O sujeito acorda de manhã, faz a barba, ajusta a gravata e, enquanto passa os olhos pelas manchetes dos jornais e toma café, conjectura sua situação econômica: a prestação do carro, a escola dos meninos, a viagem que pretende fazer com a esposa... Então, o sujeito pega a bolsa e vai trabalhar. Ele sabe para quem trabalha, e sabe que o que faz não faria se não dependesse do trabalho, mas "o mercado, o desemprego, a instabilidade política... seus desejos" o sujeitam. O mal-estar se instala sobre o sujeito que chega à sua repartição e encontra a ordem de serviço que lhe faz doer o estomago. Por um instante se recorda dos entusiasmados debates éticos de seus tempos de universidade, de sua disposição para construir "novas narrativas"... Mas, "é pela família, pelos filhos..., na primeira oportunidade ele procurará algo melhor, seguirá o rumo de suas convicções"... O sujeito sabe pra quem trabalha e que não faria o que faz se não dependesse do salário. Senta diante de seu computador e escreve o editorial do semanário que ele sabe a quem serve... Ao fim do expediente, retornando para casa, o sujeito se firma num bar toma um aperitivo, outro, e outro. Em casa, noite avançando, corre canais de televisão e nada assiste, quer apenas não ter que pensar que, amanhã, ou, conforme as horas avançam, daqui a pouco, deve ajustar a gravata, esboçar um sorriso satisfeito, beijar as crianças e a esposa e voltar a fazer o que não faria se não dependesse do salário. Enquanto corre canais, uma vontade lhe ocorre: “amanhã me demito, não pactuo mais com tanta patifaria”. “Desliga a televisão, vem dormir”, convoca a esposa: “não esquece, amanhã, de pagar o condomínio”... A vontade esvanece em dois comprimidos...
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