sexta-feira, outubro 26, 2018

TEM UM CRISTO QUE NÃO ME ABANDONA

I

Era hora do almoço. Nos reunimos em torno da mesa, éramos sete, tinha comida para vinte ou mais pessoas. O padre superior fez as orações de costume, agradecendo nosso lauto banquete e recomendando a Deus providenciar aos pobres e necessitados. A campainha tocou. A secretária veio comunicar que uma senhora com uma criança no braço pedia algo para ela e a filha, que o marido estava desempregado e... Um dos padres, mal esperou a secretária terminar o anúncio. E ainda com a boca cheia, retrucou ríspido: “essas pessoas pensam que somos o bom samaritano? Diga que estamos almoçando, que volte depois...” Neste dia eu comecei a percebe que eu estava no lugar errado... Comecei a desconfiar de mim, de minha fé

II

É que eu vinha de um grupo que costumava se reunir para ler e estudar os Evangelhos. Depois organizávamos coleta de alimentos e roupas que saíamos distribuindo por asilos e creches. Também fazíamos sopas para distribuir a moradores de rua e organizamos atividades de lazer e acompanhamento escolar para crianças de nossa comunidade. Muitos de nós acreditávamos que nos pobres, nos abandonados, nos marginalizados se encontrava o verdadeiro Cristo. Esta fé me levou a morar com os padres...

III

Mas parece que nós líamos e interpretávamos os Evangelhos a nosso modo. Não tínhamos que ser samaritanos, não tínhamos que acolher o necessitado, pra isto tinha a assistência social. Vieram os movimentos religiosos pregando que o verdadeiro Cristo se encontrava na adoração, no louvor. Quem nos conduz é o Espírito Santo, não os estudos. Os estudos, aliás, nos desviam do verdadeiro Cristo. Então começaram a falar de um Cristo Majestoso que nos abençoava com carro, casa, vestidos luxuosos... Bastava ser fiel ao dízimo. Foi ai que eu comecei a negar Cristo...

IV

Eu abandonei Cristo. Mas tem um Cristo que não me abandona. Ele continua caído pelas esquinas, abandonado em leitos de hospitais, aprisionado em nosso sistema prisional. Mas estão dizendo que este Cristo tem que morrer, porque ameaça tomar os bens que o outro Cristo, em sua graça infinita, doou-me. Talvez eu continue lendo os Evangelhos a meu modo, e o Cristo que neles encontro é um Cristo deturpado... Talvez o Cristo que não me abandona eu o tenha fantasiado, que o Cristo verdadeiro não tenha sido escarnecido e torturado... Talvez eu tenha entendido errado, que bem aventurados são os que acumulam riqueza, os que enganam o pobre, o trabalhador e a viúva, com promessas, se fieis ao dízimo, de um céu na eternidade. Talvez o Cristo que não me abandona não tenha falado de perdão, que a mulher adultera, a samaritana no poço de Jacó, o ladrão na cruz, sejam minha criação. Talvez os marginalizados, na verdade vagabundos, preguiçosos, viados, precisam mesmo serem executados, que o Cristo verdadeiro andava era armado...

Há muito tempo eu abandonei Cristo, mas tem um Cristo que não me abandona.

JUSSARA

Tia certa vez contou-nos a seguinte historia:

"Um dia Jussara levou o namorado para apresentar à família. A mãe de Jussara, depois que o tipo partiu, advertiu a filha: “filha, este sujeito não presta!”. Jussara não deu ouvidos. A avó de Jussara a alertou: “filha, este sujeito não presta!”. Jussara não deu ouvidos. A irmã de Jussara falou-lhe do caráter agressivo do sujeito. Jussara retrucou: “Eu mudo ele!” O pai de Jussara a orientou: “Filha a vida é tua, você deve escolher o que é melhor pra você, no entanto, nos preocupamos com tuas escolhas, porque se tu sofres, todos sofremos...” Jussara olhou para o pai e disse: “ele me prometeu fazer-me feliz.” Antes do primeiro ano de casamento, o tipo arrebentou Jussara na pancada e depois a matou. Perguntado o motivo de sua sandice criminosa o tipo respondeu: “Ela queria ser feliz do jeito dela, mas tinha que ser do meu jeito”...."

Disto vó nos ensinou: “não podemos escolher o destino de ninguém, podemos com nossa experiência, com nosso conhecimento, com nossa capacidade de discernimento, orientar, mostrar o erro, ajudar a decidir, mas nosso destino, nós o escolhemos. E a gente sofre quando os que amamos tomam decisões erradas, mas sempre esperamos que eles reconheçam o erro, então nós os abraçamos e recomeçamos, mas quando eles já não podem nem se arrepender das decisões que tomaram, nós apenas sofremos.”



Eu penso que há decisões que tomamos que não nos permitem voltar atrás e recomeçar. E elas não podem ser tomadas apenas com os sentimentos...

quarta-feira, outubro 24, 2018

REFLEXÕES ÍNTIMAS


Num período recente de nossa história instaurou-se um governo arbitrário, autoritário e não avançamos nem politicamente, nem socialmente, nem economicamente, ao final dele eramos dependentes do FMI,do Banco Mundial e da política norte americana. Durante este governo instituiu-se duas formas de “limpeza” dos indesejados, uma voltada aos movimentos de contestação política, outro de controle social. Aos movimentos políticos instituiu-se a perseguição, prisão, tortura e execução pelo DOI-CODI. No polos deste sistema dois personagens de destacam como ícones da barbárie: Vlado Herzogb e Coronel Ustra. A política de limpeza social ficou a cargo dos esquadrões da morte: fundados em um discurso moralista, contra elementos socialmente indesejáveis e de manutenção da ordem pública. Atuou nas periferias e favelas dos grandes centros urbanos, executando quem julgavam ser bandido ou socialmente indesejado. Só no Rio de Janeiro executaram mais de mil pessoas na década de 70. Não, não eram todos bandidos! Quando um dos polos da atual disputa política assume o Coronel Ustra como modelo e defende abertamente a tortura, respiramos tranquilo, porque seu discurso está voltado para a classe política, para os movimentos políticos, principalmente de esquerda. E nós somos "apolíticos", temos horror de política. Mas quanto à "limpeza" social, a eliminação dos que julgamos indesejados sociais, o que não atentamos é que ele pretende inovar. No lugar de esquadrões da morte, nosso postulante a ditador pretende armar a população e deixar a critério do “cidadão de bem”, um sujeito com duvidosos princípios morais, fundada em uma teologia do egoísmo, julgar e eliminar quem ele considera bandido ou indesejável socialmente. Uma catástrofe anunciada, mas politicamente sedutora. Eu tenho me feito algumas perguntas, porque é em minhas respostas que encontro razão para meu voto. Já não importa o que pensam meus amigos, sigo agora um preceito socrático: “sendo eu único, é melhor estar em desacordo com todos que comigo mesmo”. Então me pergunto: eu estou preparado para julgar, condenar e executar quem eu acho indesejado socialmente? AHH, não vai ser eu, haverá critérios... Então tudo bem, me reformulo a pergunta: eu estou preparado para fazer parte deste projeto de limpeza social, cujos personagens já estão demarcados? Terei eu coragem de tirar ou assentir que tirem a vida de alguém, fundado em meus critérios morais? Eu não estaria em contradição com um deles: não matarás? Que parte da oração que faço todas as manhãs e fins de noite (o Pai Nosso), oração que ensinei a meus filhos, eu não entendi, cedendo-me ao ódio ao invés de praticar o perdão? Vou mesmo pactuar com um regime que aposta na violência e não na educação da inteligência, como solução para nossa crise cultural e moral? Sim, mais que econômico-política, nossa crise é cultural e moral e truculência não as resolve! Que experiências pelo mundo deram certo com tal política? Porque eu não poderei dizer que eu não sabia, tenho me feito tais perguntas. Meu voto é ou não um compromisso com tal proposta?

