quinta-feira, setembro 29, 2016

PARECER A CERCA DO ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE EM UMA UNIDADE DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE.


O que segue é um breve relato de funcionário da Fundação Casa, que pede para não ser identificado.



“Estando por completar um pouco mais de um ano de experiência na Fundação Casa/São Paulo, alocado como Agente Educacional em uma das 140 unidades da Instituição, diante de situação de conflito com o uso de contenção, ocorrida hoje, teço algumas considerações.

A situação de conflito que hoje se desencadeou, deixando adolescentes (5), e funcionários (3) seriamente feridos se está construindo a, ao menos, três meses, e se esperava seu ápice para qualquer momento.

Noto, de forma parcial, uma gritante desarmonia entre os recursos humanos que dinamizam as praticas socioeducativas, as estruturas físicas e sua ordenação ambiental e os valores conceituais que balizam as Medidas Socioeducativas. Os vários setores que dinamizam o acompanhamento do adolescente disputam entre si a quem cabe o papel de socioeducar e de conferir que o mesmo está ocorrendo...

Existe um consenso difuso entre os profissionais que atuam na Fundação Casa, ao menos onde me encontro, de que o regime de Medida Socioeducativa como preconizado pelo Estatuto da Criança/SINASE é inadequado e não corresponde às exigências de “punibilidade” que se espera ao adolescente/jovem em conflito com a lei. “É uma lei de primeiro mundo, para nossa realidade tribal, mas como papel aceita tudo...”, ouvi de um agente educacional.

Em geral, e embora se discurse contrariamente, parcela considerável dos funcionários da Fundação Casa acompanha o senso comum e credita no determinismo condenatório de que “pau que nasce torto, morre torto”. De tal modo, número considerável de funcionários carregam em sua prática diária atitudes que imprimem ao adolescente a ideia de serem bandidos, lixo, escória...

Expressões como: “Se está aqui, algo bom não fez, e, portanto, não merece tratamento respeitoso”, ou “a polícia devia ter dado um jeito neste lixo”, ou ainda, “o Estado gasta muito com este lixo, o dinheiro que se gasta com estes marginais falta à saúde, à educação etc.”, é comum nas rodas de café e horas de refeição.

Tomando distância dos discursos e observando algumas práticas abertamente repressivas, que reproduzem praticas do sistema penal, fica nítido não apenas a incompreensão, mas profunda descrença nas Medidas Socioeducativas e em seus conceitos basilares.

Não apenas a prática humana direta no trato com o adolescente indica o descrédito na medida socioeducativa, o próprio aspecto físico da unidade, a forma como são conduzida as rotina das atividades oferecidas aos adolescentes, se considerarmos o conceito de violência simbólica de Bourdieu, expõem a fragilidade entre o discurso e a pratica que pretende socioeducar adolescentes...”

quarta-feira, setembro 28, 2016


Halinne


Na tradição poética e mítica grega, a verdade [alétheia] tem sentido de desvelamento do ser, lethe significando véu, encobrimento, e alpha, em seu prefixo, designando negação... (Julia Cristina Tosto Leite, O desejo na velhice: notas sobre a relação entre verdade e gozo).

Estava sendo manhã de primavera. Sob a mesa um vaso de violetas sem flores, o dicionário de psicanálise, dois ou três livros, a xícara. Trouxe-lhe o texto que me pedira para corrigir. Combinava o batom com o tom predominante da blusa que, desabotoada, deixava à mostra o vale entre os seios, colinas que meus olhos exploravam. Lia, dedicada, o texto, fazia anotações com o lápis, destacava passagens com a caneta. Conferia referências e indicava outros autores.  Desviou levemente a xícara. Pude ler em sua borda: doce vida!
 Estava sendo manhã de primavera, tirou a blusa e a encostou junto à bolsa alojada próxima a janela. Comentei sobre um detalhe de sua camisa. Fomos brevemente interrompidos pelo telefone. Brincava com a caneca sobre a mesa, enquanto falava ao telefone. Inclinava o corpo forçando a cadeira para trás...
Corria o olhar por seu corpo estendido à cadeira, inclinada para trás. Desnudava-a com olhares furtivos, desabotoava-lhe a camisa, desapertava-lhe o sutiã, desvelava-lhe a intimidade. Sua língua se entrecruzava à minha... Ofegante acariciava-lhe os mamilos, massageava-lhe o clitóris... Movíamos em perfeita sintonia, entre gemidos e suspiros de prazer,...

Estava sendo manhã de primavera, por um momento valeu o que se podia ler na borda da xícara: doce vida... Recolocou o telefone no gancho, retomamos a revisão do texto: “O desejo é linguagem e só é acessível por um semidizer...”  

