domingo, outubro 14, 2018

NÃO ERA ISSO QUE EU ESPERAVA




Há diante de nós dois sujeitos se propondo a dirigir, nos próximos quatro anos, nosso destino. E o que virá a ocorrer nos próximos quatro anos não ficará restrito a eles, se estenderá por décadas. Seus discursos vinculam nosso futuro a conflitos e contradições internas que arrastamos desde que Cabral aqui aportou. Ao mesmo tempo, seus discursos nos vinculam ao cenário internacional, que temos levado pouco em conta, mas que nos amarra a compromissos e pactos políticos-econômicos, a ajustes que investidores internacionais pressionam para que aconteçam. O mundo nos olha, as agências financeiras, os grandes grupos econômicos, representações políticas e humanitárias, a impressa internacional, todos nos observam, palpitam e projetam futuros tangíveis segundo a escolha que fizermos. Embora o pouco apreço que alguns nutrem por nós Tupiniquins, nós não somos uma nação qualquer no cenário mundial. Então está em disputa, também, como vamos nos postar diante do mundo a partir de janeiro e como seremos vistos aos olhos do mundo. Mas voltemos à disputa interna. Entre nós o que pauta a disputa é um cenário de receios, de medos e incertezas. A este cenário se misturam discursos temerosos e informações tendenciosas, enganosas.  E focados nas figuras dos presidenciáveis, temos pouco considerado que eles representam não a si próprios, mas a determinados grupos e seus interesses econômicos, políticos, religiosos, sociais, pessoais... E nós vamos pregando, em um e outro, etiquetas que se resumem em dois termos: fascismo e comunismo. Alguém me perguntou, dia desses, de qual desses temores eu tenho mais medo. Eu disse-lhe que não votaria por medo a qualquer coisa, mas pelo meu anseio de que a democracia retome o caminho de sua consolidação entre nós, que nossos conflitos e contradições encontrem o caminho do diálogo, do debate, da conciliação para a superação; que o medo apenas acirra os ânimos e turva a razão de buscar o melhor e não o menos pior. Mas depois fiquei conjecturando: será que nós sabemos mesmo o que é o fascismo e o comunismo? Será que nós compreendemos o que eles implicaram? E se ambos nos parecem tão assustadores e repulsivos, porque temos que aderir a um ou a outro? Esses fenômenos são equivalentes? E podemos de fato associar os proponentes à presidência a eles?  Se nós somos capazes de identificar elementos totalitários (fascismo e comunismo) nos proponentes ao comando da nação, é sinal que sabemos alguma coisa de história e de análise de discurso, e sabemos o que uma coisa e outra (fascismo e comunismo) significam e o que concretizaram e representaram na história. Caso não, somos apenas papagaios esquizofrênicos, com medo do que desconhecemos. Se nós somos capazes de saber o que é fascismo e comunismo; devemos saber, também, o que é democracia, garantia e restrição de direitos, respeito à diferença e à diversidade, igualdade de oportunidades etc. E se sabemos estas coisas, talvez nós também tenhamos algum conhecimento de nossa história, de nossa colonização escravocrata à Constituição Cidadã de 1988, da eleição de Collor ao impeachment de Dilma, e somos capazes de reconhecer que ainda não realizamos uma unidade nacional republicana, que respeite diferenças e promova igualdade. Se temos este conhecimento de nossa história e sabemos diferenciar fascismo de comunismo, sabemos avaliar a biografia de Vlado Herzog e Coronel Ustra, para ficar apenas em dois ícones de nossa história recente, subtema desta eleição, dando a cada um o devido valor, respeito e dignidade, tornando-nos capazes de condenar ou apoiar quem faz uso de seus nomes. Caso contrário somos apenas imbecis com titulo de eleitor. Se temos um mínimo de conhecimento, que nos torna capazes de entender o cenário mundial, nossa realidade nesse cenário, a importância que assumimos na América Latina, somos capazes de entender as relações entre política, mídia, religião, justiça, cultura entre nós, dando-nos saber e entender o que estamos escolhendo e a qual preço estamos escolhendo. Se temos capacidade de analisar o discurso de nossos proponentes e classifica-los, devemos ser capazes de estender o olhar aos grupos e personalidades que se nucleiam entorno deles e sustentam suas campanhas e reverberam seus discursos, de observar e avaliar o comportamento e os anseios de seus eleitores e nos perguntar que preço estamos dispostos a pagar por um futuro desalentador. Se não somos capazes de analisar o discurso dos que se propõe a dirigir esta nação, e de analisar os grupos que sustentam tais discursos, seus núcleos de apoio, e, ao mesmo tempo, o comportamento e a expectativa dos eleitores de cada proponente, eu diria que somos apenas seres lunáticos, paranoicos, que substitui conhecimento por informações de redes sociais, ou espera o caos buscando, de alguma forma, dar-se bem com o mesmo.  Estamos papagaiando termos que desconhecemos? Estamos alimentando uma disputa com desinformação e ignorância? Então o problema é psicológico: ante a polarização fascismo x comunismo desta campanha há um elemento sado-masoquista que temos que considerar. Independente do polo a que me situo, eu voto por meus interesses próprios, seja de qual lado eu esteja, eu quero ver alguém sofrendo, purgando nosso fracasso como nação. Eu quero ser o sádico, eu quero ser o que persegue, o que julga, o que condena e o que executa a pena. Em nenhuma outra eleição expusemos tão claramente nossa perversidade, que jogamos às costas de nossos candidatos. Eles têm o discurso deles, eu tenho a minha adesão ingênua ou consciente e determinada. A polaridade, porém, que me importa é outra: ou somos razoavelmente esclarecidos e nosso voto é consciente, podendo eu responder pelas consequências futuras, ou somos apenas idiotas brincando de escolher um destino pautado no medo e não no anseio ou na expectativa de que possamos ser uma democracia de fato. Num processo em que a força e a violência se tornam projeto político, todos já perdemos. Na Crítica do Juízo, Kant ilustrou um modo de pensamento que consistia em ser capaz de pensar no lugar de todo os demais, ele chamou este modo de pensar de “mentalidade alargada”, ele necessita da presença de outros “em cujo lugar” cumpre pensar, cujas perspectivas e anseios devem ser considerados. Nossa capacidade de rotular nossos candidatos e configurar cenários assustadores para ambos deve considerar nosso papel nesse cenário, não como espectador do mesmo, mas como personagem responsável pelo mesmo, atuando nele. É preciso, nesta eleição, ao rotular um candidato, perguntar-me até onde eu me adiro ao rótulo contrário e me colocar no lugar do outro. Este outro é o destinatário de ambos os discursos e chama-se minorias. Se eu sou capaz de identificar fascismo e comunismo, eu deveria ser capaz de entender o futuro dessas minorias em um e outro candidato. Se eu sou capaz de saber o que é fascismo e comunismo eu já me coloco como responsável pela vida do outro e não poderei dizer: “não era isso que eu esperava”. Se eu sei o que é fascismo e comunismo, eu não só anseio, eu desejo participar do destino dessa minoria. Imprimirei esta vontade em meu voto.

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