terça-feira, junho 21, 2016

MILAGRE


[...]
Eu estou muito cansado de não poder
De não poder falar palavra
Sobre essas coisas sem jeito
Que eu trago em meu peito
[...]
Belchior

              O olhar lançado ao infinito nada, buscando-se em si. Um anseio, um alento, um mínimo desejo, um lampejo pulsa. Uma lembrança anódina.
Chove! É o que lhe vem à mente.
Vozes abafadas, corpos trêmulos, olhares espreitando, ouvidos individuando rumores rondando a casa. Não fosse... Não ousava pensar... O pulsar dos corações, o seu ao da mãe que o apertava ao peito e ciciava em seus ouvidos: “Não chore! Meu bem, não chore!”...
Entre insônia, sonho-delírio, sente apenas o pulsar de um não-ele nele e o cheiro nauseante de pólvora...
Nunca lhe contaram como se deu as coisas de fato. Era pra se esquecer. “Não tinha que se preocupar, era um milagre...”
 Sabia que aqueles não eram seus pais naturais e que eles evitavam o tema... 
“Não chore, meu bem, não chore!”...
Embora lá fora a noite transite para o dia com promessa de sol, sente-a profunda, úmida, fria... E no apartamento, oitavo andar, abre a vidraça e grita grita grita...  O olhar preso a uma estrela distante.
Em si rumores surdos, vozes abafadas, choro de criança... o nauseante ar empesteado de chumbo... Nunca lhe contaram como as coisas se deram de fato... “era um milagre”, diziam-lhe.
E do apartamento, braços abertos ganhando ganhando ganhando o espaço,  despencando despencando despencaaaandoooo, assomando-se assomando-se ao asfalto ...
“Não chore! meu bem, não chore...”  “Era um milagre”, diziam-lhe. "Todo milagre é um nada infinito, um anódino...", dizia-se ... 

♪♫ Quem me conhece me pede que seja mais alegre.../ Mas é que nada acontece que alegre meu coração.♪♫♪


Nenhum comentário:

Postar um comentário