PLANO FROTA DE EDUCAÇÃO


Tem professor aplaudindo!! Bateram panela e continuam acreditando que tudo isso é pra um "Brasil Melhor!" Um amigo defendeu que "notório saber" é justo porque: "tem muito professor que só sabe fazer 'política' e criticar a religião dos outros, enquanto tem muita gente "inteligente" (o pastor tal, por exemplo), que seria ótimo professor..." Pra não ofender o desorientado, deixei a sala de professores... Eu procuro entender, mas acredite: não é fácil ouvir professor jogar a responsabilidade do fracasso da educação nas costas do aluno: "que não quer nada com nada!" e esperar por esse aluno para defender seus interesses, porque ele evita se expor: "tenho família, tenho contas, tenho projetos pessoais..., não posso me envolver, não vou arriscar!" Ingenuidade, desinformação, cretinice, comodismo, transferência de responsabilidade, desfilam tranquilamente na fala de certos professores. Eu quero entender, confesso: não é fácil! Prefiro a conversa com os "aborrecentes" que não querem nada com nada, mas planejam tomar a escola e contestar o "plano frota de educação" (é minúsculo mesmo)...

terça-feira, setembro 27, 2016

SOBRE DIVAGAÇÕES INSONES E SETEMBRO AMARELO

Eu não sei exatamente quantos professores eu tive durante toda a minha caminhada formativa, não sei quantos ainda terei. Mas se tivesse que agradecer a algum deles, agradeceria a aqueles que diziam-me "desista, você não leva jeito!"; a aqueles que se limitaram a apontar os erros, nunca os acertos, mesmo que escassos. Sobre tudo, agradeceria muito a uma professora de quem me recordo toda manhã, quando tenho que decidir se continuo ou não mais uma jornada. Estava numa 5ª série, levei-lhe o caderno para corrigir: "Estes garranchos eu não corrijo, com esta letra você não vai ser NADA, um ninguém!" Sua voz ecoou a sala toda, estremeceu-me por dentro, e ainda lateja todas as manhãs. Mantive a letra e esta permanente sensação de não ser ninguém mesmo quando uso o teclado. As única coisas que me mantém são os remédios, dois gigantes em meu quintal e uma flor que insiste em fincar, em mim, raízes. Quanto aos remédios, uma hora os tomo com um litro de conhaque.

sábado, setembro 24, 2016

SOBRE A REFORMA DO ENSINO MÉDIO


Desvalorização das artes e da educação física nas escolas... Numa só canetada! A Grécia e suas musas abandonaram definitivamente a escola pública! (Marcos Guilherme)

Eu sempre respeitei a autonomia do pensamento (Elvis Almeida)


As musas nunca gostaram de escolas: elas gostam de bosques, de praias, de desertos e oásis. Escola são espaços de restrições, de coerções, de direcionamentos sobre o que está estabelecido como saber. Na escola não cabe a criação, nem a reflexão, apenas a apreensão e reprodução, e musas não se reproduzem, inspiram e escapam. A escola tem a sua importância, eu, sempre lhe fui reticente, não devoto a ela a educação plena de meus filhos, só a formação instrumental... Nela nunca houve e jamais haverá espaço para o pensamento autônomo, posto que o professor não é autônomo, não produz, enquanto leciona, seu saber, representa a instituição e o saber  que esta determina ser ensinado. Ideologicamente sou contra a atual medida provisória, mas só ideologicamente. Não fosse a obrigatoriedade, não colocaria meus filhos em escola alguma. Para serem seres automonos é preciso que eu o seja e os faça circular por entre pessoas autônomas extra muros da escola. Não podemos esperar que galinhas produzam águias. Um país governado por um pato com ares de galo, não pode propor outra educação que esta. Mas já estou em minha ideologia que sempre me informou que escola é instrumento de sujeição não de liberdade. Musas nunca frequentaram escola. E o meus modelos de educadores do pensamento autônomo (Sócrates e o Galileu,  Jesus de Nazaré) ensinavam em praças e montes, pois seus ensinamentos nunca couberam em escola alguma...

