Como
os humanos temem suas trevas!
Como
temeis em vós a criatura!
Hilda
Hilst
Às
vozes antecedem perfumes, aromas, cheiros. As visões se fazem acompanhar de
sons. As vozes me acompanham desde a infância e me acostumei a elas. Às visões
não. Elas começaram há alguns anos. Se umas são companheiras insidiosas, outras
são enganosas, desestabilizam-me.
Era
uma tarde de domingo, eu lia na biblioteca versos da Hilst. O aroma de café,
vindo da copa, misturava-se a um delicado perfume de rosas de l‘acqua di fiore.
Pensava certamente em M..., que eu flertava com reserva e pudor, por tratar-se
de uma religiosa.
Não
demorou, ela sussurrou-me: “está no escritório, na mesa do monsenhor.
Aproveita, estão todos dormindo! Coragem!”. Referia-se à chave da adega.
Lembrei-a da tentativa frustrada de observar o banho de irmã Alline. “Podíamos
tentar novamente, quem sabe ela não repouse nua? Podíamos ir expiar!...”,
disse-me. “Eu já toquei seu corpo nu”,
respondi ofegando. “Sim! É verdade! Mas o prazer está no risco, na
expectativa-receio de ser denunciado... O prazer não está na conquista que o
desvanece. Tudo dura enquanto não se conclui...”
Procurava
fixar a atenção nas paginas do livro, folheando-o mecanicamente, apegando-me a
um parágrafo qualquer: “Coragem, uma dose é o suficiente!” Passei a ler em voz
alta, já não seguia o que lia: “Um litro, leva pra sua cela. Não vão dar
conta...”, continuava o sussurro.
Abandonei o livro: “Não! Comprometi-me com
monsenhor, que beberia apenas durante as refeições, e um cálice apenas.”... Um
ruído se fez, desviei o olhar para sua direção, a estante tombava esparramando
livros para todos os lados, rumores de guizos e de metal sendo limado, malhado,
serrado se misturavam. Receei que o barulho que se seguiu despertasse as irmãs,
que já deveriam, na verdade, estarem despertas para o rosário e as Vésperas. Um
espectro assomou-se à minha frente: Luizha.
Por
um instante tudo se silenciou, mesmo o pulsar de meu coração. Chamas tomaram
conta de toda a biblioteca, entre rumores e gritos lancinantes. Gritei por
ajuda o quanto pude...
Acordei na enfermaria. Tinham me sedado. Das
vozes fiz-me companheiro. As visões me atemorizam.
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