domingo, outubro 14, 2018

NÃO ERA ISSO QUE EU ESPERAVA




Há diante de nós dois sujeitos se propondo a dirigir, nos próximos quatro anos, nosso destino. E o que virá a ocorrer nos próximos quatro anos não ficará restrito a eles, se estenderá por décadas. Seus discursos vinculam nosso futuro a conflitos e contradições internas que arrastamos desde que Cabral aqui aportou. Ao mesmo tempo, seus discursos nos vinculam ao cenário internacional, que temos levado pouco em conta, mas que nos amarra a compromissos e pactos políticos-econômicos, a ajustes que investidores internacionais pressionam para que aconteçam. O mundo nos olha, as agências financeiras, os grandes grupos econômicos, representações políticas e humanitárias, a impressa internacional, todos nos observam, palpitam e projetam futuros tangíveis segundo a escolha que fizermos. Embora o pouco apreço que alguns nutrem por nós Tupiniquins, nós não somos uma nação qualquer no cenário mundial. Então está em disputa, também, como vamos nos postar diante do mundo a partir de janeiro e como seremos vistos aos olhos do mundo. Mas voltemos à disputa interna. Entre nós o que pauta a disputa é um cenário de receios, de medos e incertezas. A este cenário se misturam discursos temerosos e informações tendenciosas, enganosas.  E focados nas figuras dos presidenciáveis, temos pouco considerado que eles representam não a si próprios, mas a determinados grupos e seus interesses econômicos, políticos, religiosos, sociais, pessoais... E nós vamos pregando, em um e outro, etiquetas que se resumem em dois termos: fascismo e comunismo. Alguém me perguntou, dia desses, de qual desses temores eu tenho mais medo. Eu disse-lhe que não votaria por medo a qualquer coisa, mas pelo meu anseio de que a democracia retome o caminho de sua consolidação entre nós, que nossos conflitos e contradições encontrem o caminho do diálogo, do debate, da conciliação para a superação; que o medo apenas acirra os ânimos e turva a razão de buscar o melhor e não o menos pior. Mas depois fiquei conjecturando: será que nós sabemos mesmo o que é o fascismo e o comunismo? Será que nós compreendemos o que eles implicaram? E se ambos nos parecem tão assustadores e repulsivos, porque temos que aderir a um ou a outro? Esses fenômenos são equivalentes? E podemos de fato associar os proponentes à presidência a eles?  Se nós somos capazes de identificar elementos totalitários (fascismo e comunismo) nos proponentes ao comando da nação, é sinal que sabemos alguma coisa de história e de análise de discurso, e sabemos o que uma coisa e outra (fascismo e comunismo) significam e o que concretizaram e representaram na história. Caso não, somos apenas papagaios esquizofrênicos, com medo do que desconhecemos. Se nós somos capazes de saber o que é fascismo e comunismo; devemos saber, também, o que é democracia, garantia e restrição de direitos, respeito à diferença e à diversidade, igualdade de oportunidades etc. E se sabemos estas coisas, talvez nós também tenhamos algum conhecimento de nossa história, de nossa colonização escravocrata à Constituição Cidadã de 1988, da eleição de Collor ao impeachment de Dilma, e somos capazes de reconhecer que ainda não realizamos uma unidade nacional republicana, que respeite diferenças e promova igualdade. Se temos este conhecimento de nossa história e sabemos diferenciar fascismo de comunismo, sabemos avaliar a biografia de Vlado Herzog e Coronel Ustra, para ficar apenas em dois ícones de nossa história recente, subtema desta eleição, dando a cada um o devido valor, respeito e dignidade, tornando-nos capazes de condenar ou apoiar quem faz uso de seus nomes. Caso contrário somos apenas imbecis com titulo de eleitor. Se temos um mínimo de conhecimento, que nos torna capazes de entender o cenário mundial, nossa realidade nesse cenário, a importância que assumimos na América Latina, somos capazes de entender as relações entre política, mídia, religião, justiça, cultura entre nós, dando-nos saber e entender o que estamos escolhendo e a qual preço estamos escolhendo. Se temos capacidade de analisar o discurso de nossos proponentes e classifica-los, devemos ser capazes de estender o olhar aos grupos e personalidades que se nucleiam entorno deles e sustentam suas campanhas e reverberam seus discursos, de observar e avaliar o comportamento e os anseios de seus eleitores e nos perguntar que preço estamos dispostos a pagar por um futuro desalentador. Se não somos capazes de analisar o discurso dos que se propõe a dirigir esta nação, e de analisar os grupos que sustentam tais discursos, seus núcleos de apoio, e, ao mesmo tempo, o comportamento e a expectativa dos eleitores de cada proponente, eu diria que somos apenas seres lunáticos, paranoicos, que substitui conhecimento por informações de redes sociais, ou espera o caos buscando, de alguma forma, dar-se bem com o mesmo.  Estamos papagaiando termos que desconhecemos? Estamos alimentando uma disputa com desinformação e ignorância? Então o problema é psicológico: ante a polarização fascismo x comunismo desta campanha há um elemento sado-masoquista que temos que considerar. Independente do polo a que me situo, eu voto por meus interesses próprios, seja de qual lado eu esteja, eu quero ver alguém sofrendo, purgando nosso fracasso como nação. Eu quero ser o sádico, eu quero ser o que persegue, o que julga, o que condena e o que executa a pena. Em nenhuma outra eleição expusemos tão claramente nossa perversidade, que jogamos às costas de nossos candidatos. Eles têm o discurso deles, eu tenho a minha adesão ingênua ou consciente e determinada. A polaridade, porém, que me importa é outra: ou somos razoavelmente esclarecidos e nosso voto é consciente, podendo eu responder pelas consequências futuras, ou somos apenas idiotas brincando de escolher um destino pautado no medo e não no anseio ou na expectativa de que possamos ser uma democracia de fato. Num processo em que a força e a violência se tornam projeto político, todos já perdemos. Na Crítica do Juízo, Kant ilustrou um modo de pensamento que consistia em ser capaz de pensar no lugar de todo os demais, ele chamou este modo de pensar de “mentalidade alargada”, ele necessita da presença de outros “em cujo lugar” cumpre pensar, cujas perspectivas e anseios devem ser considerados. Nossa capacidade de rotular nossos candidatos e configurar cenários assustadores para ambos deve considerar nosso papel nesse cenário, não como espectador do mesmo, mas como personagem responsável pelo mesmo, atuando nele. É preciso, nesta eleição, ao rotular um candidato, perguntar-me até onde eu me adiro ao rótulo contrário e me colocar no lugar do outro. Este outro é o destinatário de ambos os discursos e chama-se minorias. Se eu sou capaz de identificar fascismo e comunismo, eu deveria ser capaz de entender o futuro dessas minorias em um e outro candidato. Se eu sou capaz de saber o que é fascismo e comunismo eu já me coloco como responsável pela vida do outro e não poderei dizer: “não era isso que eu esperava”. Se eu sei o que é fascismo e comunismo, eu não só anseio, eu desejo participar do destino dessa minoria. Imprimirei esta vontade em meu voto.

sexta-feira, outubro 12, 2018

A CORDA ARREBENTA SEMPRE DO MESMO LADO



Olímpio Gama era um dos poucos homens pretos alfabetizados na década de 30. Por esses dias, seu espírito me ditou o que segue.



