quinta-feira, junho 30, 2016
TEMER E O SUICIDA
O Cargueiro da CPTM tem apertos, atrasos,
resignados reativos (aqueles que reclamam, mas torcem para dar serto (é com ‘s’
mesmo). Depois, é sempre o indiferenciado povo, nunca com ele. O que torna a viagem menos cansativa e
desanimadora são os piadistas, sempre tem um. E o sujeito saiu-se com esta:
"um tipo está para pular da ponte, quando alguém grita: Não pula! Não
pula! O Temer está passando! E o sujeito então desiste. Um repórter, já
preparando matéria elogiosa em favor de Temer resolve lhe perguntar qual a
influência do interino em sua desistência: "Eu queria me matar, não me
sujar de bosta!", respondeu o gaiato". A CPTM continua um lixo, o
Brasil vai piorando, mas vou rindo pro meu sufoco...
quarta-feira, junho 29, 2016
SERVOS DO SENHOR
“Não
estou criticando seu trabalho, realmente você é muito caprichosa. Mas, não
posso aceitar esse tipo de gente em minha casa.” (de um fragmento no Estadão)
Ghermana
Trancoso andava desconfianda do marido. Ela o percebia distante, muito atacado
ao computador.
Ghermana
Trancoso ia ao Shopping, comprava sapatos, se empanturrava de fondue de
chocolate, reclamava a atenção do marido, que respondia burocraticamente.
Ghermana
Trancoso não se aquietava, o marido era cada vez mais esquivo, falava-lhe pouco,
quase não a notava, vivia trancado em seu escritório com estudos bíblicos a serem
feitos, predicações a preparar: “era preciso pensar na Igreja”, dizia,
deslizando aos queixumes e exigências de Ghermana Trancoso...
Certa tarde, Ghermana Trancoso, ao sair de seu
psicanalista, notou sua “colaboradora no lar” atravessando a rua com uma
criança no colo. No dia seguinte, Ghermana Trancoso inquiriu a “colaboradora”,
que informou-lhe ser mãe solteira. Ghermana Trancoso para preservar os filhos
de uma moral perversa demitiu a “colaboradora”: “uma mãe solteira era uma
influência negativa num lar dedicado a servir o Senhor. Gente dessa espécie
dizia, fazendo os gestos do pastor, que por sinal era o marido, não tem moral
alguma...”
Ghermana
Trancoso passou a dormir mais segura, embora o marido continuasse atacado ao
computador: “trabalhava tanto o pobrezinho, sempre preocupado com a Igreja...”
Quando
Ghermana Trancoso descobriu que o marido andava monitorando os banhos da filha
e os fazia circular numa rede de amigos virtuais, Ghermana Trancoso agradeceu
ao Senhor Deus: “Graças vos dou Senhor, Bom Deus, pelo esposo dedicado e bom
pai que me deste.” O marido havia explicado que estava administrando possíveis
varões, para encaminhar a filha em um negócio, quer dizer casamento, “agradável
ao Senhor”.
Lemos
no Comarca que a Família Trancoso precisa de “colaboradora no lar” com sólidas
tradições patriarcais.
Pau
D’Alho é uma cidade incomum...
segunda-feira, junho 27, 2016
O SÁBIO
E um
que corria para não ser o último da fila disse: “Mestre, nos fale sobre o
Capitalista e o trabalhador.
“Em
uma selva, um leão encontrou-se numa armadilha. Um macaco, percebendo sua aflição,
correu a livrá-lo. Passado algum tempo, quem se viu em uma armadilha foi o
macaco. O Leão percebendo a oportunidade, devorou-o.”
“O
capitalista sabe dar valor à oportunidade”, concluiu um que lia um jornal.
Todos
o acharam sábio, dando as costas ao mestre.
domingo, junho 26, 2016
CLAUDIA SCHIFFER
A Brigitte Bardot está se desmanchando e os nossos sonhos querem pedir divórcio... (Tom Zé)
Eu
devo confessar que meu romance com Claudia Schiffer começou em junho de 2000.
Quem me a apresentou foi um amigo padre, com quem eu me queixava de minha
insônia e frequente irritabilidade. Eu estava em Massachusetts, prestes a
professar votos. Em algumas semanas, teria os exercícios espirituais, e me
angustiava o encontro com o padre confessor. Não havia novidade em meus
pecados.
Certa
tarde, durante o intervalo dos estudos bíblicos, meu amigo padre, chamou-me de
canto, sacou de sua blusa uma Playboy. Era uma edição do mês de maio de 1997:
“Irmã, antes de procurar teu confessor, procure pecar”.
