“Porque você não deixa logo o mundo?”
Interpelou-me um que acompanhava minhas cantinelas de morte. É que tenho o
complexo de Shariar, o rei persa a quem Sherazade contava suas histórias
para fugir à morte. Eu pouco me encontro no mundo, mas a vida me fez conhecer
livros, que vou consumindo um após outro e sempre um outro vai surgindo. Hoje,
por exemplo, o desejo de cicuta rondou-me a tarde inteira, mas Hilda Hilst me
sorriu como Penelope desfiando tapetes: “Deus? Uma superficie de gelo ancorada
no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se àquele nada, ...” Porque
não abandono a vida? Porque vou deixando Sherazade, sempre por mais uma noite,
apresentar-me um livro novo. Prendo-me a este nada e “sobrevôo meu ser de
miséria, meu abandono, o nada que me coube e que me fiz na terra”. Todo desejo
esvanece...
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