Eu sou o lado da corda que sempre arrebenta
O que carrega a responsabilidade
Por qualquer resultado
O povo que vota sempre errado
Não importa pra que lado
Eu sou o destinatário de todas as promessas
E, ao fim das contas, aquele que nada recebe
A não ser a conta ajustada pelo mercado
Neste pleito, há uma diferença patente
Por ismos e fobias,
Troco o debate por xingamentos
Persigo e agrido o diferente
Mas me responda educadamente
O que é o voto, diante de quem financia a disputa?
O que chamamos doação de campanha
Para quem doa é investimento
Na distribuição do bolo, a que migalha meu voto concerne?
Uma moradia descente?
Um salário honesto?
A escola, dos pequenos?
Ou ao ódio e à violência?
Mas desse bolo a fatia grossa a quem vai?
E a cereja a quem pertence?
Meu voto é meu cabresto
Não importa em quem seja
Não importa o meus ismos ou minha crença,
A partilha já está decida
Os que investiram já tem garantida
A contrapartida...
Mas não é isso que estamos decidindo
Não está em jogo formas de governo
Como avançar com o país inteiro
É como iremos conviver daqui pra frente
Se abertos ao debate e à fragilidade democrática
Ou, sob a hoste dos ismos e das fobias, armados até os dentes...
De uma coisa eu estou certo,
Não importa quem vença
Eu sou o lado da corda que sempre arrebenta.
O povo sobre o qual cai toda a responsabilidade
Mas estamos em tempos de cólera
E o que se desperta e se avizinha
Não se pode nomear
E é preciso me posicionar
Prefiro a frágil urbanidade à pura barbárie
Vá de retro, satanás!


quinta-feira, outubro 11, 2018

A NOITE AVANÇA


a ferida já se abriu
já não é mais possível
se opor sem se expor
talvez ainda vençamos
mas os insanos instintos
das hordas sedentas de sangue,
de justiça à bala,
estão despertos,
e, como a noite,
eles avançam,
tomados de arrogância e
impiedade
talvez ainda vençamos
mas a ferida ficará, não cicatrizará
já não é mais possível o diálogo
a convivência é algo insuportável
talvez ainda vençamos,
mas já todos perdemos
é noite em tempos sombrios.
  


domingo, outubro 07, 2018

MANTRA


O mantra é um hino de origem hindu, muito usado no budismo. O mantra é uma forma de oração métrica, repetida pausadamente e constantemente, com o objetivo de relaxar e favorecer a meditação. Segundo seus praticantes, o mantra provoca um estado de tranquilidade e paz interior, influenciando positivamente a pessoa em seus relacionamentos, favorecendo a saúde e produzindo, harmonia e prosperidade. Em alguns casos, os mantras podem ser considerados tipos de encantamento, de defesa contra aspectos de tensão e negatividade do ambiente em que se encontra. No Brasil criou-se o mantra de alienação, de manipulação, com um poder de influenciar politicamente as pessoas. Esse mantra ao invés de produzir relaxamento, paz interior, segurança ante os desafios, desperta preconceitos, intolerância, ódio. A pessoa perde a capacidade de pensar, de questionar, de desconfiar que a estão manipulando em nome de um projeto em que ela será vitima do sacrifício e não o conviva do banquete. Contra este mantra contido em uma palavra “mito”, propomos um mantra libertador: “Ele não!”. Recupere tua paz interior, diga não à intolerância e ao ódio. Respira, inspira. Novamente: respira, inspira. Agora repita: ele não, ele não, ele não, ele não...

sexta-feira, outubro 05, 2018

O VOTO DO MARQUINHO


Dizem que basta pensar positivo para que as coisas se deem. Tem até um livro muito popular que defende tal tese. Ela está na mesma linha da crença que "a fé move montanhas". Então tudo é uma questão de pensar positivo ou acreditar piamente em seus propósitos. A vida é um mar de possibilidades, basta saber nadar e ter coragem para enfrentar as ondas. Depois, "Deus ajuda quem cedo madruga" e "todo esforço será bem recompensado". A pobreza não é um castigo é um desafio, só é pobre, ou permanece pobre, o preguiçoso, o acomodado. Isso de exploração econômica, de divisão de classe, isso é bobagem, pura vagabundagem. Então, vamos pensar pra frente, amanhã é outro dia. Hei de ser rico com a graça e a benção de Deus e a força de meu trabalho. Para ser rico é preciso pensar como rico, ter os valores do rico. Ir já sendo rico na forma de pensar é já uma estratégia... É exemplar neste sentido o Marquinho. Marquinho abandonou a escola no ensino médio, queria começar a trabalhar logo. Foi ser empacotador num mercado de médio porte. Marquinho sempre quis ser rico, pensa que trabalhando e defendendo os interesses do rico, ele será rico. No momento Marquinho está desempregado, cogita ser empreendedor, vai começar nos vagões da CPTM, "um dia, terei minha própria rede de lojas e mercados". Para ser rico tem que pensar como rico. E Marquinho pensa como rico. Ele acompanha o discurso do rico. Se o rico fala contra o décimo terceiro, ele fala contra o décimo terceiro, se o rico reclama dos direitos trabalhistas, ele reclama dos direitos trabalhistas, se o rico reclama do SUS, sem nunca ter precisado do SUS, Marquinho que quer ser rico reclama do SUS. Então se o rico vota em quem representa seus interesses, o Marquinho que pensa vir a ser rico vota no representante do rico. "Eu não sou rico ainda, mas já penso como rico", disse todo orgulhoso o empreendedor de fones de ouvido no Shopping Trem. Marquinho faz coro e acrescenta, "o Mourão é um gênio!".

ELENÃO!!!!