“Padre”,
confessei, antes de esposar o Senhor: “eu trai Brigitte Bardot...”
sábado, junho 25, 2016
NO MEU TEMPO
Quando eu era criança, meu avô dizia que eu não sabia brincar, porque morava na cidade e na cidade: "não se ordenhava, não se caçava, não se pescava." Na minha rua, uma das maiores diversões dos mais velhos, era amarrar o "mudinho" no poste com as calças arriadas só para ouvi-lo gritar com dificuldade socorro e alguns palavrões. O “mudinho” sobreviveu, mas será que ele tem saudade de sua infância? Como nossos filhos vão brincar com piões, bolinhas de gude, revolveres de mamona, se não lhes apresentamos esses objetos? Como vão brincar na rua, se somos nós que os trancamos, "por segurança", em nossos apartamentos e condomínios, com suas regras que tudo proíbem? Em nossas casas sem quintais, em nossas ruas cobertas de asfalto (meus filhos não sabem o que é barro, onde moramos é tudo asfalto e cimento) não se pode correr, não se pode gritar, não se pode subir nas árvores. Na minha infância, que não foi longa, aos dez anos eu já trabalhava, íamos a escola em grupos, a pé, o que nos permitia "arruaças". Hoje uma van pega e deixa o meu filho na porta de casa. Depois, tínhamos muito tempo livre, podíamos brincar. Nossos filhos, além da escola, têm o balet, o inglês, a natação... Estamos sempre ocupando-lhes o tempo. No meu tempo a água chegava em baldes que as mulheres de minha casa (é, buscar água no posso era um papel feminino) iam buscar no açude... Eu sobrevivi a uma infância de brincadeiras, estudo precário e trabalho. Maravilho-me com meu filho de 5 anos dominando um TABLET, enquanto eu mal consigo esquentar o almoço no micro ondas. No meu tempo se cozinhava à lenha, embora já existisse fogão. Minha avó não era dada a modernidades... Não podemos impor a nossos filhos nossas saudades, devemos no entanto propiciar-lhes situações que lhes sejam memoráveis. Que tal ir empinar pipa com o teu filho? Vá curtir com ele tua saudade de forma prática...
sexta-feira, junho 24, 2016
MÃE DO JOVEM TAKEUTY SALVA VIDA DE SEU ALGOZ
Na noite de 19 de maio de 2000, Robson Takeuty deixou a namorada na porta de casa e dirigindo-se a seu carro, foi abordado por dois homens. Baleado, Robson encerrou seu existir nos braços desesperados de Núbia, a namorada. Passados alguns meses dois homens foram presos. Na véspera do Natal de 2003, um deles, em indulto de Natal, envolveu-se num tiroteio com policiais e foi baleado. Caso incomum, nestas situações, o individuo chegou entre a vida e a morte no Hospital Regional. Coube à Dra Anabheli Agnus Takeuty, conduzir a cirurgia que impediu o passar de Salvador de Souza. No dia seguinte se podia ler no Comarca: Mãe do jovem Takeuty salva vida de seu algoz. Lendo a matéria, encontramos a fala da Dra Takeuty, quando questionada: “não veio-lhe em mente fazer justiça?” A Dra Takeuty, com discrição, segundo o Comarca, respondeu que, como mãe sofria a perda abrupta e violenta do filho, e esperava ver os responsáveis por tal perda responderem por seus crime; que tinha cumprido um juramento e não podia faltar com ele: “ela era médica, cirurgião, não justiceira”; que, quanto aos homens presos pela morte do filho, haviam muitos indícios mas quase todos inconsistentes, não se podia afirmar, de fato, serem eles os algozes do filho; por fim, ela só veio a saber da relação de Salvador de Souza com o caso do filho durante a entrevista, porque o repórter, para questiona-la, a informou. “A senhora, quando no hospital, deixa de ser mãe? Concluiu o reporte. A Dra Anabheli Agnus Takeuty sorriu lhe desanimada. “As circunstâncias em que perdi meu filho abalaram minhas convicções, não as suplantaram porém. Sendo mãe, sendo médica, sendo mulher, sendo o que você quiser que eu seja, não me permito, de forma alguma, igualar-me ao que condeno: justiça não pode ser o que desejo, mas o que mantém uma sociedade sã no alcance de suas melhores expectativas.” Em Pau D’Alho as pessoas ainda se recordam do fato e da manchete do Comarca. Eu sempre fiquei com a pergunta: É sã uma sociedade com um Comarca?
terça-feira, junho 21, 2016
PROMETEU ACORRENTADO
Graças a
mim, os homens não mais desejam a morte... Dei-lhes uma esperança infinita no
futuro. (Prometeu)
Quem
conhece seu limite não teme seu destino. (Aristóteles)
Prometeu,
por ter roubado o fogo a Zeus e o ter doado aos homens, foi aprisionado por
Zeus a um rochedo. Não bastasse, Zeus enviou uma águia para lhe comer o fígado,
que voltava a regenerar todas as noites. Prometeu foi liberado de seu martírio
ao revelar a Zeus o nascimento de Aquiles, filho do Deus com Tertis.
Segundo
um texto breve de Kafka, sobre Prometeu há quatro legendas. A primeira que ele
traiu os homens em favor dos homens; a segunda que Prometeu tenha se fundido à
montanha, tornando-se com ela uma coisa só; a terceira que com o correr dos
tempos sua traição foi esquecida. “Todos esqueceram: os deuses, as águias, ele
mesmo”; a quarta que se cansaram dele. “Os deuses se cansaram, a ferida –
cansada – se fechou".