SE NÃO TOMO MEUS REMÉDIOS CONJECTURO COISAS


O sujeito acorda de manhã, faz a barba, ajusta a gravata e, enquanto passa os olhos pelas manchetes dos jornais e toma café, conjectura sua situação econômica: a prestação do carro, a escola dos meninos, a viagem que pretende fazer com a esposa... Então, o sujeito pega a bolsa e vai trabalhar. Ele sabe para quem trabalha, e sabe que o que faz não faria se não dependesse do trabalho, mas "o mercado, o desemprego, a instabilidade política... seus desejos" o sujeitam. O mal-estar se instala sobre o sujeito que chega à sua repartição e encontra a ordem de serviço que lhe faz doer o estomago. Por um instante se recorda dos entusiasmados debates éticos de seus tempos de universidade, de sua disposição para construir "novas narrativas"... Mas, "é pela família, pelos filhos..., na primeira oportunidade ele procurará algo melhor, seguirá o rumo de suas convicções"... O sujeito sabe pra quem trabalha e que não faria o que faz se não dependesse do salário. Senta diante de seu computador e escreve o editorial do semanário que ele sabe a quem serve... Ao fim do expediente, retornando para casa, o sujeito se firma num bar toma um aperitivo, outro, e outro. Em casa, noite avançando, corre canais de televisão e nada assiste, quer apenas não ter que pensar que, amanhã, ou, conforme as horas avançam, daqui a pouco, deve ajustar a gravata, esboçar um sorriso satisfeito, beijar as crianças e a esposa e voltar a fazer o que não faria se não dependesse do salário.  Enquanto corre canais, uma vontade lhe ocorre: “amanhã me demito, não pactuo mais com tanta patifaria”. “Desliga a televisão, vem dormir”, convoca a esposa: “não esquece, amanhã, de pagar o condomínio”... A vontade esvanece em dois comprimidos...
   

segunda-feira, setembro 19, 2016

FLOR NO CABELO

Uma flor nos seus cabelos
realça o seu sorriso
não dá pra parar de pensar
só no que é belo,
no que me mantém vivo
em tudo que me leva a sonhar
(Planta e Raiz)


Ela chegou com flor de tecido no cabelo combinando com o vestido hippie colorido, a sandália rasteira.  Acenou-me assim que me viu. Contemplei sua figura aproximando, um contentamento invadia-me. Trocamos um selinho, nos abraçamos, perguntamos um do outro: “Como você está? Tudo bem!”. Nos sorrimos e, então, nos beijamos mais demoradamente. Pude sentir o perfume de seus cabelos, de sua pele. Procuramos um lugar discreto para nos acomodar. “O bom daqui”, disse-me, “é a vista do mar”. Seu sorriso satisfeito, seus olhos nem verde nem castanho sutilmente delineados a lápis, os lábios abatonados de um bronze suave, a face corada realçando o jambo natural de sua pele, tudo me absorvia... Ela pediu suco, pão com frios grelhado, eu café e queijo branco, também grelhado... Por baixo do vestido se intuía os seios livres que meus olhos buscavam, através do decote, como criança à fresta da porta, abarcar os contornos. Ela percebeu, fiquei sem jeito. Ela apenas sorriu um paraíso... Conversamos sobre coisas do passado, o compromisso que teríamos, música... Falou-me de Cazuza, Renato Russo, um grupo americano. Falei-lhe de Tom Zé, Belchior, Elza Soares... “Foi uma tarde de maio. Não junho...”, comentou. Fiz-lhe um ponto de interrogação, questionando-a. “A primeira vez que nos beijamos, foi numa tarde de maio, diz depois de teu aniversário. Você, em teu texto, escreveu junho...”. “Eu não sou bom com datas, você sabe!”, redargui como que me desculpando. Ela afagou-me os cabelos e selou meus lábios aos seus...  Descemos a orla em sentido ao centro comercial, caminhávamos sem pressa, mãos dadas. Ela me falava de seu novo romance e pedia-me opinião sobre um determinado personagem. Eu quase não falava, soltava uma ou outra interjeição, apenas assentindo com seu entusiasmo... Lamentou não estar preparada para um banho de mar. Comentei que poderíamos parar em um negócio qualquer e comprar um biquíni que lhe agradasse; ela poderia se utilizar do provador. “O editor nos aguarda!”, sorriu-me. “Almoçamos com ele?”, perguntei. “Não, devo apenas aprovar a capa do livro e fechar a programação de lançamento”. Reforcei-lhe a ideia do biquíni “podemos almoçar próximo à praia e antes de retornarmos ao Hotel, se quiseres, ...” “Que horas você tem?”, perguntou-me. “Estamos bem adiantados!” respondi. Ela, então, puxando-me pelas mãos, assumiu a direção do mar. A certa altura, desfez-se do vestido e da flor do cabelo e, de minúscula calcinha salmão, correu mar adentro. “Foi em uma tarde de maio e não junho...”, pensava enquanto recolhia seu diminuto vestuário, “foi em uma tarde de maio e não junho...” Foi numa tarde de paraíso que eu a contemplei, como agora, envolta pelo mar em plena travessura de criança. Naquela tarde presenteava-lhe uma flor de cabelo.     

