sábado, julho 23, 2016

O ARTISTA EM TEMPOS SOMBRIOS


Para VI MOSTRA DE ARTES CÊNICAS OPERETA¹

Há algum tempo vimos assistindo a um processo de desqualificação de nossas instituições. No combate à corrupção colocamos sobre suspeita todos e tudo. E para onde olhamos, queremos indicar responsabilidades. Também o artista é chamado a se explicar e assumir posição, tanto mais quando, para produzir sua arte, conta com financiamento público. E diante dos impasses quanto a nosso futuro enquanto nação que ainda não se firmou democraticamente, surge-nos um questionamento: qual o papel do artista nas demandas políticas que determinam seu ser-existir? Como o arista articula sua dança, sua música, sua poesia, seu teatro, seu canto aos ditames das decisões políticas? Ainda mais quando tais decisões comprometem o futuro, pois o anunciam menos, num Estado restrito e restritivo entregue às leis do jogo econômico?
A arte não é pura fruição, não é puro alheamento ou gratuita alienação. É articulação com o mundo humano, o mando e desmandos em que se embatem sensações, sentimentos, concepções de mundo e de pessoas com suas mentalidades, seus conhecimentos e suas ilusões e ou enganos.
O artista não é profeta, não é oráculo, não é sacerdote, não é o guardião de um mistério, não é um bufão a alegrar a corte. É um produtor-questionador de sentidos, de significações. Ele não explica, não anuncia, não evidencia. A força e a originalidade de sua arte é nos remeter ao estranhamento à nossa existência humana. Ele, com sua criação, rompe com o cotidiano, com o mesmo, com o rotineiro, nos remete à realidade que presente ante nós, não chegamos a perceber. O artista interrompe o passo apressado do transeunte, desvia-lhe o olhar, aponta para algo que lhe concerne e que lhe passa despercebido. O artista liga a pessoa à sua realidade, provocando-a, colocando-a em questionamento. E o artista, cômico ou trágico, concreto ou abstrato, realista ou romântico  é necessariamente político, pois o seu provocar se dá na arena, diante de um público: seu provocar é um incitar.
Onde não há convite a pensar, a buscar compreender, não há arte. Pois, mesmo lá onde se diz haver pura espontaneidade, esta se torna arte, porque nos incomoda, nos provoca, requer-nos uma resposta. Em tempos em que tudo esta preste a ser entregue à fúria dos insensatos, à arrogância dos opulentos de posses, mas vazios de sentidos, e à falta de bom senso daqueles que nos pretendem administrar, o artista é convocado a nos provocar, tirar-nos de nosso cômodo, exigir-nos posicionamentos. O artista não nos decide a sorte, mas pode nos ajudar a assumir nossa responsabilidade no mundo que produzimos, mesmo quando não o fruímos.

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