele é mestre em me colocar em situações vexatórias. É no entanto um bom companheiro em horas de incertezas e angustias. Leopoldo é seu nome. Leopoldo tem uma conversa vivas, cativante e mesmo insidiosa. Durante muito tempo encasquetou que eu deveria ser bispo e, “quiçá papa”. Depois, desiludido, por minha pífia figura no seminário, encasquetou que eu deveria ser político. Propôs a ser meu mestre, gabava de ter “sido conselheiro do infante imperador em grandes decisões imperiais”. Resumiu seus ensinamentos a um fábula de Liev Tolstói. Segundo tal fábula um leão e um urso “acharam um pedaço de carne e começaram a brigar por ele. O urso não queria ceder e o leão também não. Brigaram tanto que os dois perderam as forças e caíram deitados. A raposa viu a carne entre os dois, apanhou e fugiu”. Estava prestes a desabotoar a blusa de Marcela, uma loirinha estrábica e aparelhos nos dentes, quando Leopoldo se fez presente. “Meu caro Don Juan, que vexame! Que vexame! Estou deveras desapontado!” Vexado e desapontado estava eu, que não sabia onde meter a cara diante de Marcela se recompondo e exigindo uma explicação para meu súbito relaxamento. Já previa minha fama no dia seguinte. Leopoldo estragou meu affair apenas para traduzir-me uma corruptela do texto de Tolstói. “Cabe para nossos dias”, dizia ele, todo bonachão e narrou-me a corruptela: “Um asno e um jumento acharam uma espiga de milho e brigaram por ela até extenuarem-se. Quando caíram deitados, veio um rato e se apossou da espiga”. “Leopoldo”, reagi indignado, “você interrompeu minha foda pra isto?” Leopoldo sorriu-me desapontado e desapareceu. Eu não entendi nada! Você, caro leitor, entendeu?   

MEA CULPA


É, nós sabíamos que Michael Ellias (Mika) era estranho. Soturno, tinha aquele olhar para dentro e um riso alienado. Ele não gostava, mas, nas brincadeiras o tratávamos como “café com leite”. As meninas o evitavam e o chamavam Nosferatu. Nós sabíamos de sua debilidade, de sua pouca compreensão da realidade e sua misoginia. Sabíamos. Foi o Gustavo Lima que nos deu a ideia. O Marcos trouxe-nos umas revistas do pai, passamos a tarde nos masturbando e comparando as figuras das revistas com nossas irmãs e primas. “E se a gente mostrar pro Mika?”, comentou o Gustavo. Nos divertimos com Mika e sua repulsa raivosa às imagens na revista. “Sabe Mika”, começou o Adalberto, “a R., do segundo ano, ela quer fazer isso contigo”, e mostrava-lhe a cena da revista. Mika enfurecia-se, gaguejava, tentava a custo tomar-nos a revista. Riamos e repetíamos mantramente “R. quer chupar o Mika”. O resultado da brincadeira foram três ponto na testa de Adalberto, Mika avançou contra ele para tomar-lhe as revistas, Adalberto, desvencilhando, bateu com o rosto na porta. Nós não gostávamos de R., ela parecia moleque e gostava de andar com uns pretos do morro. Não gostávamos deles também, eram trombadinhas. Mas R. preferia andar com eles a nos dar bola. Continuamos importunando Mika com nosso mantra, acrescentando uma ou outra frase: “ela vai enfiar o dedo no teu cú”, “ela vai cortar o teu pinto”. Era divertido deixar o Mika nervoso. Nos vingávamos de R. . R. um dia, apareceu morta no campo de educação física. Nua, tinha a língua e o dedo médio cortados. O dedo médio foi encontrado no reto. Sabíamos que Michael Ellias era estranho e o insidiamos. A culpa, no entanto, era de R. . Ela não tinha recato. Depois, prenderam um preto no morro, não se tocou mais no assunto. Michael Ellias assumiu a presidência do grêmio. Prometeu que só os alunos com mais de três nomes fariam uso do refeitório.