sábado, setembro 22, 2018

UMA CONVERSA COM A FACA



Às vezes eu pegava minha avó falando com um caneco, com um prato, com as galinhas, com o gato. Diziam que ela não atinava bem. Tia, que atinava, dizia que vó era pedagógica. Perguntei a tia, certa feita: “tia que é pedagógico”. “Fio”, respondeu tia, “é coisa que se estuda!” E explicou-me:  “Conceição de seu Noca, sabe seu Noca, de Dona Quitéria, que faz bolo de milho na festa de Santo Antonio, sabe? Conceição filha dela, estuda essa tal pedagogia. Ela diz que é pra poder ensinar as crianças na escola a ler as letras e a fazer os números. Mas ela diz que não é só isso não. Ela não disse pra mim não, ela disse foi lá pras colegas dela que foi lá estuda com ela. Eu tava lá limpando e servindo a patota, escutei a conversa. Ela disse que tem uma tal de pedagogia oculta, que ensina a pessoa sem a pessoa dar-se conta que tá aprendendo. É assim: Você ensina o abc pra criança, ensina 2+2, ensina o dia da semana... e no tom da tua voz, no jeito de explicar, na forma de corrigir a criança, você ensina alguma coisa de você, de ternura, de respeito, de compreensão do outro, porque, como disse Conceição pras coleguinhas: “é modo de ser gente que se ensina no ensinar”.  “Tem dia, dizia Conceição, pras colegas,  “que quem ensina tá triste,tem dia que tá feliz, tem dia que tá animado, tem dia que tá desanimado, tem dia que só ensina a matéria, tem dia que conta e explica um acontecimento que não tem nada a ver com a matéria, mas ele acha importante, e com tudo isso a criança não aprende a só ler e fazer conta, mas a ser.  Eu, agora to pensando, eu ia é perguntar pra Conceição que coisa é isso de ser, que eu fiquei matutando, que ela disse pras amigas que educar “é ensinar a ser não o que se é mas o ser mais”. Mas eu pergunto segunda feira.” Confesso que tudo aquilo não me fez sentido, mas achei bonito. Então perguntei pra tia porque ela dizia que vó não era desatinada, mas pedagógica. “Sua vó fala com as coisas, pra falar com a gente, com seu avô que é muito teimoso e perde fácil a paciência. Então ela explica pros bichos, e pros objetos coisas que, na verdade, quer explicar pra nós.  Sua vó não sabe e nós também não, mas ela é pedagoga, que nem Conceição. E eu penso que Conceição fala alto as coisas que ela aprende pra gente aprender também.” Devo dizer que tia foi uma das primeiras alfabetizadas de Conceição, que foi minha primeira professora. Certa feita, então, eu peguei vó conversando com o gato Ferrugem: “Ferruge, seu manhoso, a vida seria mais fácil se, ao acordar, você dobrasse as cobertas e depois do café lavasse o seu copo... Eu já falei com Gustavo (meu tio) que sem sabe as letras homem não se rege mais, que ele tem que fazer como Marinha (minha tia) pegar firme e aprender as letras, se eu não fosse já de perder a memória eu também tinha vontade de aprender as letras...” Eu quis, naquele momento, aprender as letras só para poder ensinar vó. Lembro aqui essas coisas não apenas para exaltar as figuras de tia, vó, dona Conceição e, nelas, os professores que tive ao longo da vida, mas para dizer que dia desses tive uma conversa com a faca enquanto passava manteiga no pão. Eu dizia pra faca: “Ele não!” Meu filho olhou pra mim como quem diz: “Ficou louco de vez”. Mas eu repeti para a faca: “em memória das dezenas de vidas desaparecidas no Araguaia, ele não!”

quinta-feira, setembro 20, 2018

DILMA DE MAGDALA E UM CERTO BOÇAL



Um amigo meu, historiador e pesquisador, está estudando relatos de boçalidade gratuita ao longo da história. Acho interessante que alguém se dedique a questão tão pungente e hodierna. Contou-me, então, meu amigo um relato que ele jura ser da Idade Média. Conta meu amigo que logo após a queda de Roma e a ascensão do cristianismo, um grupo de cristãos nascente incomodado com a presença de mulheres entre os discípulos e advogando que a missão de evangelizar tinha sido atribuída apenas aos homens; que as mulheres deveriam dedicar-se apenas a educação e oração doméstica; via em Maria, mãe de Jesus, e Maria Madalena, figuras ameaçadoras à difusão da nova religião. Nasceu neste grupo uma desconfiança a respeito de uma certa Dilma de Magdala, que andava organizando os pobres e desvalidos em nome do Cristo. O piedoso grupo de homens, então, organizou uma assembleia para defenestrar a dita Dilma de Magdala, pois “onde estava escrito que Cristo havia enviado mulheres para evangelizar? Quem a autorizava a prometer, em nome do bom Jesus, o reino aos pobres?”. Julgaram Dilma de Magdala perniciosa às promessas de prosperidade, que o Cristo havia prometido a seus discípulos. No calor da disputa contra a mulher, um mais acalorado, segundo meu amigo, saiu-se com essa: “Em honra de Pôncio Pilatos, valoroso militar romano, pela glória de Nosso Senhor Jesus Cristo, eu digo: apedrejai-a!” E acrescentou: “pena que é feia, se não fosse, eu a estuprava”.  Meu amigo é historiador sério, se negou a dizer-me a fonte de suas pesquisas, mas eu tenho pra mim que ele anda é lendo a Foia e a Óia. Penso, ainda, que aquele pastor que batizou o coiso, andou bebendo foi desta tradição cristã! Só pode!!!

sábado, setembro 15, 2018

A SENHORINHA DA CPTM



Quando criança, com muita frequência e principalmente durante o inverno, encontrávamos motivo para fogueiras. Os quintais não eram cimentados, nem as ruas asfaltadas e ainda era possível encontrar lenha. No quintal de tia nunca faltou junto à fogueira pipoca e contação de história. Às vezes eram simples anedotas, apenas para rirmos ao redor do fogo. Outras vezes as historias serviam para atiçar nossa curiosidade e excitar a imaginação. Outras tinham algum ensinamento a ser tirado. Tia era uma eximia contadora de história, sabia dar ritmo, entonação, modulação à narrativa. Talvez devido ao fogo, eu sempre tive a impressão que suas palavras saiam de seu olhar, de seus gestos, das pontas de seus dedos. Mas toda esta introdução não é para falar de tia não, mas de uma historinha contada por uma senhorinha que me a lembrou. Adianto que não sei o nome da senhorinha, porque a acompanhei à distância em uma composição da CPTM e no perrengue entre quem embarca e quem desembarca a perdi de vista. Acontece que um boçal saiu-se com esta: “se foi condenado, algum crime cometeu, juiz nenhum condena se não houver algum crime”. Esta senhorinha esboçou-lhe um sorriso comiserado e tomando a palavra: “vou contar-lhe uma história!” e começou: “Numa certa noite remota, uma peixaria foi assaltada e os ladrões levaram cerca de trezentos quilos de pescado, na fuga deixaram pelo caminho algumas cabeças de sardinha. Um certo tipo, com a peculiar pinta de suspeito – se você não souber do que estou falando, olhe a seu redor, de cada dez pessoas aqui, oito tem a peculiar pinta de suspeito – então, como dizia, um certo sujeito com a peculiar pinta de suspeito, deu-se com essas cabeças de sardinha pelo caminho. Olhou pros lados não viu ninguém, conferiu por cima o aspecto das sardinhas, considerou que estavam próprias para o consumo, pegou-as.  No que dobrou a esquina para chegar em seu barraco, deu de cara com uma viatura da polícia. Adivinha o que aconteceu? O sujeito está há dois anos preso para “averiguação” e não se encontra um Gilmar Mendes que o libere – se é que você me entende”. “Ele não foi condenado ainda”, replicou o boçal. O desalento nos olhos da senhorinha é indescritível. “Dois anos presos, por algumas cabeças de sardinha, necessita julgamento?” Perguntou a senhorinha com a ternura de tia, quando nos questionava sobre qual desfecho deveria ter uma história. “O fato é que no domingo seguinte ao assalto”, continuou a senhorinha seu relato, “surgiu na comunidade uma barraca vendendo peixe a “bom preço”, assegurado por uma viatura da polícia, fazendo a “costumeira” rota pela comunidade. O peixeiro era puro sorriso...” Muita gente conjectura, como o boçal: “se o sujeito não tivesse pegado as cabeças de sardinha bla bla bla, bla bla bla...” A mim veio um dito de dona  Lindolvina, comadre de tia, que também gostava de nos contar uns causos: "Fio, na justiça devemos acreditar, senão perdemos a esperança. Já em certos juízes..., fio, dou mais crédito ao descomer do Xisto, meu vira-lata". Tenho pra mim que o boçal é um desses juízes.

