Por
esses dias acompanhei minha esposa numa viagem a Carrancas, Minas Gerais,
próximo de Lavras. Ficamos hospedados na Fazenda Correia, onde se deu um curso
de Cultura Colaborativa, através da aromaterapia e destilação de óleo
essencial. Não sendo participante do curso, tive liberdade para fotografar o
entorno da fazenda, que devo dizer é encantador. Dediquei-me a fotografar
pássaros e flores locais. E foi nesse exercício ocioso que encontrei Yan Liu, personagem
de um antigo reino oriental. Embrenhado no meio da mata alcancei um corredeira d’água
formando entre rochas um pequeno e agradável lago. Observava, então, alguns
cavalos que ali se banhavam e matavam a sede. E em um nicho de copaíbas e ipês
um pássaro chamou-me a atenção. Se me perguntarem não saberia especificar a
espécie, mas diferenciava-se dos pássaros locais. E por mais que o tentasse
fotografar, ele escapava às lentes de minha objetiva. Abandonei-o e dediquei-me
ao som das águas correndo entre as pedras. “Perdoe-me, mas eu sou avesso a
fotografias!” Num sobressalto, olhei ao redor e não vi mais ninguém, eu era só
ali. “Aqui!” Olhei então para o alto, e misturado à folhagem avermelhada da
copaíba o majestoso pássaro se me apresentava. “Sou Yan Liu! Sobressaltei-me!
Continuando, após eu me recompor, disse-me ele , “sou de um antigo império
oriental, que remonta em tempos à grande dinastia Liao.” Não fosse o clima
ameno, e ter apenas feito a refeição, diria estar delirando de sol ou fome: um
pássaro conversava comigo. “Além de majestoso, você é também milenar!” Observei-lhe
entre encanto, assombro e estranhamento. Então, disse-lhe de mim, de minhas
atividades e o motivo de eu estar ali. Então ele contou-me de sua sina... “Eu
era conselheiro do jovem imperador Taizu, da mítica Tianjin, no Rio Hai... Uma
sublevação formou-se contra o império. E o imperador, uma vez debelado o motim,
ordenou que se identificassem e executassem todos os envolvidos. No processo,
eu fui envolvido indevidamente, por malicia de um desafeto que conduzia as
investigações. Havia entre nós uma disputa pelo respeito de Xia Bing Ging, e
para tirar-me da jogada, como vocês dizem, esse meu desafeto me arrolou como um
dos lideres da revolta, e sendo eu declarado inimigo do império, fui condenado
à morte.” “E agora você é um pássaro, nos cafundós de Minas, conversando com um
alienado!”, comentei confuso. “Quando
recebemos uma dádiva, devemos aceitar também suas agruras”, disse-me o pássaro
com certa ironia e lamento. “Ocorreu que”, continuou Yan Liu, “passado algum
tempo a verdade veio à luz do dia e chegou aos ouvidos do jovem imperador Taizu
o real motivo de minha execução. Taizu, então, ordenou que se prendesse e
castigasse meu desafeto, depois convocou o conselho imperial e colocou seu
comando à disposição, renunciando ao trono imperial com o seguinte discurso:
“Se entre mil homens desonestos, um homem honesto é castigado, a desonestidade
não foi combatida, ampliou-se. Se entre mil homicidas, um inocente é condenado
à morte, os homicídios não foram combatidos, ampliaram-se. Basta, portanto, que
um só inocente padeça, entre mil homens injustos, para que a injustiça impere.
Em qualquer regime, para que esse regime se torne desumano, cruel, e seu
governante um tirano. Basta uma ação arbitraria, para que o mal que se combate vença
a batalha. Eu não quero entrar para a história com o sangue de um inocente
sobre minhas mãos...”, e retirou-se para um monte isolado, onde viveu até seus
últimos anos, oferecendo sacrifícios ao Grande Dragão Celestial, em honra a meu
espírito. Daí meu espírito atravessar os tempos, enquanto tiranias forem
possíveis...”. Contando a meus filhos este delírio, o mais novo observou,
“parece a história que a professora nos contou outro dia, o nome do personagem
era Vladimir Herzog”.
quarta-feira, setembro 12, 2018
Vladimir Herzog
Basta que um só inocente padeça de
injustiça em qualquer regime, para que esse regime se torne desumano, cruel, e
seu governante um tirano. (Taizu)
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