Para Antonio
Fernandes
Quando deixei a
casa de meu pai para estudar no exterior ele me abençoou e disse-me: "o caráter
de um homem está antes de seu
saber.”
“Eu sou é pra ser o meu querer”, dizia pai
para vô. E pai partiu, deixando mãe, prometendo mandar buscá-la. Pai tinha
sonho de vida melhor, de vida digna. “Na roça a vida é só trabalho. Só temos
valia se sustentamos enxada”. Vô abençoou pai e o recordou: “Muito trabalho e
pouca moeda é ruína no corpo; mas muita moeda e pouco trabalho, a alma adoece”.
“O meu querer, meu pai”, explicava pai, respondendo vô, “é dignidade e respeito,
é criar os filhos no temor de Deus”. E pai seguiu por sua aventura...
Os
meses passaram, um dia chegou carta que Nequinha de dona Sebastiana nos leu.
Pai dizia estar empregado e estar guardando trocados parar comprar um pedaço de
terra; logo vinha buscar mãe e todos. Dizia que, no anoitecer, aprendia as
letras e a fazer calculo, e, nos sábados, aprendia profissão de pedreiro. Dizia
que mãe preparasse tudo, que vô acertasse o que tinha que acertar com
Coronel...
Era
madrugadinha, o galo ensaiava seu canto, mãe nos despertou: pai era estacado,
de braços abertos, sorriso solto, brilho nos olhos, cheio de saudades, no
centro da cozinha. Vó fez festa, fez café, cortou rapadura, queijo, assou broa.
Pro almoço matou galinha e mandou buscar na venda cachaça. Vieram os tios, os
primos e teve moda de viola... Pai falou da dureza da cidade, que “consome os
homens e os embrutecem”, que era preciso brio, firmeza no caráter, coragem pro
trabalho. “A cidade é como burro xucro, que não se deixa montar sem esforço”. E
pai dizia que na cidade era preciso estudo: “sem estudo, a cidade é selvagem, é
preciso estudo, saber as letras, ter profissão, então se aprende a dominar a
cidade.” E dizia que mãe, os filhos, aprenderia as letras: “Dominar as letras
clarifica nosso entender, alimenta nosso querer...” Os tios se animavam com
pai... Vô orgulhava de pai e concluía que pai colocava seus sonhos no prumo
justo. Vó era contentamento...
Partimos
num fim de tarde. Eu, seguindo recomendação de Vô: “Que tu sejas para ter, que
não tenhas para ser”, ia acompanhando sonhos de pai, ia produzindo meu querer
ser. Vó nos abençoava...
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