quinta-feira, setembro 13, 2018

Arenga Setembrina II



A faca a jugular namora
A sacada o salto me invoca
Do telhado, a trave clama
A corda, o laço
O conhaque exige
A cicuta
A mistura de todos os medicamentos
Orienta-me o desejo
 Sei bem o que quero
Só não sei bem
Como o faço
De repente
Atravesso o sinal vermelho
E setembro termina

quarta-feira, setembro 12, 2018

Vladimir Herzog


Basta que um só inocente padeça de injustiça em qualquer regime, para que esse regime se torne desumano, cruel, e seu governante um tirano. (Taizu)

 

Por esses dias acompanhei minha esposa numa viagem a Carrancas, Minas Gerais, próximo de Lavras. Ficamos hospedados na Fazenda Correia, onde se deu um curso de Cultura Colaborativa, através da aromaterapia e destilação de óleo essencial. Não sendo participante do curso, tive liberdade para fotografar o entorno da fazenda, que devo dizer é encantador. Dediquei-me a fotografar pássaros e flores locais. E foi nesse exercício ocioso que encontrei Yan Liu, personagem de um antigo reino oriental. Embrenhado no meio da mata alcancei um corredeira d’água formando entre rochas um pequeno e agradável lago. Observava, então, alguns cavalos que ali se banhavam e matavam a sede. E em um nicho de copaíbas e ipês um pássaro chamou-me a atenção. Se me perguntarem não saberia especificar a espécie, mas diferenciava-se dos pássaros locais. E por mais que o tentasse fotografar, ele escapava às lentes de minha objetiva. Abandonei-o e dediquei-me ao som das águas correndo entre as pedras. “Perdoe-me, mas eu sou avesso a fotografias!” Num sobressalto, olhei ao redor e não vi mais ninguém, eu era só ali. “Aqui!” Olhei então para o alto, e misturado à folhagem avermelhada da copaíba o majestoso pássaro se me apresentava. “Sou Yan Liu! Sobressaltei-me! Continuando, após eu me recompor, disse-me ele , “sou de um antigo império oriental, que remonta em tempos à grande dinastia Liao.” Não fosse o clima ameno, e ter apenas feito a refeição, diria estar delirando de sol ou fome: um pássaro conversava comigo. “Além de majestoso, você é também milenar!” Observei-lhe entre encanto, assombro e estranhamento. Então, disse-lhe de mim, de minhas atividades e o motivo de eu estar ali. Então ele contou-me de sua sina... “Eu era conselheiro do jovem imperador Taizu, da mítica Tianjin, no Rio Hai... Uma sublevação formou-se contra o império. E o imperador, uma vez debelado o motim, ordenou que se identificassem e executassem todos os envolvidos. No processo, eu fui envolvido indevidamente, por malicia de um desafeto que conduzia as investigações. Havia entre nós uma disputa pelo respeito de Xia Bing Ging, e para tirar-me da jogada, como vocês dizem, esse meu desafeto me arrolou como um dos lideres da revolta, e sendo eu declarado inimigo do império, fui condenado à morte.” “E agora você é um pássaro, nos cafundós de Minas, conversando com um alienado!”, comentei confuso.   “Quando recebemos uma dádiva, devemos aceitar também suas agruras”, disse-me o pássaro com certa ironia e lamento. “Ocorreu que”, continuou Yan Liu, “passado algum tempo a verdade veio à luz do dia e chegou aos ouvidos do jovem imperador Taizu o real motivo de minha execução. Taizu, então, ordenou que se prendesse e castigasse meu desafeto, depois convocou o conselho imperial e colocou seu comando à disposição, renunciando ao trono imperial com o seguinte discurso: “Se entre mil homens desonestos, um homem honesto é castigado, a desonestidade não foi combatida, ampliou-se. Se entre mil homicidas, um inocente é condenado à morte, os homicídios não foram combatidos, ampliaram-se. Basta, portanto, que um só inocente padeça, entre mil homens injustos, para que a injustiça impere. Em qualquer regime, para que esse regime se torne desumano, cruel, e seu governante um tirano. Basta uma ação arbitraria, para que o mal que se combate vença a batalha. Eu não quero entrar para a história com o sangue de um inocente sobre minhas mãos...”, e retirou-se para um monte isolado, onde viveu até seus últimos anos, oferecendo sacrifícios ao Grande Dragão Celestial, em honra a meu espírito. Daí meu espírito atravessar os tempos, enquanto tiranias forem possíveis...”. Contando a meus filhos este delírio, o mais novo observou, “parece a história que a professora nos contou outro dia, o nome do personagem era Vladimir Herzog”.


quinta-feira, setembro 06, 2018

POR QUE LULA, MESMO PRESO, VENCERIA AS ELEIÇÕES?


Vou dar minha estapafúrdia opinião: Embora a JUSTIÇA seja um valor desejado por todos, nas democracias a POLÍTICA ordena e indica o papel do judiciário, que deveria estar subordinado às leis. Numa democracia, não são os juízes quem formulam as leis, são os parlamentos, o espaço do embate político. No Brasil, promotores e juízes têm procurado subverter esta relação e pretendem eles dizer como a política deve ser, querem subordinar o político não às leis, mas às suas convicções. O fato é que meteram os pés pela mão, procuraram um caso exemplar (Lula), criaram um mito. Por quê? Porque criaram fatos políticos e não provas substanciais que sustentassem suas teses: “estamos condenando o maior criminoso do Brasil, o Corrupto dos corruptos, o sujeito que dilapidou nosso país e levou a bancarrota a Petrobras”. Exemplificando, anunciaram que o sujeito roubou um “Nike VaporMax”, mas o condenaram por um chinela de dedo, que não conseguiram provar estar com ele ("ato de ofício indeterminado", coisa que, por mais que expliquem, nós leigos não entendemos). Em torno do sujeito montaram um circo, fizeram prisões espetaculares, pronunciamentos para a imprensa com frases de impacto, Powerpoint mirabolante, Filme com atores globais "A Lei é pra todos", quando sabemos que não, transmitiram o julgamento muna linguagem incompreensível e modorrenta. Devido a tudo isso, nossos juízes e a imprensa que os sustentam neste circo não conseguem convencer as pessoas, mesmo as que festejam a prisão do dito cujo, de que o seu julgamento correu com a devida "normalidade e correta instrução jurídica". A justiça, querendo fazer política, tem feito merda (desculpe a expressão). Como temos milhões de injustiçados, de N matizes de injustiça, neste Triste Trópico, o sujeito que era para ser exemplo, tornou-se mito. E mito produz paixões irracionais, vide o outro mito...