Muitas
interpretações acerca do fatídico castigo imposto por Zeus a Prometeu
consideram que o rigor de Zeus se deveu a Prometeu ter concedido aos homens o
fogo, isto é, os ter ensinado a não depender dos Deuses. Além do fogo, símbolo
da técnica, Prometeu teria dado aos homens também a linguagem, isto é, a
capacidade de dar sentido a seu existir.
Para
Umberto Garimberti, o que levou Zeus a condenar Prometeu foi o Titã ter enganado
os homens prometendo-lhes tornarem-se imortais.
A
meu ver, em Prometeu Acorrentado está representa a impotência das vontades –
quer dos homens, quer dos deuses – ante a onipotência do destino. Assim o expõe
o próprio Prometeu: "Não!... Não foi assim que dispôs o destino
inexorável... A inteligência nada pode contra a fatalidade", respondendo
ao coro, quando este observa: "Depois de haver prestado tamanhos
benefícios aos mortais não te abandones à desgraça. Estamos persuadidas de que
poderias, liberto dessas cadeias, ser tão poderoso quanto Júpiter."
O
otimismo do coro ante Prometeu é uma quimera, uma esperança que esvanece na voz
resignada do Titã. Kant foi o último esforço prometeico de nossa aventura
humana. Sua esperança de que o homem se constituísse fim de si mesmo encerra o
otimismo cedido ao homem: o de um ser livre e autônomo.
Sob
a égide do tecnicismo econômico que a tudo torna mercadoria, somos não apenas
mortais, nos tornamos tão consumíveis e descartáveis quanto qualquer outra
mercadoria. Não sei se era intenção de Prometeu, mas com seu ensino deixamos de
ser mortais: nós já não morremos, nós nos consumimos... O futuro já não é mais
uma esperança, mas uma concreta ameaça.
MILAGRE
[...]
Eu estou muito cansado de não poder
De não poder falar palavra
Sobre essas coisas sem jeito
Que eu trago em meu peito
[...]
Belchior
O olhar lançado ao infinito nada,
buscando-se em si. Um anseio, um alento, um mínimo desejo, um lampejo pulsa.
Uma lembrança anódina.
Chove!
É o que lhe vem à mente.
Vozes
abafadas, corpos trêmulos, olhares espreitando, ouvidos individuando rumores
rondando a casa. Não fosse... Não ousava pensar... O pulsar dos corações, o seu
ao da mãe que o apertava ao peito e ciciava em seus ouvidos: “Não chore! Meu
bem, não chore!”...
Entre
insônia, sonho-delírio, sente apenas o pulsar de um não-ele nele e o cheiro
nauseante de pólvora...
Nunca
lhe contaram como se deu as coisas de fato. Era pra se esquecer. “Não tinha que
se preocupar, era um milagre...”
Sabia que aqueles não eram seus pais naturais
e que eles evitavam o tema...
“Não
chore, meu bem, não chore!”...
Embora
lá fora a noite transite para o dia com promessa de sol, sente-a profunda,
úmida, fria... E no apartamento, oitavo andar, abre a vidraça e grita grita
grita... O olhar preso a uma estrela
distante.
Em
si rumores surdos, vozes abafadas, choro de criança... o nauseante ar
empesteado de chumbo... Nunca lhe contaram como as coisas se deram de fato...
“era um milagre”, diziam-lhe.
E
do apartamento, braços abertos ganhando ganhando ganhando o espaço, despencando despencando despencaaaandoooo, assomando-se
assomando-se ao asfalto ...
“Não
chore! meu bem, não chore...” “Era um
milagre”, diziam-lhe. "Todo milagre é um nada infinito, um
anódino...", dizia-se ...
♪♫
Quem me conhece me pede que seja mais alegre.../ Mas é que nada acontece que
alegre meu coração.♪♫♪
segunda-feira, junho 20, 2016
SOLIDÃO COM VISTA PRO MAR
SOLIDÃO COM VISTA PRO MAR
“Meus
olhos se escondem/ Onde explodem paixões...” (Milton Nascimento)
Corpo
rotundino, mediano, jambeado. Seios fartos. Coxas firmes, grossas. Vulva proeminente, modelada pela legging preta,
justa. Tez bronzeada, olhos amendoados, vivazes. Nariz pequeno, arredondado.
Bochechas fartas. Lábios carnudos, encarnados de batom. Dentes alvos, sorriso
franco, preguiçoso... Peço-lhe o direito à dança, cede-me a mão e um filho...
Acolchoado em seus ombros, deixo-me balouçar pelo salão. Meus pensamentos
adejam, desejam, adejam. Meu corpo abandonado ao teu. O filho com a avó... A
noite escorre em um beijo, um amasso, no descompasso da dança: ♪♪Eu não sei dançar/ Tão devagar/ Pra te
acompanhar...♫♫♫ Adejo. Desejo. Adejo...
domingo, junho 19, 2016
sexta-feira, junho 17, 2016
PORQUE LEIO?
