sexta-feira, junho 17, 2016

Ler é ver. E ver: o que é?




É mais que o encontro tátil da vista com o objeto. É  uma experiência existencial e pessoal em que  nunca estou certo de que vi o que vejo: O mundo não é claro, meus sentidos não são confiáveis, minhas emoções fundam-se em experiências passadas e em expectativas futuras. Em algum ponto o sentido profundo das coisas me escapa. Leio o mundo ciente de minha miopia.

Como o óculos que corrige meu olhar, como o telescópio que potencializa e amplia minha visão, como o microscópio que me evidencia particularidades do objeto, a palavra corrige meu sentido de mundo, aproxima-me e distancia-me dele e me permite retornar sobre ele. Com o domínio da palavra, amplio minha visão de mundo, e o que vejo-leio é mina posição (ou o absurdo de crer em uma minha posição) no espaço-tempo mundo.

Ler, então, não é somente juntar letras e formar palavras, criar sentidos. É sobretudo sair de minha segurança, de minha certeza, da garantia que tudo faz sentido e tem sentido.

“As palavras enganam”, dizia minha tia. E Marguerite Yuorcenar lembrava-me sempre que os livros apresentam “erros peculiares de perspectiva entre suas linhas..."

A leitura marca ao mesmo tempo a morte de uma compreensão de mundo e a sua metamorfose. A realidade muda, transmuda, ante nossa leitura, Nós a vemos alargada, ampliada ou pontuada em seus detalhes diminutos. A leitura é uma ação originadora de novos sentidos que nos impelem a entender que o ver o mundo não é vê-lo em sua totalidade.

Termino com Adélia Prado:



Antes do nome



Não me importa a palavra, esta corriqueira.

Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás", o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível muleta que me apoia.

Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.

 A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada.

Em momentos de graça, infrequentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.

Puro susto e terror.

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