sábado, setembro 01, 2018

NÃO DESISTA

Nunca a casa esteve mais cheia. Do camarim se podia ouvir o burburinho das pessoas chegando, de suas expectativas para o espetáculo prestes a começar. Ao primeiro aviso, o burburinho foi cedendo espaço ao silêncio. Ao terceiro aviso a casa toda era olhos voltados para a mesma direção: às cortinas que se abriam lentamente, à escuridão que aos poucos ia cedendo espaço à luz que de tênue se intensificava , revelando ao centro do palco nosso personagem. Vestido em fraque prateado, uma máscara de expressão humorada. Ao fundo, um trio, todo de preto, com instrumentos de corda, sopro e percussão e umas engenhocas que simulavam os sons de água escorrendo, o vento sibilando, pássaros gorjeando, folhas amarfanhando.... Atônitos, incrédulos, atentos, ora rindo, ora suspirando, inquietando-se a prateia o seguia em seu monologo vivaz e entusiasmante, ora inquietante, ora perturbador, ora irônico, dramático, fantasioso, inventivo, engraçado, ao fim, motivador. Sua vos se alternava de sussurrante a toante, de melodiosa a ríspida, ameaçadora, de afável a jocosa, de irônica a dramática, despertando riso e lágrima. A plasticidade de seus gestos acompanhavam de tal modo as palavras, parecia ser as mãos a falar. A encenação superou hora e meia sem que o tempo fosse percebido passar, de sorte que, ao fim, quando as cortinas encerravam-se às falas finais: “Acreditem! Não desistam, não desistam!, pode-se ouvir por todo o teatro a mesma expressão: “Já!”, acompanhado de entusiasmadas ovações. Foi de fato uma noite consagradora, que o ator humildemente atribuiu à generosidade do publico. O teatro demorou a esvaziar-se, todos queriam estender louvores e comprimentos ao ator por sua esplêndida atuação. “Fiz o que aprendi a fazer!”, “é meu oficio!”, acanhava-se o dono da noite. O teatro esvaziou-se, as luzes se apagaram... Lemos no diário da manhã que no camarim, sentado em sua cadeira, mascara ao chão, uma flor ao colo, ele, após sublime apresentação, se passou. Um bilhete foi encontrado: “Como dizer a quem te ama que queremos não ser? Não desista!” Esta última frase estava riscada.

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