Por Fernando Henrique Neves de Mello Mendes  

quinta-feira, maio 12, 2016

NÃO HOUVE GOLPE



Pedro Henrique Mendonça e Mello se masturbou enquanto observava, pela tela de seu notbook,  a empregada N., de dezesseis anos,  trocar de roupa: “ainda como esta pretinha”, ejaculou-se.  Silmante Marinho Mendonça e Mello, a esposa, o esperava impaciente:”Jujú, se apresse, vamos nos atrasar”. Antes de saírem Silmante orientou N. quanto o almoço e a medicação de Pedro Jr. O Pedro pai não deixou de apalpar-lhe as nádegas. Silmante Sorriu-lhe cúmplice. No púlpito, Pedro Henrique defendeu a família a pátria e Deus. Silmante se pegava com a irmã coletora de oferendas, numa sala contigua. “Rezemos para que o novo Presidente, nos livre do Fórum de São Paulo”, concluiu Pedro Henrique Mendonça e Mello.

quarta-feira, maio 11, 2016


Jheanne Maria


Jheanne Maria é destas mulheres que nos tornam arrependidos de ter tomado responsabilidades antes de a conhecermos. Eu a vi ontem. Descia do ônibus. O tempo parou. Uma canção primaveril, o sorriso que trazia em si. Eu sonhei este momento: do brilho de seus olhos abarcando-me e eu me deixando absolver, capturado em suas pupilas. “Como és formosa, amiga minha! Como és bela! Teus olhos são como pombas... mostra-me o teu rosto, faze-me ouvir a tua voz”. Eu sonhei este pecado de estar em seu leito, em seus braços, deliciado de seu mel.  Eu sonhei este pecado no tempo parado. Jheane Maria descendo do ônibus.



Jheanne Maria è di queste donne che ci rendono dispiaciuto per l'assunzione di responsabilità prima di conoscerle . L'ho vista ieri. Scendeva dal bus. Il tempo si fermò. Una canzone di primavera, il sorriso che portava in sé. Ho sognato questo momento: il luccichio nei suoi occhi ammantandomi ed io lasciandomi assolvere, catturato nelle loro pupille. "Come sei bella, amica mia! Come sei bella! I tuoi occhi sono come colombe ... mostrami il tuo viso, fammi sentire la tua voce ". Ho sognato questo peccato di essere nel suo letto, tra le braccia in gioia il vostro miele. Ho sognato questo peccato nel tempo fermo. Jheane Maria scendendo dal bus.


CICUTA


Desceu ao jardim, limpou-o. Ajustou uma cova rasa. Semeou-lhe sementes. As cobriu de terra, que logo regou. Acocorou-se. "O que fazes, é noite ainda", perguntou-lhe voz de dentro. "Vigio a flor que ei de contemplar!" Tinha desejos de cicuta

HUMANO

Para Elvis Almeida



Vô nos explicava que cada semente lançada ao solo era uma possibilidade de vingar ou não, mas, vingando, não seria outra coisa a não ser o que esperávamos que ela fosse. “De tomate não nasce abóbora”, resumia vó. O ser humano, retomava vô, é uma incógnita, um mistério, dele podemos apenas alentar um modelo a que estamos sempre aquém. “Plantando abóbora é capaz que surja pepino”, ironizou vó. Tia contou-nos então, a História de Luiz Martins de Souza Dantas e Aracy Guimarães Rosa, brasileiros que viveram os tempos sombrios de holocausto e contra todas as restrições burocráticas ajudaram inúmeros judeus a deixarem a Alemanha nazista. Eles não figuram em nossos livros de história, mas são considerados Justos entre as Nações, termo “utilizado pelo Estado de Israel para descrever góis/gentios que arriscaram suas vidas durante o Holocausto para salvar vidas de judeus do extermínio pelo nazismo”. Tomamos chá, fomos dormir. Na manhã, vó curava as galinhas e patos, ela intuiu que eu lhe faria a pergunta: “como sabemos o que é o humano? E deixou-me fazê-la. “Não sabemos, só podemos desejar.” Tempos depois, conversando com Rodner Lúcio ele explicou-me: “Uma coisa é certa, se a brutalidade, a agressividade a mesquinhez é própria do homem, a solidariedade é do humano. Produzimos holocaustos, mas produzimos Luiz Martins e  Aracy Guimarães, que estão mais próximos do que pensamos e desejamos ser o humano. Na outra ponta o que existe é barbárie”. Vô trouxe batatas e milho do campo, tia armou fogueira. É noite de São João: Voz que grita no deserto.