          




domingo, setembro 18, 2016

UM CERTO DOMINGO


Então foi assim que tudo aconteceu:
Preparava-me para sair e ir à feira. Bateram à minha porta. Atendi. Um investigador de polícia anunciou minha prisão. Indaguei sobre qual acusação: “senhor sabe! Não se faça de desentendido!”, respondeu-me o distinto oficial.
Fui conduzido algemado por dois policiais que fizeram questão de posar comigo ante um fotógrafo de o Diário. Chegando à delegacia o Sr Delegado interrogou-me sobre meu dia de ontem: onde estive? Com quem? A que horas? Do que tratamos? Durante a inquirição, fez-me uma pergunta curiosa: “O senhor pedala?”. “Não!”, respondi seco e contrariado.
Eu não entendia o que fazia ali, preso, sendo inquirido sem saber por qual motivo. Exigi do delegado esclarecimentos, queria saber sobre qual acusação eu estava ali, queria meu advogado. Mas, nada!
Do interrogatório fui conduzido a uma sala com outros três elementos. Um aproveitou a presença do policial que me conduzia à cela para mandar um recado ao delegado: “Diz ao doutor que eu sei de umas paradas, de uns camaradas, coisa e tal...”. 
Fiquei quatro, ou cinco horas, na mais absoluta angústia, procurando motivo para aquela situação. O que mandou recado ao delegado foi conduzido a sua presença e não voltou.

Passado as quatro ou cinco horas de angustiante expectativa, fui conduzido a um juiz. O tribuno não fez caso de mim, dirigindo-se à promotoria: “eu vejo, eu ouço e eu imputo o réu”. E sem indagar-me nem mesmo o meu nome, instruiu a promotoria: “procure-lhe um crime. Não há necessidades de provas. Cabe ao seu advogado, caso tenha, fornecê-las. Eu já o condeno”. 
      

sábado, setembro 17, 2016

SOBRE CONCURSADOS E POLÍTICOS

Se todo Político é ladrão e se há concursado que também é político, Lula está certo! Há concursado, como há político, que é analfabeto político. Há concursado político que é ineficiente, encostado no serviço publico, corrupto e analfabeto político... Há, e sofremos quando dependemos de sua má vontade ou de seus interesses particulares. Mas você concursado ponta firme, honesto, que não nos faz esperar longas horas, dias, meses para analisar, carimbar e despachar nossas demandas, que não as engaveta e nos faz cara de paisagem quando pedimos celeridade e transparência:  PARABÉNS! Durma de boa, o Lula não falou de você. Pelo contrário, ele insiste, em suas ilusões (para uns falsas promessas), que você tem direito a três quatro refeições por dia, tem direito a viajar de avião, de ter sua casinha e um salário descente corrigido com os mesmos índices que se calcula produtos e serviços, que seu filho tem direito à universidade... Mas se você é concursado e é político e faz política enquanto exerce seu cargo, cuidado! O Lula não está errado não: há, sim, muito concursado analfabeto político e alguns são, sim, ineficientes e alguns outros corruptos como muitos políticos. Talvez a maioria dos políticos sejam corruptos, mas é a maioria, não todos. Este principio se aplica aos concursados, principalmente aos que são, também, políticos...

quinta-feira, setembro 15, 2016

COISAS DE PAU D'Alho


O que segue aconteceu em Pau D'Alho, cidade de costumes patriarcais, em que senhoras se gabam de suas coleções de panelas...

O médico chegou pro paciente e perguntou: "Seu D... como o senhor se sente?" "Estou bem doutor", responde o paciente e continua "doutor ontem a lua não apareceu no céu, ela foi roubada!" "Foi roubada não seu sr D, ontem o tempo estava nublado..." "Foi roubada sim doutor, eu estou certo disso! Até preparei um powerpoint, para poder ilustrar..., o senhor quer ver?... Olha dr, aqui entre nós, eu não posso provar, mas estou certo, convicto mesmo, que foi ele (apontando para um outro paciente, barbudo e com uma camiseta vermelha)..." O bom médico riu e prescreveu: "o sr D está apto a voltar ao trabalho..." D, ontem, deu coletiva apresentando sua tese. A imprensa de Pau D'Alho o acha genial...