 


quarta-feira, setembro 05, 2018

ORDINARIUS IUSTITIA



A história quem me conta é meu compadre e surgiu de um bate-papo sobre justiça e política. Conta o compadre que “um certo tipo, durante  12 anos foi pontual com o pagamento da pensão do filho, mas, em um certo mês, devido um erro no contracheque, passou um perrengue, e não tendo reservas, transferiu o valor da pensão, na época em torno de R$ 2000,00, com déficit de R$ 100,00. Passado alguns dias, estando com o filho, e tendo resolvido o problema do contracheque, repassou ao filho os R$ 100,00 faltantes. Caso é que, em determinada manhã, um oficial de justiça o visitou com uma intimação judicial. A mãe do mancebo requisitava em juízo o pagamento da pensão, alegando não reconhecer o valor aquém em sua conta corrente como caracterizante de pagamento de pensão, pois apenas o valor cheio, em seu entendimento, caracterizaria o mesmo. O caso foi a juízo, e o sujeito explicou-se como pode, apresentou extrato bancário indicando a transferência do valor em menos, mas acrescentando ter complementado em espécie diretamente ao interessado, que foi chamado em causa pela defesa, mas alegando “interesses afetivos conflitivos”, a juíza desconsiderou. O fato é que a juíza reconheceu que o réu havia pago a pensão, mas como era mulher, em nome do que ela chamou “sorolidade”, deu causa à requerente e determinou ao réu, não apenas o pagamento de um mês de pensão, com as devidas correções monetárias, como revogou o direito de visita por seis meses.” Entre estupefato e incrédulo com o que ouvia, meu compadre emendou: “a mesma ‘sorolidade’ não apresentou a meritíssima, quando o caso envolveu o ilustre Sr..., que numa tacada só tornou-se pai e avô. Você, por certo compadre, se lembra do caso da filha de empregada de uma influente família aqui de Ordinarius, não se lembra compadre? Pois bem nesse caso, a meritíssima entendeu que mãe e filha agiram em conluio para macular a honra de respeitada e tradicional família de Ordinarius, e não sentenciou as mulheres a indenizar o digníssimo Sr..., por ‘gesto de grandeza’.” Finalizando, meu compadre concluiu: “assim, compadre, funciona politicamente nossa justiça. Nossos juízes têm posicionamentos tomados, decidem como classe... Não fica difícil, portanto, entender suas decisões judiciosas. Principalmente quando o que está em jogo não é estabelecer a justa justiça, mas, interesses políticos.”

sábado, setembro 01, 2018

QUE SENTIDO HÁ


NÃO DESISTA

Nunca a casa esteve mais cheia. Do camarim se podia ouvir o burburinho das pessoas chegando, de suas expectativas para o espetáculo prestes a começar. Ao primeiro aviso, o burburinho foi cedendo espaço ao silêncio. Ao terceiro aviso a casa toda era olhos voltados para a mesma direção: às cortinas que se abriam lentamente, à escuridão que aos poucos ia cedendo espaço à luz que de tênue se intensificava , revelando ao centro do palco nosso personagem. Vestido em fraque prateado, uma máscara de expressão humorada. Ao fundo, um trio, todo de preto, com instrumentos de corda, sopro e percussão e umas engenhocas que simulavam os sons de água escorrendo, o vento sibilando, pássaros gorjeando, folhas amarfanhando.... Atônitos, incrédulos, atentos, ora rindo, ora suspirando, inquietando-se a prateia o seguia em seu monologo vivaz e entusiasmante, ora inquietante, ora perturbador, ora irônico, dramático, fantasioso, inventivo, engraçado, ao fim, motivador. Sua vos se alternava de sussurrante a toante, de melodiosa a ríspida, ameaçadora, de afável a jocosa, de irônica a dramática, despertando riso e lágrima. A plasticidade de seus gestos acompanhavam de tal modo as palavras, parecia ser as mãos a falar. A encenação superou hora e meia sem que o tempo fosse percebido passar, de sorte que, ao fim, quando as cortinas encerravam-se às falas finais: “Acreditem! Não desistam, não desistam!, pode-se ouvir por todo o teatro a mesma expressão: “Já!”, acompanhado de entusiasmadas ovações. Foi de fato uma noite consagradora, que o ator humildemente atribuiu à generosidade do publico. O teatro demorou a esvaziar-se, todos queriam estender louvores e comprimentos ao ator por sua esplêndida atuação. “Fiz o que aprendi a fazer!”, “é meu oficio!”, acanhava-se o dono da noite. O teatro esvaziou-se, as luzes se apagaram... Lemos no diário da manhã que no camarim, sentado em sua cadeira, mascara ao chão, uma flor ao colo, ele, após sublime apresentação, se passou. Um bilhete foi encontrado: “Como dizer a quem te ama que queremos não ser? Não desista!” Esta última frase estava riscada.

A Política e o Togado



Um amigo convidou-me para um café numa padaria ‘gourmet’. Mal chegamos, um dos atendentes depositava uma forma de pudim de ninho na vitrine. A boca encheu de água, a mente de memórias afetivas, de encontros familiares que se encerram com o pudim da avó. Pensei logo requisitar uma fatia, o pudim me apelava. Mas, foi o atendente afastar-se que uma mosca pousou na calda do pudim.  Nem o café eu quis mais.

quinta-feira, agosto 30, 2018

ARENGA SETEMBRINA



Todos os dias quando acordo
Lamento o dia que vou ter,
No peso de o viver
Tenho um dia todo pela frente
E o vivo
Minuto a minuto
Desejando não ser
Todos os dias ante de dormir
Eu revejo como foi o dia
E lamento o acidente que não veio
A bala perdida que não me encontrou
A coragem que me faltou
Tomo remédio para esquecê-lo
Todos os dias,
Por um fio,
Não desisto de mim.


sábado, agosto 25, 2018

MÁSCARA

(1ª Oficina de máscara da Associação Cultural Fazer Acontecer)

A máscara precisa de corpos e olhares que transmitem energia, caso contrário, parecerá pendurada em um manequim. (Duccio Barlucchi)

    O que segue é uma adaptação livre de entrevista de Duccio Barlucchi, ator, autor e diretor de teatro, escultor de máscaras, estudioso e pesquisador sobre o tema da criação e uso da máscara teatral contemporânea, em Le Maschere Teatrali come strumento formativo efficace (1) .

    A máscara acompanha a jornada humana desde os primórdios do tempo; foi uma das primeiras formas de o ser humano relacionar-se com o sagrado do mundo,  isto é, com as forças naturais e espirituais percebidas, mas não representáveis ou formalmente identificáveis, e estabelecer comunicação direta com elas.

    Enquanto a pintura e a escultura sempre foram usadas para representar o irrepresentável e os símbolos de culto, através da máscara o ser humano criou um instrumento particular, cuja característica fundamental é ter olhos vazios, para receber o olhar humano, e atuar na fusão entre as duas energias, a do poder representado nos mistérios que envolvem a Terra, o plantio e a colheita, a fúria dos ventos e da chuva, a saúde, a doença, as fases da vida, e do poder humano, empossado no usuário, seja ele xamã ou ator.

    Em síntese, a máscara tem uma função "desumanizante", e deve fornecer ao usuário uma face "nova”.  Quando um endossa uma máscara deixa de ser ele próprio para ser o que a máscara lhe impõe. Uma vez endossada, é a máscara que lidera o jogo e leva o ator a descobrir gradualmente atitudes físicas, expressivas e vocais mais adequadas; é ela quem guia e traz uma presença de gestos, movimentos, vozes, ao seu portador, que revelam muitos aspectos não da pessoa, mas da máscara. Ao mesmo tempo, a mesma máscara usada por pessoas diferentes dará origem a diferentes transformações, permitindo
também trabalhar as características pessoais.

    Cobrindo o rosto de quem a usa, a máscara revela capacidades que o indivíduo sem uma máscara provavelmente não sabe possuir ou não se permite. Ela obriga o individuo a sair de sua cotidianidade, a não permanecer "normal". A máscara é como um casulo que desperta da lagarta a borboleta, a mais expressiva liberdade.