“Porque você não deixa logo o mundo?”
Interpelou-me um que acompanhava minhas cantinelas de morte. É que tenho o
complexo de Shariar, o rei persa a quem Sherazade contava suas histórias
para fugir à morte. Eu pouco me encontro no mundo, mas a vida me fez conhecer
livros, que vou consumindo um após outro e sempre um outro vai surgindo. Hoje,
por exemplo, o desejo de cicuta rondou-me a tarde inteira, mas Hilda Hilst me
sorriu como Penelope desfiando tapetes: “Deus? Uma superficie de gelo ancorada
no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se àquele nada, ...” Porque
não abandono a vida? Porque vou deixando Sherazade, sempre por mais uma noite,
apresentar-me um livro novo. Prendo-me a este nada e “sobrevôo meu ser de
miséria, meu abandono, o nada que me coube e que me fiz na terra”. Todo desejo
esvanece...
Ler é ver. E ver: o que é?
É
mais que o encontro tátil da vista com o objeto. É uma experiência existencial e pessoal em que nunca estou certo de que vi o que vejo: O
mundo não é claro, meus sentidos não são confiáveis, minhas emoções fundam-se
em experiências passadas e em expectativas futuras. Em algum ponto o sentido
profundo das coisas me escapa. Leio o mundo ciente de minha miopia.
Como
o óculos que corrige meu olhar, como o telescópio que potencializa e amplia
minha visão, como o microscópio que me evidencia particularidades do objeto, a
palavra corrige meu sentido de mundo, aproxima-me e distancia-me dele e me
permite retornar sobre ele. Com o domínio da palavra, amplio minha visão de
mundo, e o que vejo-leio é mina posição (ou o absurdo de crer em uma minha
posição) no espaço-tempo mundo.
Ler,
então, não é somente juntar letras e formar palavras, criar sentidos. É
sobretudo sair de minha segurança, de minha certeza, da garantia que tudo faz
sentido e tem sentido.
“As
palavras enganam”, dizia minha tia. E Marguerite Yuorcenar lembrava-me sempre
que os livros apresentam “erros peculiares de perspectiva entre suas
linhas..."
A
leitura marca ao mesmo tempo a morte de uma compreensão de mundo e a sua
metamorfose. A realidade muda, transmuda, ante nossa leitura, Nós a vemos
alargada, ampliada ou pontuada em seus detalhes diminutos. A leitura é uma ação
originadora de novos sentidos que nos impelem a entender que o ver o mundo não
é vê-lo em sua totalidade.
Termino
com Adélia Prado:
Antes do nome
Não
me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero
é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, os sítios escuros onde nasce o
"de", o "aliás", o "o", o "porém" e o
"que", esta incompreensível muleta que me apoia.
Quem
entender a linguagem entende Deus cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave,
surda-muda, foi inventada para ser calada.
Em
momentos de graça, infrequentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a
mão.
Puro
susto e terror.
domingo, junho 12, 2016
MEU AMOR POR TI
MEU AMOR POR TI
Meu amor por ti é lunar.
Há dias que é crescente
e outros minguante.
Há dias que é novo
e outros cheio,
dominando o céu estrelado.
E como a lua influencia os mares,
há dias que meu amor por ti
é fúria, tormenta, maremoto...
Há dias que é ressacada
e outros calmaria.
Meu amor por ti
é, também, sazonal:
primavera, outono, inverno, verão.
Há dias, então,
que ele é escaldante
outros sufocam-te
outros árido e seco.
Há dias que ele é fria madrugada,
dia chuvoso,
noites geladas.
Há dias que meu amor por ti
é flores se abrindo,
cheiro de terra molhada,
arrebol em fim de tarde,
o frescor da brisa,
noite estrelada...
Algo, meu amor por ti,
não é:
Passageiro
Eu amo-te
as quatro estações do ano,
de janeiro a janeiro.
E, dia e noite,
amo-te por inteiro
Variável,
meu amor por ti,
não é efêmero.
sábado, junho 11, 2016
sexta-feira, junho 10, 2016
GROTÕES DO FUNDO
Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne, para descobrir a sua nudez. Eu sou o Senhor. (Levítico 18,6)
As coisas que narro acontecem em
Grotões do Fundo, subdistrito de Pau D’Alho. Poderiam, naturalmente, ocorrer no
Morumbi, ou na Zona Sul carioca...
Feliciannus Malafalsa levantou-se
no meio da noite. Foi à sala, de passagem pegou cerveja na geladeira. Ligou a
televisão, deixou-a num volume que se pudesse ouvir em seu quarto. Dirigiu-se
ao quarto da filha, que dorme e sonha com a festa de aniversário se
aproximando. Deitou-se ao seu lado...