quarta-feira, setembro 14, 2016

ONDE NÃO HÁ FANTASIA FALTA VERGONHA

Por indicação de uma amiga, dediquei tempo ao texto do João Pereira Coutinho na Voz do Golpe (Folha de São Paulo), de ontem (13/09/2016). Poderia ter ficado no titulo: “Pior que a depressão é a vergonha que existe nos deprimidos”. A vergonha te barra, policia teu pronunciar, por recear um julgamento moral contra ti. Eu não tenho este sentimento de vergonha por ser deprimido, eu sinto que incomodo as pessoas. É sempre um incomodo às pessoas e não para mim saber que o meu ponto de equilíbrio com o mundo da racionalidade iluminista é devido a medicamentos e não por uma pulsão de mais vida. Basta você suspirar um breve lamento que o mundo a seu redor te sobrecarrega de florilégios do fantástico mundo do dr. Lair Ribeiro. Você se torna um estranho,  um estorvo ao mantra de autoafirmação de desejo de vida que procuramos recitar todas as manhãs. Se eu paro de tomar os medicamentos, sobrepõe-se-me o abatimento e o inclinar-se para corda. Então, por ora, os tomo. Meu desejo de mais vida é comprado na farmácia. Por que devo me envergonhar disto? Eu não provoco o meu mal-estar, ele é em mim como minha pele, meu cabelo, meus olhos... Não tenho porque me envergonhar por algo que não produzo. Então, para mim, pior que a depressão não é a vergonha, a não ser que fiquemos presos a arcaicos mitos, seja adâmicos, seja edípicos. A seu respeito há muita incompreensão clinica e muitas controvérsias neuropsiquiátricas. Numa sociedade vitalista, futurística, um sujeito abatido é um incomodo. Em mim não existe vergonha ou culpa por ser depressivo e inclinado a solucionar este mal-estar com cicuta, há a compreensão de que provoco insatisfações, contrariedades, mal-estar nas relações sociais. O depressivo, como a velhice, as deficiências, os cânceres, em um mundo voltado ao “hipergozo”,  é um incomodo não apenas no “adoecido”; é um incomodo maior nos que fantasiam a vida um todo harmônico, pungente, desejável. No depressivo não há vergonha, falta-lhe fantasia. O pior em qualquer doença é o seu valor social (se é coisa de gênios ou de fracassados). Eu não serei vencido pela culpa: já não sou filho nem de Adão, nem de Édipo; da doença não prometo: uma hora, talvez, eu pare com os medicamentos ou os “confunda” com a cicuta...  

quarta-feira, setembro 07, 2016

A ÁGUIA E O PATO DA VEZ



Desde a primeira vez que ouvi a parábola da Águia e da Galinha, conjecturo que só quem nasce para voar pode ser engaiolado. Um frango em um ninho de águia não se tornaria águia e, arremetido ao voo, penderia ao solo. De tal modo, sempre tive que: O grande pode ser apequenado, mas o pequeno não pode ser engrandecido, o poderoso pode ser submetido, o covarde jamais governará sem o uso da força. Nossa história é uma história de subjugamento: A águia, desde a colonização dos nativos e dos primeiros navios negreiros, homens parvos dobram-nos sistematicamente, fazem nos crer serem eles os detentores do poder e os legítimos donos de nossas riquezas e de nossas vidas. A águia é o povo empoleirado, apinhado nos morros, espremidos nas lotações, em vagões de trem, metrô, os boia frias, os trabalhadores informais, o homem do campo expropriado por senadores da república, as centenas de adolescentes apinhando presídios, porque lhes subtraíram a educação, o esporte, a cultura. A mais de quinhentos anos a águia é sujeitada e domesticada por uma classe de seres rasteiros, ardilosos, mesquinhos. Eles se pensam grande, se pensam senhores, se pensam merecedores da terra e de seus frutos, pelo nome, pelo titulo, pelo cargo que carregam, por bênçãos divinas. Enchem a boca, batem no peito, empinam o nariz e destilam: mérito, mérito, mérito. Tem sempre uns  ilusionários (intitulam-se articulistas, formadores de opinião, intelectuais...) a dar-lhes suporte, uns serviçais a lamber-lhes o anel de família, a refestelar-se de suas sobras. Toda vez que o povo se agita e demonstra querer acordar de seu encantamento, esses seres se articulam, mudam as regras do jogo, colocam no poder um seu representante, um homúnculo, uma peça decorativa. É desta forma que assistimos a canalhice conduzir um pato, com ares de galo, ao poder. A águia anseia abrir asas e voar. Será capaz desta vez?

terça-feira, setembro 06, 2016

DESCRIÇÃO DE UMA JORNADA


... Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender... (Legião Urbana)