    Neste sentido, seja no palco, que em rituais religiosos ou no carnaval, a máscara representa o elemento "transgressivo", que coloca aquele que a usa além das convenções normais e diárias, e permite uma vasta gama de possibilidades, isto é, permite que se trabalhe com grande eficácia características físicas, emocionais, psicológicas e relacionais, ajudando a descobrir e refinar vários modos de expressão e comportamento, e diferentes estilos de comunicação. 

    A máscara para cumprir sua função, precisa contar com a postura e presença física de quem a usa. Sua expressão, sem o olhar humano que a anime, e sem um corpo presente para dar a fisicalidade adequada, permanece vazia, e a máscara um mero objeto.

    Feita para despertar o sentido de ser, para revelar o sagrado na natureza e no humano, a máscara deve ser bem feita, a fim de ser feita para viver.  Para DUCCIO BARLUCCHI, a máscara “deve ser uma boa escultura, capaz de vitalidade cênica, de comunicação emocional, de integração com o corpo e a aparência do usuário trazendo para fora o outro de si mesmo”.


1- https://www.teatroimpresa.it/admin/dati/336_Intervista%20Duccio%20Barlucchi%20-%20Maschere.pdf

NOSSAS FRUTAS


A jornada não é das melhores! Passei a noite praticamente em claro, virando de um lado para outro, levantando e andando pela casa, ligando e desligando a televisão. Agora me vejo diante de um acumulo de relatórios para dar cabo, um idiota tagarela que emenda um assunto em outro sem respirar, conciliando o resultado de uma partida de futebol lá na França, as pregações de um certo pastor midiático, as disputas eleitorais,  a suposta vida boa no Japão, que ele pensa ser na Europa, em uma só ideia: “o brasileiro não presta”. Os idiotas tem essa característica falam pelos cotovelos, uma rajada de sandices e querem estar certos. Tento não dar-lhe atenção e concentrar-me nos relatórios.
Meu corpo opera uma centena de funções que independem de minha vontade. O sangue que corre por minhas veias, o coração que pulsa, a produção de glóbulos brancos, a respiração, o fio de cabelo que se solta de minha cabeça, nada disso é uma determinação minha, independe de minha intenção ou intervenção, acontecem, simplesmente acontecem.
Há também os automatismos psíquicos. Ideias, vontades, desejos, memórias, fantasias, pensamentos de toda ordem, conexos e desconexos com a realidade, irrompem em mim sem que eu os queira no instante em que irrompem. Essa fuga, por exemplo, deste trabalho técnico, burocrático, maçante, que exige clareza e precisão, em reminiscências de nosso primeiro encontro, um distante domingo de primavera, durante um passeio ao Ibirapuera. Foi o Bacana quem me apresentou a ti: “Ele tem este jeito de quem está “bolado”, mas é só tipo, é um cara legal”. Você riu. Seu riso me salva da papelada.
Assim, enquanto eu registro que a Casa está com 50 adolescentes e relaciono o número de refeições e cada item de cada refeição numa planilha, ao relacionar que no dia tal, no almoço, foi servido fruta, vem-me à mente as frutas de nosso pomar. Elas estão amadurecendo.
As fotografei em um banho de mar, elas atraem o olhar, despertam o apetite, já se sente o paladar de suas carnes. Ainda correm ingênuas ou despreocupadas, saltam graciosas as ondas do mar e constroem castelos de areia. Logo, logo estarão maduras. O que era em seus corpos brotos despontando, já são peras bem formadas...
O falastrão não termina nunca de falar e vaticina: “Nós cidadãos de bem, temos direito de nos defender!”
Somos um jogo dos automatismos biológicos e psíquicos que tentamos manter sobre controle com dietas, exercícios, disciplinas. Desenvolvemos regras, leis, normas para o corpo e a mente, mas o coração funciona por funcionar, como o desejo de um café apenas coado com bolinhos de chuva como vó fazia, aflora e basta. Poderia controlar a vontade de pedir ao sujeito de calar a boca, poderia não dar-lhe muita atenção, concentrando-me nos relatórios, divagando sobre nossos planos de férias, poderia deixá-lo falando sozinho, ir ao banheiro, tragar um cigarro, mas: “quanta idiotice!”, escapou-me da boca. Tivesse o cidadão de bem uma arma, todo o automatismo que me rege cessaria. Restaram as ofensas e ameaças. Não posso evitar que me venha ideias absurdas a seu respeito. Agora preciso de um conhaque, não de um café.
Nós podemos sustentar muitas coisas: valores, opiniões, fé, ilusões, descrenças. Eu sei que não podemos impor, apenas expor, ao outros o que achamos certo ou errado, e que devemos nos submeter às criticas e rejeições a nossos posicionamentos. Algo, no entanto, precisa ser acordado: cordialidade, bom senso, respeito, democraticidade são desejos comum. “Todo bom diálogo parte do que é comum para voltar ao que é comum, estabelecendo as divergências.”
Volto a pensar nas frutas de nosso pomar, conjecturando um provérbio de minha avó. Dizia ela: “fio há frutas que ao apetite é doce, ao paladar amargo. Quando não mata o corpo, fere a alma.” E completava: “Fio, um corpo sem vida é mais razoável, que um corpo de alma ferida”.
Somo seres pluricelulares, pluripsíquicos, plurirelacionais: milhões de pensamentos, desejos, gestos e vontades misturam-se a milhares de atividades de nosso corpo sem nos darmos conta. Somos pluripotentes, o que estamos sendo neste instante é só uma possibilidade, numa determinada circunstância. Mas o que somos a cada instante na circunstância em que estamos está conectado a uma escolha, uma aposta anterior que eliminou todas as outras possibilidades. Só podemos intervir sobre o que poderemos vir a ser, possibilidade não é certeza é risco...
Como velha raposa, volto aos relatórios: 18h/aulas de Capoeira no campo A, 18h/aulas de Fotografia no campo B..., “nossas frutas ainda estão verdes”.


sábado, agosto 18, 2018


PARQUE DE DIVERSÃO

A vida é uma montanha russa em movimento,
Às vezes emociona, às vezes é um tormento,
Mas de vez em quando paço um pouco de tempo,
Vou para o carrossel e aproveito o momento,
No carrinho bate-bate, a coisa é mais agitada,
Com minhas alegrias naquela pequena estrada
Na roda gigante, minha parte apaixonada,,
No topo vejo a vista ao lado de minha amada,
E no fim do dia, fecho o parque, vou descansar,
No dia seguinte volto a trabalhar.


domingo, agosto 12, 2018

PROPOSIÇÕES POLÍTICAS




Em qualquer disputa eleitoral, seja para o grêmio da escola, seja para sindico do condomínio, seja para representante da turma na comissão de formatura, o sujeito não é candidato de si mesmo. Ele representa determinados interesses de um determinado coletivo. A representação política é representação de um coletivo e de suas concepções de governo. Um candidato não fala de si, nem por si, ele fala em nome de um grupo que o indica e que sustenta sua campanha. Ele não precisa entender de coisa alguma: economia, saúde, educação, segurança etc., ele precisa encarnar concepções de como governar e para quem governar, concepções respaldadas por quem o indica e sustenta sua campanha. Então me interessa pouco o que o sujeito, enquanto indivíduo, pensa sobre economia, saúde, educação. Interessa-me, mais, saber quem apoia e sustenta sua campanha. Por exemplo, o sujeito fala: “vamos investir em saúde”, interessa-me saber se ao lado dele está representantes da saúde popular, ou a Amil.  Se um candidato declara: “Vamos priorizar a Educação”, interessa-me saber o que os educadores pensam dele, o que as empresas de educação pensam dele. Se o candidato diz: “Vou rever a taxa de juros”, eu quero saber se há bancos investindo em sua campanha. Então, não me importa se, num debate, o candidato fala uma idiotice qualquer, me interessa saber quem o indicou e quem sustenta sua presença ali, no espaço de debate e respalda sua fala idiota. Eu não voto num sujeito, eu voto numa concepção de mundo, de ser humano, de governo, de política. E digo logo que estou mais à esquerda...