Durante
as refeições matinais, depois que Feliciannus orou pela família e pelo
alimento, a esposa comentou, como de costume, olhando para a filha: “porque
você tem que ligar a televisão naquele volume? Eu quase não consigo dormir.” Um
silêncio obsequioso sufocou o ambiente.
Ouviu-se
buzinas. Era a Tia da van... Quando a menina partiu, a esposa comentou: “tem
algo estranho com essa menina, me parece triste, a professora comentou que ela
é muito quieta e isolada, recomendou acompanhamento...”
Feliciannus,
fez não prestar atenção, lia o jornal: “onde vamos parar, com dez anos e já
anda armado! Onde vamos parar?”, comentou, despistando.
Deixou
o jornal, ligou para o vereador a quem assessora: “Bom dia nobre vereador! O nobre
edil leu o Matinal de hoje? Pois é, o nobre edil tem que pautar a questão da
criminalidade, tem que combater esse absurdo, onde já se viu um menino de dez
anos trocando tiro com a polícia? Não, não pode! Tem que criminalizar! Tem que
prender! Bandido bom é bandido morto...!”
Do
outro lado o nobre vereador apenas assentia: “Tá certo pastor...! O senhor tem
razão pastor...! Não, não pode pastor!”
Depois
de instruir “seu vereador”, como gostava de dizer, beijou a esposa, tomou o
paletó, saiu. Passou na escola da filha e formulou uma queixa contra a
professora, pediu providencias da diretora, caso contrário: “ela sabia de quem
dependia seu cargo...”
Passou
o dia tratando de seus negócios, negociou com um “gerente” do morro um novo
ponto de “evangelização”, negociou com representantes do governo subsídios para
seu “evento de combate à cristofobia”...
No
inicio da noite, Feliciannus assumiu a palavra de Deus diante dos fieis:
“Queridos, isso é uma vergonha, é uma estupidez, quem defende os direitos
humanos é contra a palavra de Deus... “Queridos, uma vergonha! ... Que Deus
tenha misericórdia de nossas famílias!”
Feliciannus
Malafalsa levantou-se no meio da noite. Ligou a televisão...
quinta-feira, junho 09, 2016
Por Que?
Quando a morte,
num pé de serra,
ceifa vidas,
lançadas ao
futuro
misturando
esperança
e sacrifício
trabalho e
estudo
além da dor
fica a pergunta:
Por que nos
afainamos tanto?
Por que não eu?
Que ao mundo,
preferia não ter
vindo?
Por que Morte?
Por que?
MÃOS DO MUNDO
Tenham o cuidado de não
praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem vistos por eles.
Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial. (Mateus
6, 1)
Christine
Ramos poda as rosas e, enquanto prepara
novos enxertos, me explica: “ao enxertar rosas, as mudas devem ser escolhidas
por suas flores, e o porta-enxerto, por suas raízes resistentes e saudáveis...,
não é difícil, requer paciência e delicadeza.”
Enquanto,
eu recolhia os ramos e as folhas descartadas, tratávamos de assuntos diversos,
como de um fragmento de um poema de Adélia Prado (a rosa mística). O fragmento
era: “... Entendi que as palavras/ daquele modo agrupadas/ dispensavam as
coisas sobre as quais versavam,/ meu próprio pai voltava, indestrutível...”
Depois,
já sentados à sombra de uma mangueira, Christine Ramos, falou-me de Francisco
de Assis, e contou-me um de seus “Fioretti”: “Certo dia, Francisco convidou
seus confrades para irem à cidade evangelizar, e saiu com os frades a caminhar
pela cidade. Quando tornavam a San Damiano, um dos frades o interroga: “Mas nós
não devíamos evangelizar?” “É o que fizemos!”, respondeu Francisco.
“Francisco,
na sua convicção”, explicava-me Christine, “de ser como Cristo, acreditava que
seu modo de vida era já anuncio do Evangelho, que a atitude dispensava a
pregação”.
Eu
quis questionar, mas ela completou: “e Francisco, pensando ser como Cristo,
evitou também o titulo de mestre. Para ele, como para o Cristo, nós devemos
fazer as coisas porque achamos que devem ser feitas, não porque achamos que
devemos ensinar.”
Eu
lembrei-me do caro amigo Rodner Lúcio que costumava dizer-nos: “aquele que
ensina não é aquilo que ensina. As pessoas seguem ou rejeitam aquele que ensina
por aquilo que é não por aquilo que ensina”.
Eurípedes
dos Santos costumava rir de nós, dizia que éramos três “foris mundi!”.
À
sombra da mangueira, Christine e eu lembrávamos de nossas tardes de estudos e
de nossos passeios por antiquários de Roma e os longo passeios ao longo do
Tevere.
Terminamos
nossa tarde com um poema de Drummond: “Entre o cafezal e o sonho/ o garoto pinta
uma estrela dourada/ na parede da capela,/ e nada mais resiste à mão
pintora...”