quinta-feira, maio 05, 2016

COISAS DE PAU D’ALHO

No final dos anos 60 uma serie de crimes agitou a pacata cidade de Pau D’Allho. Para por fim aos acontecimentos um nobre edil levou à câmara projeto de lei que obrigava o recolhimento de todas as facas dos munícipes e proibia a comercialização de tal objeto na cidade. Houve debates acirrrados a favor e contra. Uns diziam que era constitucional outros diziam que era inconstitucional, outros queriam, o simples: desvendar o(s) autor(ES) dos famigerados crimes. Diziam que tinha filho de fazendeiro envolvido e coisas e tais. E naquela época não se mexia com fazendeiro. Um outro edil, no impasse que se criou emitiu projeto de lei que determinava enviar a Capital pedido de alteração do texto constitucional, permitindo a aplicação da lei no nobre companheiro. Tio voltou com essas novidades da cidade e narrou-nos os eventos. Vó  cerzia uns trapos de vô trabalhar na roça e atenta a tio talhou o dedo com a tesoura. Ela então comentou, “pede para colocar a tesoura nesse rol de instrumentos que criamos para facilitar nossas vidas, mas que por descuido o má intenção usamos para nos agredir e ferir, e tira ela de circulação também.” Antes de irmos dormir tia nos contou história. E vó, antes da benção, nos ensinou: “O erro não está nos instrumentos, está no propósito de quem os usa; as leis a constituição são apenas instrumentos. Mudar os instrumentos e não mudar as intenções de quem os usa é como apagar fogo com querosene.”       


quarta-feira, maio 04, 2016


SOBRE JUÍZES E DEUS

No esfrega resfrega dos cargueiros da CPTM, duas observações me chamam atenção: "Meu filho, com esses nomes, Lewandowski, Toffoli, Fux, Weber, Zavascki, Fachin, você acha que esse povo está preocupado com nóis Silva Souza Santos? Eles vão ganhar o 'aumentinho' deles é nóis que se lasque. O tom arrastado do sujeito deu ironia a realidade tão triste. Num outro canto, não fugindo ao tema, alguém disse: "Você diz não acreditar em Deus porque você nunca se apresentou diante de um juiz. Deus pode não existir, mas que o juiz faz direitinho a parte dele, isto ele faz." Ao fundo alguém gritou: Aqui é Zona Leste: Vai Corinthians" 

segunda-feira, maio 02, 2016

A Lei de Newton


Abro os olhos e incauto percebo que as coisas se mantêm em ordem. As leis que as regem se mantêm. O copo cheio pela metade, não se esvaziou por todo: não pode! O liquido que o preenche pela metade não se avoluma e o transborda: não pode. O relógio marca as horas e avisa-me o correr do tempo. E tenho pouco tempo, alguns minutos apenas. Sento-me e levando os pés ao chão tateio-o buscando os chinelos no exato lugar em que os deixo todas as noites. Ligo a rádio e o locutor informa que é feriado e haverá sol: “A chuva parece ter dado um tempo, para quem vai curtir o feriado, o dia será de sol”... segue a canção...: “a sensação do momento...”. Alcanço com os pés os chinelos, calço-os e levanto-me. Abro a janela e a brisa fria da manhã invade o quarto, arrepia o corpo. Esta tudo em ordem, nada foi revogado. A natureza mantém suas regras... Tomo o copo verso o liquido que o preenche pela metade no ralo da pia. O liquido como se deve esperar escorre para baixo e aos poucos some ante meus olhos. Lavo o copo e o encho de água. Verso a água na cafeteira, coloco-lhe também o filtro e o café. Ligo-a, sua luz ascende e em segundos seu rumor característico me informa que está tudo em ordem. O relógio não para, o tempo escorre e não o vemos. Tenho pouco tempo, tempo de tomar correndo um café. Visto-me às presas, tomo de uma golada só o café, desço as escadas correndo, por pouco perco o ônibus. Esbaforido sento-me e respiro aliviado. Afora o feriado, que trás um pouco de tranquilidade à cidade, nada está fora do lugar: “terá desfile, pronunciamentos, programas especiais, sorteio de brindes, manifestações...”. “Na noite passada”, leio de relance no jornal de um cavalheiro, “a polícia encontrou mais um corpo de mulher esquartejada próximo ao Parque das Nações. Segundo informou o delegado responsável pelo caso, ela tinha tatuado no corpo a lei de Newton: “Dois corpos não cabem no mesmo espaço”. É o quarto corpo encontrado nos últimos vinte dias com tatuagens similares. A polícia suspeita...”. Não consegui ler mais nada. Só ouvi o murmúrio do cavalheiro: “este mundo está perdido. Só Deus o pode salvar...” Levo a mão ao bolso, encontro a caneta e o bloco de anotações: “A energia não pode ser criada nem destruída: a energia pode apenas transformar-se”, anoto. Tiro do bolso o canivete e brinco com ele.



In O Todo Em Fragmentos. Editora Ilustra. 2013