quinta-feira, setembro 29, 2016

PARECER A CERCA DO ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE EM UMA UNIDADE DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE.


O que segue é um breve relato de funcionário da Fundação Casa, que pede para não ser identificado.



“Estando por completar um pouco mais de um ano de experiência na Fundação Casa/São Paulo, alocado como Agente Educacional em uma das 140 unidades da Instituição, diante de situação de conflito com o uso de contenção, ocorrida hoje, teço algumas considerações.

A situação de conflito que hoje se desencadeou, deixando adolescentes (5), e funcionários (3) seriamente feridos se está construindo a, ao menos, três meses, e se esperava seu ápice para qualquer momento.

Noto, de forma parcial, uma gritante desarmonia entre os recursos humanos que dinamizam as praticas socioeducativas, as estruturas físicas e sua ordenação ambiental e os valores conceituais que balizam as Medidas Socioeducativas. Os vários setores que dinamizam o acompanhamento do adolescente disputam entre si a quem cabe o papel de socioeducar e de conferir que o mesmo está ocorrendo...

Existe um consenso difuso entre os profissionais que atuam na Fundação Casa, ao menos onde me encontro, de que o regime de Medida Socioeducativa como preconizado pelo Estatuto da Criança/SINASE é inadequado e não corresponde às exigências de “punibilidade” que se espera ao adolescente/jovem em conflito com a lei. “É uma lei de primeiro mundo, para nossa realidade tribal, mas como papel aceita tudo...”, ouvi de um agente educacional.

Em geral, e embora se discurse contrariamente, parcela considerável dos funcionários da Fundação Casa acompanha o senso comum e credita no determinismo condenatório de que “pau que nasce torto, morre torto”. De tal modo, número considerável de funcionários carregam em sua prática diária atitudes que imprimem ao adolescente a ideia de serem bandidos, lixo, escória...

Expressões como: “Se está aqui, algo bom não fez, e, portanto, não merece tratamento respeitoso”, ou “a polícia devia ter dado um jeito neste lixo”, ou ainda, “o Estado gasta muito com este lixo, o dinheiro que se gasta com estes marginais falta à saúde, à educação etc.”, é comum nas rodas de café e horas de refeição.

Tomando distância dos discursos e observando algumas práticas abertamente repressivas, que reproduzem praticas do sistema penal, fica nítido não apenas a incompreensão, mas profunda descrença nas Medidas Socioeducativas e em seus conceitos basilares.

Não apenas a prática humana direta no trato com o adolescente indica o descrédito na medida socioeducativa, o próprio aspecto físico da unidade, a forma como são conduzida as rotina das atividades oferecidas aos adolescentes, se considerarmos o conceito de violência simbólica de Bourdieu, expõem a fragilidade entre o discurso e a pratica que pretende socioeducar adolescentes...”

Nenhum comentário:

Postar um comentário