O
que segue é um breve relato de funcionário da Fundação Casa, que pede para não
ser identificado.
“Estando
por completar um pouco mais de um ano de experiência na Fundação Casa/São
Paulo, alocado como Agente Educacional em uma das 140 unidades da Instituição,
diante de situação de conflito com o uso de contenção, ocorrida hoje, teço
algumas considerações.
A
situação de conflito que hoje se desencadeou, deixando adolescentes (5), e
funcionários (3) seriamente feridos se está construindo a, ao menos, três
meses, e se esperava seu ápice para qualquer momento.
Noto,
de forma parcial, uma gritante desarmonia entre os recursos humanos que dinamizam
as praticas socioeducativas, as estruturas físicas e sua ordenação ambiental e
os valores conceituais que balizam as Medidas Socioeducativas. Os vários
setores que dinamizam o acompanhamento do adolescente disputam entre si a quem
cabe o papel de socioeducar e de conferir que o mesmo está ocorrendo...
Existe
um consenso difuso entre os profissionais que atuam na Fundação Casa, ao menos
onde me encontro, de que o regime de Medida Socioeducativa como preconizado
pelo Estatuto da Criança/SINASE é inadequado e não corresponde às exigências de
“punibilidade” que se espera ao adolescente/jovem em conflito com a lei. “É uma
lei de primeiro mundo, para nossa realidade tribal, mas como papel aceita
tudo...”, ouvi de um agente educacional.
Em
geral, e embora se discurse contrariamente, parcela considerável dos
funcionários da Fundação Casa acompanha o senso comum e credita no determinismo
condenatório de que “pau que nasce torto, morre torto”. De tal modo, número
considerável de funcionários carregam em sua prática diária atitudes que imprimem
ao adolescente a ideia de serem bandidos, lixo, escória...
Expressões
como: “Se está aqui, algo bom não fez, e, portanto, não merece tratamento
respeitoso”, ou “a polícia devia ter dado um jeito neste lixo”, ou ainda, “o
Estado gasta muito com este lixo, o dinheiro que se gasta com estes marginais
falta à saúde, à educação etc.”, é comum nas rodas de café e horas de refeição.
Tomando
distância dos discursos e observando algumas práticas abertamente repressivas,
que reproduzem praticas do sistema penal, fica nítido não apenas a
incompreensão, mas profunda descrença nas Medidas Socioeducativas e em seus
conceitos basilares.
Não
apenas a prática humana direta no trato com o adolescente indica o descrédito na
medida socioeducativa, o próprio aspecto físico da unidade, a forma como são
conduzida as rotina das atividades oferecidas aos adolescentes, se
considerarmos o conceito de violência simbólica de Bourdieu, expõem a
fragilidade entre o discurso e a pratica que pretende socioeducar adolescentes...”
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