Queríamos,
entre Palácio da Justiça e Castelo Sant’Angelo, sermos mãos do mundo...
terça-feira, junho 07, 2016
SEM VIRGENS
Os
fatos ocorreram da seguinte forma. Eu tomava vodka com refrigerante e limão. Os
companheiros cerveja. Comíamos porções de torresmo e batatas fritas.
Discutíamos futebol, política, religião. Idiocracias de fim de tarde, de
boteco.
Estando
companheiras presentes, evitamos piadas machistas. Uma ou outra escapou. Lembro
ter feito um comentário qualquer, não lembro se de partido, de time de futebol,
de agremiação religiosa, sei que um dos camaradas se ofendeu. Replicou de forma
ríspida, ofensiva.
O
clima ficou tenso. O happy hour tornou-se “casino”, como dizem os italianos. O
sujeito mandou-me para aquele lugar, eu retruquei, convidando-o a ir junto. Ele
disse que eu “não era homem”. Respondi que naquele momento “eu não fazia
questão alguma de ser”. Ele disse que me “quebrava ao meio”. Eu disse-lhe que
“dada minhas condições físicas, e minha pouca habilidade com lutas, até aquela
criança – apontei para o outro lado da rua – me quebrava ao meio”. “Eu te
quebro a cara!”. Expus-lhe a cara, com um sarcástico: “duvido!”. “Eu te mato!
Te mato! Te mato!” “É tudo o que eu gostaria, visto que não tenho coragem
suficiente para tanto...”, respondi-lhe na lata.
Foi
preciso muito deixa disso, para por fim à confusão. Fato é, que três dias atrás
eu acordei esquecido desses ocorridos, cheguei no trabalho, bati o ponto e
dirigia-me a meu setor, passando pelo sujeito, cumprimentei-o com um costumeiro
e polido: “bom dia!”. O sujeito acreditou ser uma provocação... Se Deus existe,
não O encontrei ainda. Quanto às virgens, aquelas para os justos..., eu começo
a acreditar que não fui justo o suficiente.
segunda-feira, junho 06, 2016
Padre Leontino
Eu
já não acredito em Deus, mas não perdi o habito de rezar (Eudócio Zannetti)
Arremessávamos
pedras numa garrafa de vidro. Bento, antes de cada arremesso, se benzia com
três sinais da cruz. Zannetti cuspia de lado. Eu mirava a garrafa estendendo o
braço em sua direção e apontando-lhe a pedra bem firme na mão, retraia o braço
com um leve movimento para a direita e arremessava a pedra.
Padre
Leontino rezava o terço, caminhando de um lado para o outro. O aroma de feijão
com toucinho de Suora Augusta começava a tomar conta de nossos estômagos. Não
acertamos nem de raspão uma só pedra na garrafa.
Padre Leontino, terminado seu terço,
agachou-se, tomou uma pedra, mirou de onde estava a garrafa e arremessou a
pedra. Ouvimos o som da garrafa se espedaçando ao impacto da pedra. Ficamos
abismados com a façanha de Padre Leontino.
Foi
o comentário entre nós e os outros meninos durante a janta. Antes de dormirmos Padre Leontino, após o Pai
Nosso, leu-nos a fábula O burro em pele
de leão, de Tolstói: “Um burro vestiu a pele de um leão e todos acharam que
era mesmo um leão. As pessoas e os animais correram. Bateu um vento, a pele
caiu e deu para ver que era um burro. As pessoas vieram correndo: deram uma
surra no burro.”
Antes
de apagar os candeeiros Padre Leontino, como de costume, nos recomendou: “não
esqueçam de pedir coisas justas a Deus e desejarem ser sempre justos.” “Bem que podia bater um vento em Brasília”,
pedi a Deus...
sábado, junho 04, 2016
ESTUPRO: UMA INTERPRETAÇÃO
Sexualmente falando, entre quatro
paredes, nem tudo é sexo, nem mesmo o ato sexual
(Christine
Ramos)
Tudo o que fazemos é obvio, é sobre o
porque fazemos que meditamos.
Rodner
Lúcio
De
acordo com Gianni Vattimo (Addio alla Verità) um fato é um fato, isto é,
“produto do sujeito humano que manipula e modifica indefinidamente as coisas”.
Este caráter de manipulação e modificação indefinida das coisas não nos permite
afirmar, dizer o que uma coisa é. Isto não nos deve impedir de entender,
procurar saber o que de nós podemos apreender no fato quando ele se apresenta.
Uma cena de estupro, que amanhã cederá lugar a um garoto morto em confronto com
a polícia, que cederá lugar à uma nova delação, que cederá lugar à derrocada de
um governo que nos emperra, e assim por diante, o que essa sucessão de fatos
aparentemente desconexos pode diz-nos de nós?
O
humano não é um ser natural, é uma manifestação histórico-cultural centrada no
desejo. Os seres naturais são encerrados aprisionados em si, o humano é uma
viabilidade que comporta seja sua perfectibilidade, seja o risco de sua própria
extinção. A desumanização é tão viável quanto a humanização. No cerne das ações
humanas está o desejo de realizar-se. Não há ato humano que não seja um desejo
de firmar-se, de ser.
