sábado, setembro 03, 2016

CINCO PAIS


A equipe do CASA Diadema, na Região Metropolitana de São Paulo, recebeu na última segunda-feira (15 de agosto) a visita do bispo da Diocese de Santo André, Dom Pedro Carlos Cipollini. (http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=bispo-de-santo-andr%C3%A9-visita-casa-diadema&d=7029)


Somos cinco.  Cada qual filho de um homem diferente. O mais velho, o pai, juiz de direito, não o reconheceu. Mãe tinha, 14 anos. Vô  perdeu no jogo de cartas. A virgindade de mãe saldou a divida. Um dia, pai e filho se avistaram frente a frente e o pai condenou o filho por ofensa a um político amigo. O filho, 16 anos, dizem, enforcou-se sob custódia do Estado. Há quem diga ter sido represaria por não andar com as mãos para trás e pedir “licença senhor”. O pai continua a ganhar jovens virgens em cartas marcadas, a ceder habeas-corpus aos amigos do poder, a ser Deus todo poderoso... O segundo  tem no pai o tio. Tenente de polícia, homem de duas vestes: farda e terno. De caráter intolerante, no terno prega o Deus da vingança, na farda, o rigor da lei e da  ordem. Em ambos os casos se impõem contra pobres e despossuídos que em seu entendimento são pecadores e bandidos.  Quando o filho-sobrinho nasceu, o confiou a um casal que se mudava para o sul. O casal deixou a criança em uma parada... De meu pai sei que era professor de ensino fundamental e envolvido em um movimento separatista. Mãe o matou quando ainda me carregava em si. “Foi seu homem”, costuma dizer em seus delírios: “o que ela amou”. Mas “tinha sua dignidade e não admitiu o punho cerrado contra si”. A tragédia a fez fugir para a cidade e a viver do corpo. “Os homens não se incomodavam com o tamanho de minha barriga; havia prazer em seus olhos...” [...] “Você nasceu num dia de chuva, um maio que se acabava em água, debaixo de uma lona. Você demorou a chorar e todos achavam que nasceste morto. Mas o choro veio parecendo romper uma resistência...” Do quarto mãe não sabe dizer quem é o pai. A profissão exigia-a. Deitava-se com quinze, vinte homens numa noite. Sabe que foi numa festa promovida por políticos... O quinto é filho de um padre que costumava distribuir cobertores e sopa para moradores de rua. Mãe, de quando em quando, o leva para assistir missa apenas para divertir-se com o padre atrapalhando-se na homilia e nos ritos: “brota-lhe água como se fosse uma nascente”, mãe gargalha, consumida. Aos doze anos deixei a escola para vender balas nos faróis e nos trens da CPTM. Uma tarde dois “bicos” tomaram-me as balas e me deixaram preso em um sala até o fim da noite. Uma outra vez, uma senhora achou que eu estava roubando e chamou a polícia. Fiquei três ou quatro dias dividindo cela com cinco adultos. Um deles queria que eu lhe fizesse uma “chupeta”. Os outros o repreenderam a socos e pontapé. Um outro, orientou-me: “no mundão procura Fulano de tal e diz que foi o Caveira que te enviou, ele te protege...” Quem o procurou foi o que nasceu sem que mãe reconheça o pai. Fulano de tal é político grosso e confiou a meu irmão, por completar 10 anos, um ‘cano’ e a vigilância de uma ‘biqueira’. Na tarde em que Fulano de tal pronunciou-se a favor da redução da maioridade penal, um que poderia ser seu filho, em troca de tiro com a polícia, morria. Mãe não chorou, embriagou-se e cheirou cocaína toda uma semana. Depois disso veio-lhe os delírios e o seu definhar. Desde que estou aqui, eu não tenho noticias de meu quinto irmão. E só estou pensando nele porque um bispo nos veio visitar. O sacerdote conheceu o funcionamento do centro socioeducativo... conversou com os adolescentes na área pedagógica, estimulando-os, a todo momento, a traçar novas trajetórias de vida. Enquanto ele se esmera em gestos e sorrisos afáveis, penso em meus irmãos, em nossos pais. Quem irá até eles com uma palavra a dizer-lhes que somos frutos de suas trajetórias de vida?    

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