sexta-feira, junho 10, 2016

GROTÕES DO FUNDO


Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne, para descobrir a sua nudez. Eu sou o Senhor. (Levítico 18,6)

           

            As coisas que narro acontecem em Grotões do Fundo, subdistrito de Pau D’Alho. Poderiam, naturalmente, ocorrer no Morumbi, ou na Zona Sul carioca...
            Feliciannus Malafalsa levantou-se no meio da noite. Foi à sala, de passagem pegou cerveja na geladeira. Ligou a televisão, deixou-a num volume que se pudesse ouvir em seu quarto. Dirigiu-se ao quarto da filha, que dorme e sonha com a festa de aniversário se aproximando. Deitou-se ao seu lado...
Durante as refeições matinais, depois que Feliciannus orou pela família e pelo alimento, a esposa comentou, como de costume, olhando para a filha: “porque você tem que ligar a televisão naquele volume? Eu quase não consigo dormir.” Um silêncio obsequioso sufocou o ambiente.
Ouviu-se buzinas. Era a Tia da van... Quando a menina partiu, a esposa comentou: “tem algo estranho com essa menina, me parece triste, a professora comentou que ela é muito quieta e isolada, recomendou acompanhamento...”
Feliciannus, fez não prestar atenção, lia o jornal: “onde vamos parar, com dez anos e já anda armado! Onde vamos parar?”, comentou, despistando.
Deixou o jornal, ligou para o vereador a quem assessora: “Bom dia nobre vereador! O nobre edil leu o Matinal de hoje? Pois é, o nobre edil tem que pautar a questão da criminalidade, tem que combater esse absurdo, onde já se viu um menino de dez anos trocando tiro com a polícia? Não, não pode! Tem que criminalizar! Tem que prender! Bandido bom é bandido morto...!”
Do outro lado o nobre vereador apenas assentia: “Tá certo pastor...! O senhor tem razão pastor...! Não, não pode pastor!”
Depois de instruir “seu vereador”, como gostava de dizer, beijou a esposa, tomou o paletó, saiu. Passou na escola da filha e formulou uma queixa contra a professora, pediu providencias da diretora, caso contrário: “ela sabia de quem dependia seu cargo...”
Passou o dia tratando de seus negócios, negociou com um “gerente” do morro um novo ponto de “evangelização”, negociou com representantes do governo subsídios para seu “evento de combate à cristofobia”...
No inicio da noite, Feliciannus assumiu a palavra de Deus diante dos fieis: “Queridos, isso é uma vergonha, é uma estupidez, quem defende os direitos humanos é contra a palavra de Deus... “Queridos, uma vergonha! ... Que Deus tenha misericórdia de nossas famílias!”
Feliciannus Malafalsa levantou-se no meio da noite. Ligou a televisão...


Nenhum comentário:

Postar um comentário