Na
linguagem psicanalítica, o desejo é um vazio que não se preenche, pelo
contrário, é um vazio que se esvazia. É um “quase”, porque é um desejo sem
objeto, lançado na ordem simbólica. Quando desejo o corpo de outrem, não o
desejo no sentido biológico de uma finalidade: a perpetuação da espécie. Quando
desejo o corpo de outrem, desejo algo que não é só seu corpo, mas o que ele
representa para mim: conforto, segurança, confiança, reconhecimento...
Em
psicanálise, como ensina Garcia-Roza (Freud e o inconsciente, p. 148): “O que
aprendemos com Freud foi que o objeto do desejo é um objeto perdido, uma falta,
e que esse objeto perdido continua presente como falta, procurando realizar-se
através de uma série de substitutos que formam uma rede contingente mantendo a
permanência da falta.”
Diferentemente,
então, da vida natural, o humano não possui um objeto fixo com o qual saciar
seu desejo. “De objeto a objeto, o desejo desliza como uma série interminável,
numa satisfação sempre adiada e nunca atingida” (Garcia-Roza). Esse objeto pode
ser sapatos, cores de cabelo, corpos estilizados, carros, obras de arte, livros,
objetos raros, etc. A variação dos
objetos que nos provocam desejo e nos quais buscamos satisfação é quase
infinita. No campo da sexualidade, a realidade não é diversa. O ato sexual
humano é simbólico. Quando os parceiros sexuais se enlaçam cada um está
interessado não no outro em si, mas naquilo que no outro lhe provoca desejo! Depois, o ato sexual nem sempre busca
satisfazer desejos sexuais.
Erich
Fromm (Coração do Homem, 40ss) coloca que o humano situa-se entre os que amam a
morte e os que amam a vida, entre biófilos e necrófilos, e explica: “Literalmente,
“necrofilia” significa “amor aos mortos” (assim como “biofilia” significa “amor
à vida”). O termo é costumeiramente usado para designar uma perversão sexual,
qual seja o desejo de possuir o corpo morto (de uma mulher) para relações
sexuais, ou um desejo mórbido de estar na presença de um cadáver”.
Como
ilustração, encontramos em Slavoj Zizek (Como ler Lacan, p 124) um breve
comentário de que “voltou à tona recentemente em alguns círculos nos Estados
Unidos: “repensar-se os direitos dos necrófilos”. Neste sentido, “foi lançada
a ideia de que, assim como pessoas autorizam que seus órgãos sejam usados para
finalidades médicas no caso de sua morte súbita, deveria lhes ser permitido
também autorizar que seus corpos a necrófilos...”
Nas
descrições de Fromm: “a pessoa com orientação necrófila é atraída e fascinada
por tudo o que não é vivo, tudo o que
está morto: cadáveres, decomposição,
fezes, sujeira. Necrófilos são pessoas que gostam de falar de doença, de
enterros, de morte... São frios, distantes, devotos da lei e da ordem... Para
ele, a máxima realização do homem não é dar vida, porém destruí-la; o uso da
força não é uma ação transitória que lhe é imposta pelas circunstancias – é um
meio de vida... É impelida pelo desejo de transformar o orgânico em inorgânico,
de aproximar-se da vida mecanicamente, como se todas as pessoas vivas fossem
coisas. Todos os processos e sentimentos e pensamentos vivos são transformados
em coisas. Memória em vez de experiência; ter em vez de ser, é o que
interessa.”
Entre
os seres sexuados, só o humano, homem, estupra. E Contardo Calligaris, em sua
coluna na Folha de São Paulo, de 02/06/2016, procura resenhar motivos para tal
ato. Assim, ele aponta que “um caso, não muito frequente, é que o estuprador se
excite com uma fantasia necrofílica.” E seria “provavelmente um sonho de
controle sobre o corpo materno”. Contardo parte de uma cena americana em que
três amigas assistem um sujeito batizando a bebida da companheira para entrar na
cena do estupro do Rio de Janeiro, lançando a pergunta: “na cena do estupro do
Rio de Janeiro, onde está o gozo?” E após breve passagem pela psicologia
social, retorna à resposta freudiana: “o estupro não é um jeito de gozar de uma
mulher desejada, é um jeito de gozar", centrado na violência. E adverte: “A
resposta freudiana não é para principiantes: a crueldade e o sadismo são formas
invertidas de masoquismo. Ou seja, na hora de violentar, os caras se excitam
imaginando ser a menina que eles estão abusando. Eles se sentem muito machos
bem na hora em que sonham ser estuprados.”
De
fato, Freud não é para principiante. Não é também o único caminho de
interpretação.
Dissemos
que o humano não é natural, é tanto viabilidade para humanização (biofilia)
quanto para desumanização (necrofilia).
Dissemos também que nem todo ato sexual visa satisfação sexual. Acrescento
aqui uma observação de Christine Ramos: “Um discurso genérico não é um discurso
universal. Falando genericamente, não falamos de todos.”