domingo, julho 22, 2018

A CASA VERDE DA RUA TANGARÁ



Para Maria Fernanda, Laura, Victor e Tales

Já quase chegando à pousada, notamos a casa verde da Rua Tangará. Chamei a atenção das crianças, de minha companheira e sua mãe para seu aspecto arquitetônico que destoava das demais edificações do local. A preocupação em chegar à pousada e se desfazer das malas e do cansaço da longa viagem fez com que as crianças e as mulheres desdenhassem minha observação.  Uma vez aliviados das bagagens e do cansaço, após um banho relaxante, uma refeição restauradora e um merecido repouso, programamos nosso roteiro de exploração da cidade indicando os pontos de interesses de uns e de outros. As crianças queriam o mar, a companheira as trilhas, eu a cidade antiga. E foi na volta de um de nossos passeios do dia seguinte que o um dos meninos notou: “só um cego não perceberia que esta casa esta fora de lugar, ela não combina nada com as casas locais, ficaria bem na cidade antiga”. “No entanto”, comentou uma das meninas, ela está melhor conservada que as demais casas, algumas, aliás, parecem abandonadas”.  O que chamou-nos, porém, mais atenção foi algo que na primeira noite, devido o cansaço da viagem, não pudemos perceber: o latido de um cachorro misturando-se ao som lacônico de um violino. Fazíamos relatos de nosso primeiro dia de excursão, havíamos feito um passeio de escuna visitando algumas ilhas locais, as crianças puderam mergulhar em uma praia paradisíaca, as mulheres caminharam se maravilharam com a paisagem, eu aproveitei para fazer alguns ensaios fotográficos. Então conversávamos animadamente, o mais novo cochilava, uma das meninas agarrou-se ao celular como quem perdendo o ar agarra-se à máscara de oxigênio, quando os latidos e o som de violino invadiu a noite e a acompanhou por longo tempo. Na manhã, enquanto tomávamos café e organizávamos a jornada, faríamos uma trilha de pouco mais de três quilômetros para encontrar uma praia paradisíaca, o senhorio nos cumprimentou, desejando-nos uma boa jornada. Aproveitei para indagar-lhe sobre o som de violino. “Ahh”, respondeu-nos, “vocês também ouviram o lamento do velho Eurípides!” E narrou-nos a seguinte história. “Eurípedes é um antigo morador do Caboré, nasceu aqui dizem os mais velhos. Morava na casa verde, vocês a devem ter notado, vivia só com um cão guia. Era professor de música. Dizem que perdera a visão durante uma sessão de tortura nos anos de chumbo, foi quando perdeu a esposa e o filho que estava para nascer. Foram presos durante uma manifestação de caiçaras. Ele foi encontrado nu, pintado de vermelho e cego. Da esposa, do filho, nunca mais se soube. Desde aquela época ele costumava, nos fins de noite tocar esta sonata. Dizem ser de um tal Stravinsky, e chamar-se Requiem Canticles. Mas eu digo costumava, porque, há três ou quatro anos, vieram umas pessoas ai visitá-lo, diziam ter noticias de sua esposa e do filho. Depois disto, não o vimos mais. O fato é que, desde então, um ou outro turista, como vocês, relatam ouvir o cão guia e a sonata, mas, desde que o levaram, a casa verde está vazia...” Observei ao senhoril o mesmo que uma das meninas havia observado: “a casa parece-me melhor conservada que as ao seu redor, que parecem, estas sim, abandonadas”. “Este é outro mistério que envolve esta casa e o velho Eurípedes”, respondeu-me o senhoril, desejando-nos novamente um bom passeio: “aproveitem o passeio, o dia está formidável!”.  Foi uma aventura por dentro da serra, um percurso de três quilômetros, um caminho de mata fechada, uma trilha íngreme e tortuosa, uma praia, um mar, recompensadores. Voltamos extenuados, mas plenos. As crianças, mal comeram, tombaram. Eu também, deixando as mulheres acompanhando o telejornal local, caí logo no sono. A certa altura, porém, os latidos e os sons do violino de Eurípedes invadiram nosso aposento despertando-me. Levantei-me, sem despertar a companheira, verifiquei as crianças também em profundo sono, assim como a mãe de minha companheira, e decidi ir ter com o velho professor. Deixei a pousada, era por volta de duas da manhã, e dirigi-me à casa verde. Toquei a campainha, uma sombra aproximou-se da janela e fez gesto para eu entrar. O portão destravou-se e a porta era já aberta. Entrei... Ainda estou atônito: a ossada do cão guia ao lado do esqueleto do músico segurando o violino em posição de quem o está tocando, ainda estão impresso em minha retina. A polícia local abriu inquérito para saber as circunstâncias e causa da morte do velho Eurípedes. “Pensávamos que ele havia partido com os que vieram visitá-lo anos atrás”, comentou o senhoril da pousada, quando acertamos a conta de nossa estadia.

quinta-feira, julho 12, 2018

Eu quero me encantar com a política

Com o passar dos anos, com as experiências de vida, os estudos, os conhecimentos adquiridos, as relações constituídas, deveríamos ir perdendo a ingenuidade, tornando-nos mais capazes de compreender os fatos e acontecimentos, tomar diante deles posições críticas e criteriosas. Mas com a perda da ingenuidade, não podemos deixar de manter a capacidade de encantamento, de se surpreender, de dar espaço à espontaneidade e o inusitado. A falta de encantamento, de abertura ao inusitado, ao espontâneo, ao que não precisa de explicação apenas de fruição, não nos torna menos ingênuos, nos torna ou deterministas ou fatalistas ou indiferentes: nada nos surpreende, nada nos interessa, tudo é assim mesmo. Provoca, também, frustrações, rancores, amarguras. O Face tem se tornado um espaço para nossas amarguras, nossas frustrações e rancores. Tenho acompanhado grupos e amigos que empenham suas capacidades de analise críticas não para estabelecer um debate que nos abra a novas possibilidades, mas apenas para destilar ressentimentos e rancores. A política, meus amigos, deveria ser a arte de construir espaços de convivência onde singularidades, e não vaidades, dão razão de ser ao mundo. Tudo é política, mas o tudo não é totalidade, essa brecha que me permite saborear um sorvete com meus filhos, sem estar lhes parlamentando o quanto de vidas exploradas tem nele. E vendo meus meninos correndo atrás de uma bola me pergunto: “quem não sonhou ser um jogador de futebol?” (Skank). Assim, embora eivada de política “é emocionante um partida de futebol”. Sem ingenuidade eu entendo as implicações políticas e econômicas que envolvem uma partida de futebol, mas agora eu quero apenas me encantar com uma bela partida de futebol. Não curte futebol, tudo bem, vá ao teatro, ao cinema, leia um livro, ouça música, transe. Mas vá desarmado, a política se imiscui ai também. Eu quero e luto por um país outro, mas agora eu quero apenas me encantar. Não foi desta vez, será no Qatar!