I
Você acorda de manhã, faz a barba, toma banho, liga o rádio e acompanha o noticiário.  Os filhos se preparam para ir à escola, a esposa ao trabalho. Depois de acompanhar o mais novo à escola, você se dedica a cuidar do jardim, ler um livro, produzir uma crônica, um artigo... preparar o almoço. Você faz planos de viagem, especula um presente para a esposa, cogita levar os meninos na praça ao fim da tarde.
No período da tarde você se dedica ao projeto de mestrado, confere anotações, formula suposições, elabora opiniões, busca referências. Navega por seus emails, por paginas de noticias, pelo Face. Os meninos brincam no quintal. Prepara-lhes  o lanche. A ideia de os levar à praça se prorroga. A mãe está para chegar. Você vai deixar para que ela prepare a janta. Coloca os meninos para tomar banho, fazer o dever de casa, assistir televisão. Toma um livro, folheia-o, aproxima-se da janela, contempla os girassóis ensaiando o desabrochar.  Um pássaro pousa em seu jardim. Cisca aqui, ali; faz pequenos voos de uma galha da roseira ao ipê, deste para uma haste de ferro, depois ao chão e, por fim alça um voo infinito.  
O vento, ou algo que vem de dentro, sussurra-lhe versos de Leopardi: “Non gli uomini solamente, ma il genere umano fu, e sarà sempre, infelice di necessità. Non il genere umano solamente, ma tutti gli animali. Non gli animali soltanto ma tutti gli altri esseri a loro modo. Non gli individui, ma le specie, i generi, i regni, i globi, i sistemi, i mondi...  è in stato di souffrance, qual individuo più, qual meno”
O colorido do dia esvanece, o abismo se abre...

II

Não é desemprego, não é conflito amoroso, não é ambiente estressante de trabalho, não é medo ou covardia diante de um mundo conturbado, angustiante, não é a falta de expectativa, de empatia, de desejo de vida... Tudo é meio, não motivo. Um salto do décimo quinto andar é in-causado. É sintoma, não sofrimento.

III

Desceu ao jardim, limpou-o. Ajustou uma cova rasa. Semeou-lhe sementes. As cobriu de terra, que logo regou. Acocorou-se. "O que fazes?” perguntou-lhe voz de dentro, concluindo: “é noite ainda!”. "Vigio a flor que ei de contemplar!", respondeu. Tinha desejos de cicuta.

IV

O desejo de morte é uma conturbada esperança!

segunda-feira, setembro 05, 2016

A BANALIDADE DO MAL ESTÁ EM NÃO SABERMOS DELINEAR OS LIMITES ENTRE BEM E MAL

Não vem escrito na farda do policial: "sou o policial bom; sou o mal policial". Na minha testa também não está escrito que sou "pai de família ou vagabundo, estudante ou vândalo", como me reportou um policial durante uma batida. Mais que humilhante, é desesperador você, após uma jornada de trabalho e estudo noturno, ser, sob a mira de uma arma engatilhada, obrigado a deitar-se no chão e ser chamado de bandido, de "preto safado", maconheiro. Não foi uma só vez que passei por essa experiência. Em uma delas, minha esposa e meu filho, então com três anos, apartados por dois policiais, assistiram à abordagem truculenta e imotivada de outros dois policiais. Trabalho desde os doze anos de idade, o único ato de vandalismo que me recorre foi colocar bombinhas em caixa de correios de alguns "nobres cidadãos poaenses" em épocas de São João. É dos quinze que associo trabalho estafante e estudo precarizado pelo cansaço meu e de professores mal remunerados, desconsiderados por sucessivos governos. Nunca foi um policial cortes, educado, gentil que me abordou. E foi um amigo policial quem me deu a resposta: "não está escrito no rosto dos bons que eles são bons. Na duvida, primeiro atiramos, rezando para que não seja pai de família..." Tem policial bom? Deve ter. Na dúvida porém, prefiro acreditar que todas são arrogantes, prepotentes e prontos para atirar. Evito ser o pai de família no lugar errado, na hora errada. Lugares e horas, decididos por quem está no poder. Dentro de uma farda há um ser humano, eu acredito nisso. Mas o humano, perfectível, mas não perfeito, destinado a um plus, mas se vê sempre às volta com o ser menos, é sempre uma surpresa sem aviso algum de ser bom ou não. Alienado em uma instituição, seja ela qual for, é sempre uma ameaça, porque deixa de ser o sujeito de sua ação. Daí à "banalidade do mal", expressão de Hannah Arendt, a distância é sutil. A Policia Militar de São Paulo, parece não se dar conta de ter atravessado as barreiras do razoável, do mínimo de urbanidade que se exige de qualquer poder civilizado. A truculência costumeira, que já se provou incapaz de combater a criminalidade, investida contra civis em manifestos políticos, denuncia sua nítida ineficiência e esgotamento. Se, de antemão, não podemos identificar a índole de um individuo, de uma instituição não podemos dizer o mesmo. A Polícia Militar não tem sido uma boa instituição. 