Neste
sentido, penso que, associado ao caráter necrófilo que orienta o existir de
parcela considerável do humano, o estupro não é um crime sexual apenas; não
consiste na satisfação de um desejo sexual exacerbado ou pervertido ou oriundo
de uma psicopatia. O estupro não se orienta por uma energia libidinal, ele é
resultado de uma construção conceitual da mulher e não de desejos. O que
orienta o estupro é a aversão sexista e ideológica à mulher. No estupro não há
gozo, há a demarcação de papeis: de quem faz como bem entende e de quem deve
sujeitar-se a qualquer papel, até mesmo o de ser humilhada. O estupro desumaniza.
De base misógina, então, o estupro não tem nada que ter com desejo, mas com um
discurso sobre a mulher e seu papel social. Em extremo, o estupro é um ato
bélico de caráter higienista. O pênis não é falus, é arma de assediamento.
Para
finalizar, a certa altura Gianni Vattimo (Addio alla Verità) diz que “nem todos
os metafísicos foram violentos, mas diria que quase todos os violentos de
grande dimensão foram metafísicos”. Isto para dizer que a dimensão da cena de
estupro no Rio de Janeiro trouxe à ordem dos debates a questão da Cultura do
estupro, que o que ocorreu não foi uma orgia sadeana. Foi uma hedionda
manifestação de nosso machismo patriarcal. O fato, no entanto, de existir uma
Cultura do Estupro, não torna todo homem um estuprador.
MICHELZINHO E O GAROTO DE DEZ ANOS
Qual a diferença entre Michelzinho e o garoto morto pela PM em São Paulo? Michelzinho encobre, sem saber, e espero que não seja condenado por isso, os roubos do pai. O garoto morto em São Paulo escacara a falência dos sistemas de proteção a infância e a juventude em áreas de vulnerabilidade. Quem tem que ser preso, julgado e condenado é quem colocou a arma na mão do menino de 10 anos, cujo nome nem aparece no noticiário, não ele. Do mesmo modo, espero que Michelzinho continue estudando e brincando e venha a ser um adulto respeitável, porque quem tem que ser condenado por ele ter dois milhões em imóveis é o Pai, não ele. Miritocratas e justiceiros não entendem que nossas crianças são objetos da criminalidade das favelas e dos podres poderes e não sujeitos. A única diferença entre estas duas crianças é o como elas perdem a infância, uma brutalmente, a outra maculada pela abjeta ação do pai.
Colho em Gianni Vattimo (Addio alla Verità) uma frase de Dostoeskij: "se devesse que escolher entre Jesus Cristo e a verdade, escolheria Jesus Cristo". Isto é para dizer que: se eu devesse que escolher entre o que dizem os grandes jornais, que jamais dizem a verdade, e a figura, não digo a pessoa, de Luiz Inácio Lula da Silva, eu escolho a figura de Luiz Inácio Lula da Silva.
quarta-feira, junho 01, 2016
TRABALHE! É GOLPE!
Dificilmente
leio o jornal, mas costumo todas as manhã, indo para a estação, correr os olhos
pelas noticias. Fico sabendo que Michel, de 7 anos, tem dois milhões em
imóveis. Não me dou ao caso, fico especulando o que eu faria com dois milhões. Talvez
não acordaria tão cedo, principalmente em dias de chuva e frio.
Já acomodado
no comboio da CPTM, acompanho dois senhores comentando:
“Você
viu, aquele que foi ministro na ditadura dizendo que o golpe é alucinação de
gente desesperada? Era um que dizia que o bolo tinha que crescer para depois
dividir!”
Uma
senhora de voz arrastada e cansada pediu licença na conversa e deitou a
palavra:
“Disse
o tal lá no poder, aquele de sorriso falso, sem personalidade: “Não pense em crise:
trabalhe!” É, eu trabalho. É dos doze anos que trabalho, já vivenciei muitas
crises. A conta sempre bateu em nosso lombo. Sempre!... Sempre ouvi falar deste
bolo, que não chega cá pra nós nunca. Aos setenta ainda trabalho. Mas esse
bosta assediado lá em Brasília, lá onde se roubam nossos sonhos de uma casinha
e aposentadoria dignas, ousa dizer-me “não pense: Trabalhe!” De uma pessoa
dessa, que pensa sermos pateta, não se pode ter respeito não. Pudesse eu lhe
diria, olhando em sua fuça: “Embusteiro de uma figa, serviçal dos podres
poderes que nos espezinha, o senhor que se dê o trabalho: pede licença e vá se
defecar na casa do caralho - desculpe o palavreado”, tossiu a senhorinha
envergonhada!
Olhei
ao redor, poucos davam atenção. Eu voltei a pensar nos dois milhões do pequeno
Michel. Não pensava mais no que faria se os tivesse. Conclui serem fatia de bolo-sonho
roubado àquela senhorinha. Seu palavreado estava desculpado. Eu mantenho minha
alucinação: É GOLPE!!
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