SOBRE A AÇÃO DA TROPA DE CHOQUE CONTRA TRABALHADORES



O que segue não é para ser ofensivo. É fruto de indagações, tem teor especulativo,  não são afirmações conclusivas, são impressões...


A pessoa humana é algo de razão, algo de paixão, algo de psicológico, algo de biológico, é alguma coisa sentimento, emoção, sensação. Alguns dizem que é pulsão sado-masoquista, desejo do Outro, linguagem... Tenho apreço por seu sorriso, por suas lágrimas, por seu canto e por seu grito; acompanho sua dança e sua marcha, a mão que afaga e a que, punhos fechados, resiste entoando palavras de ordem. Mas dentro da farda, a pessoa desaparece. O que fica é um autômato, um “Robocop”, tal um besouro armado. Não são apenas despersonalizado, é despessoalizados. Torna-se maquina teleguiada, comandada por vontades torpes. Eu tenho amigos da força policial com quem jogo, tomo cerveja e troco abraço da paz no final da missa. É trabalhador, assalariado, expropriado, escorchado, com anseios e receios que dividimos. Mas, confesso, tenho mais receio dele, quando fardado de que de homens que nos espreitam e nos sujeitam à mira de uma arma. Do bandido não espero nada, posto que de mim ele quer tudo, até a vida; do homem dentro da farda espero, mas receio não o ter: o dever primeiro de me defender a vida e o de respeitar meus direitos. Mas minha vó já ensinava: “cachorro treinado para morder, não rola no chão com seu dono”. A farda que a tropa de choque usa é cabresto, em sua configuração de “Robocopy”, lembra-me a máquina que Kafka descreve em sua Colônia Penal.  Eu tenho apreço pela pessoa humana, sou capaz de perdoar o amigo que me apunhala, mas no soldado que lança bombas contra uma multidão, no seu direito de erguer-se contra um governo impostor, golpista, entreguista, aviltador , usurpador  de nossas duras, sacrificadas conquista, eu não consigo ver um ser de desejo, uma pulsão, algo de razão... Vejo um cão seguindo a ordem de seu dono. A mascara da vazão à qualquer fantasia, e todo uniforme é uma espécie de mascará. Enquanto máscara, a farda policial, a do “Robocopy”, em especial, evoca um poder higienista. Eu, reforço, tomo cerveja com meus amigos, os abraço ao fim da missa. Mas confesso, quando eles se fardam, eu os receio mais que ao homem que vive do crime. Aos seus olhos já não sou mais o companheiro de boteco, o "irmão em Cristo". Em sua fantasia, respaldado por sua máscara, afiguro-lhe um "lixo", "escória", "doença", do vocabulário fascista. Não obstante, por trás da carapaça há algo de pessoa, de trabalhador, de pai de família tão expropriado quanto a multidão que marcha e tem apenas a voz. Não é contra ele que luto, é, também, por ele.  

sábado, setembro 03, 2016

CINCO PAIS


A equipe do CASA Diadema, na Região Metropolitana de São Paulo, recebeu na última segunda-feira (15 de agosto) a visita do bispo da Diocese de Santo André, Dom Pedro Carlos Cipollini. (http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=bispo-de-santo-andr%C3%A9-visita-casa-diadema&d=7029)


Somos cinco.  Cada qual filho de um homem diferente. O mais velho, o pai, juiz de direito, não o reconheceu. Mãe tinha, 14 anos. Vô  perdeu no jogo de cartas. A virgindade de mãe saldou a divida. Um dia, pai e filho se avistaram frente a frente e o pai condenou o filho por ofensa a um político amigo. O filho, 16 anos, dizem, enforcou-se sob custódia do Estado. Há quem diga ter sido represaria por não andar com as mãos para trás e pedir “licença senhor”. O pai continua a ganhar jovens virgens em cartas marcadas, a ceder habeas-corpus aos amigos do poder, a ser Deus todo poderoso... O segundo  tem no pai o tio. Tenente de polícia, homem de duas vestes: farda e terno. De caráter intolerante, no terno prega o Deus da vingança, na farda, o rigor da lei e da  ordem. Em ambos os casos se impõem contra pobres e despossuídos que em seu entendimento são pecadores e bandidos.  Quando o filho-sobrinho nasceu, o confiou a um casal que se mudava para o sul. O casal deixou a criança em uma parada... De meu pai sei que era professor de ensino fundamental e envolvido em um movimento separatista. Mãe o matou quando ainda me carregava em si. “Foi seu homem”, costuma dizer em seus delírios: “o que ela amou”. Mas “tinha sua dignidade e não admitiu o punho cerrado contra si”. A tragédia a fez fugir para a cidade e a viver do corpo. “Os homens não se incomodavam com o tamanho de minha barriga; havia prazer em seus olhos...” [...] “Você nasceu num dia de chuva, um maio que se acabava em água, debaixo de uma lona. Você demorou a chorar e todos achavam que nasceste morto. Mas o choro veio parecendo romper uma resistência...” Do quarto mãe não sabe dizer quem é o pai. A profissão exigia-a. Deitava-se com quinze, vinte homens numa noite. Sabe que foi numa festa promovida por políticos... O quinto é filho de um padre que costumava distribuir cobertores e sopa para moradores de rua. Mãe, de quando em quando, o leva para assistir missa apenas para divertir-se com o padre atrapalhando-se na homilia e nos ritos: “brota-lhe água como se fosse uma nascente”, mãe gargalha, consumida. Aos doze anos deixei a escola para vender balas nos faróis e nos trens da CPTM. Uma tarde dois “bicos” tomaram-me as balas e me deixaram preso em um sala até o fim da noite. Uma outra vez, uma senhora achou que eu estava roubando e chamou a polícia. Fiquei três ou quatro dias dividindo cela com cinco adultos. Um deles queria que eu lhe fizesse uma “chupeta”. Os outros o repreenderam a socos e pontapé. Um outro, orientou-me: “no mundão procura Fulano de tal e diz que foi o Caveira que te enviou, ele te protege...” Quem o procurou foi o que nasceu sem que mãe reconheça o pai. Fulano de tal é político grosso e confiou a meu irmão, por completar 10 anos, um ‘cano’ e a vigilância de uma ‘biqueira’. Na tarde em que Fulano de tal pronunciou-se a favor da redução da maioridade penal, um que poderia ser seu filho, em troca de tiro com a polícia, morria. Mãe não chorou, embriagou-se e cheirou cocaína toda uma semana. Depois disso veio-lhe os delírios e o seu definhar. Desde que estou aqui, eu não tenho noticias de meu quinto irmão. E só estou pensando nele porque um bispo nos veio visitar. O sacerdote conheceu o funcionamento do centro socioeducativo... conversou com os adolescentes na área pedagógica, estimulando-os, a todo momento, a traçar novas trajetórias de vida. Enquanto ele se esmera em gestos e sorrisos afáveis, penso em meus irmãos, em nossos pais. Quem irá até eles com uma palavra a dizer-lhes que somos frutos de suas trajetórias de vida?    

PORQUE NÃO MORRO DE UMA VEZ


O sujeito que nasce já começa a morrer... Nós temos que escrever como quem morre. (Nelson Rodrigues)

O que segue não é um pedido de ajuda, não orem por mim, não é uma justificativa, um pedido de desculpa, não descreve, não esclarece, não elucida. É uma incomoda confirmação.


Eu sou suicida! É uma questão de tempo (um dia, um ano, dez anos), para que o desejo de morte vença a vontade de viver, vontade que não é minha, mas dos que me rodeiam e me “querem bem”, e suas crenças em uma vida que merece ser vivida... Eu não tenho um motivo real para querer morrer, não tenho nada contra a vida, nem contra a experiência finita do viver.  Em mim estranheza e indiferença se misturam, não me sinto situado em questão alguma: ficar a contemplar o botão de rosa que não plantei e que se oferece ao sol espontaneamente, isto me mobiliza e me aliena. Tudo o mais, é acontecimento. O mundo que cai a meu redor, já caia antes de mim, continuará caindo com ou sem minha voz emprestada à esquerda ou à direita. Quando a vontade, sempre em ponto de derrocada, se sobrepõe ao desejo, empresto minha voz aos derrotados do mundo, uma voz inútil numa luta em que já se sabe do vencedor antes do confronto. Há dias que me iludo, vejo os meninos correndo, se desenvolvendo, o mais novo se aninha em meus braços, dorme. A mãe sorri e planeja viagens... Mas um verme age por dentro da fruta de aparência madura. Ora ou outra o desejo há de se impor à vontade... vou sendo... morrendo como todos e tudo. Vivo em um abismo e uma voz grita o salto. A flor de minha existência sorri-me e tênue me sustenta. Não hoje! Amanhã, daqui um ano ou dez, o fio se rompe, a voz que clama o salto vence. Como verme, o desejo se sustenta por dentro...  Eu sou suicida, nasci para faca e ela me sorri!