domingo, julho 31, 2016

PAI


Para Antonio Fernandes
Quando deixei a casa de meu pai para estudar no exterior ele me abençoou e disse-me: "o caráter de um homem está antes de seu saber.”




 “Eu sou é pra ser o meu querer”, dizia pai para vô. E pai partiu, deixando mãe, prometendo mandar buscá-la. Pai tinha sonho de vida melhor, de vida digna. “Na roça a vida é só trabalho. Só temos valia se sustentamos enxada”. Vô abençoou pai e o recordou: “Muito trabalho e pouca moeda é ruína no corpo; mas muita moeda e pouco trabalho, a alma adoece”. “O meu querer, meu pai”, explicava pai, respondendo vô, “é dignidade e respeito, é criar os filhos no temor de Deus”. E pai seguiu por sua aventura...
Os meses passaram, um dia chegou carta que Nequinha de dona Sebastiana nos leu. Pai dizia estar empregado e estar guardando trocados parar comprar um pedaço de terra; logo vinha buscar mãe e todos. Dizia que, no anoitecer, aprendia as letras e a fazer calculo, e, nos sábados, aprendia profissão de pedreiro. Dizia que mãe preparasse tudo, que vô acertasse o que tinha que acertar com Coronel...
Era madrugadinha, o galo ensaiava seu canto, mãe nos despertou: pai era estacado, de braços abertos, sorriso solto, brilho nos olhos, cheio de saudades, no centro da cozinha. Vó fez festa, fez café, cortou rapadura, queijo, assou broa. Pro almoço matou galinha e mandou buscar na venda cachaça. Vieram os tios, os primos e teve moda de viola... Pai falou da dureza da cidade, que “consome os homens e os embrutecem”, que era preciso brio, firmeza no caráter, coragem pro trabalho. “A cidade é como burro xucro, que não se deixa montar sem esforço”. E pai dizia que na cidade era preciso estudo: “sem estudo, a cidade é selvagem, é preciso estudo, saber as letras, ter profissão, então se aprende a dominar a cidade.” E dizia que mãe, os filhos, aprenderia as letras: “Dominar as letras clarifica nosso entender, alimenta nosso querer...” Os tios se animavam com pai... Vô orgulhava de pai e concluía que pai colocava seus sonhos no prumo justo. Vó era contentamento...
Partimos num fim de tarde. Eu, seguindo recomendação de Vô: “Que tu sejas para ter, que não tenhas para ser”, ia acompanhando sonhos de pai, ia produzindo meu querer ser. Vó nos abençoava...

sábado, julho 30, 2016

SALUSTIÃO


 “Lacan dizia que as doenças mentais nem são doença nem são mentais: é sintoma.” Christian Dunker

 Ouvi, certa manhã, mãe ralhar com Murilo. Ele beirava os quinze dezesseis anos. Mãe soube, por Antuérpia, por inveja desta, que ele andava expiando o banho de sol da vizinha. “Eu te arrancos os olhos! Te arranco os olhos...”, dizia-lhe mãe, severa. Sempre tive medo de perder os olhos. Lembro-me a desagradável impressão que causou-me o Velho Salustião o dia que, para lavar o rosto tirou o inseparável óculos escuro. Os dois vazios em sua fronte agoniaram-me. Acordei no meio da noite, o colchão molhado... Era tremendo de receios, mas com uma incapacidade indescritível de resistir, que me arrastava à fresta do banheiro, quando mãe, ou Antuérpia, nele se ocupavam.

Eu cheguei aos 11 anos. Mãe fez festa. Vieram os tios e as tias, os primos todos. Pai matou capado e providenciou bebidas. Tio Ozório presenteou-me um binóculo. Tio Ozório era um homem sacado: “neste abandono de Deus deve ter alguma ‘periquita’ que mereça ser apreciada”, dizia zombeteiro.  Foi tio Ozório partir, mãe confiscou-me o instrumento: “Para que não te cegues, meu anjo!” Murilo partiu com Tia Fausta para continuar os estudos na cidade.

... Foi sonho ou delírio. Despertei no meio da noite, garganta seca, bexiga a ponto de romper. Corri ao urinol. Aliviado, ia ao filtro. Percebi gemidos. Vinham do quarto de pai... “Vem! Assim..., vem...!”  Não era sofrimento, não sabia o que era... “Isso... Assim... Vem... Vemmm... Me coma! Isso, Me coma... Me coma...” Arrastei os olhos à fechadura da porta... Odiei mãe, o brilho em seus olhos, seu sorriso. Desejei pai morto... Foi apenas um sonho. Talvez delírio

Tornei-me inquieto, agressivo, desrespeitoso. Passei a não enxergar.  Acordo sempre no meio da noite: mãe doando-me os olhos de pai. Eu, sob o regaço de mãe, saboreio-os. Vejo-me Salustião no olhar de mãe! Acordo premido, angustiado...

“É só um pesadelo meu anjo! Um pesadelo! Logo, o médico disse, você volta a enxergar!” O brilho nos olhos de mãe, seu sorriso, um delírio que não me abandona. Eu me condeno... 

sexta-feira, julho 29, 2016

CAMMINO D'INCONTRO AI TUOI OCCHI


Per AnnaMaria Rosa

È solo un momento che sa di noioso
la fiamma è spenta,
non c'è più musica
solo Il silenzio disturbante
Resta soltanto rinunciare a vivere

Ma ancora um filo di speranza dentro me
Si sveglia di una piccola emozione che ho
Pensando a te

Allora la notte ha il tuo profumo
il cielo e' sereno
e tu corri nel vento
Si è illusione o no
Cammino d’incontro ai tuoi occhi
Per dare a tutto un senso molto piu' profondo
Il senso del tuo bacio sull’ anima mia


segunda-feira, julho 25, 2016

EU SOU A FAVOR DE UMA ESCOLA SEM PARTIDO

Eu sei que por trás do debate a cerca da “Escola sem partido” existe o combate a um partido específico, o que caracteriza o idiotismo dos propugnadores e defensores de tal projeto. Não obstante, peço licença para expor meu posicionamento.

Eu nunca nutri simpatia à escola. Pelo contrário, sempre nutri demasiado desconforto em suas dependências. Como aluno, a recordação mais remota que tenho de meus tempos escolares é da régua de alfaiate de Dona Marta e dos gritos assustadores e humilhantes de Dona Zineide. No colégio e no ginásio, não se podia falar, a não ser quando solicitado pelo professor; não se podia sair do lugar; era preciso copiar, copiar, copiar infindáveis lousas de lição e depois decorar tudo para temíveis exames. Depois, já como professor, via-me sempre como um reprodutor de conceitos pouco dominados, tentando inculcar nos alunos conhecimento totalmente desconectados de seus interesses, suscitando e respondendo, ano a ano, as mesmas questões de surrados livros didáticos.

Reconheço, como Tolstoi, a necessidade da educação e que ela “é sentida por todos os homens. As pessoas adoram aprender, amam a educação e a buscam, da mesma forma que amam e buscam o ar que respiram”. Mas, faço minhas as observações do mestre russo: “A escola não apenas consegue inculcar nos alunos a aversão para com a educação, ela também os induz a praticar a hipocrisia e a trapaça... Ela fica eternamente respondendo às mesmas questões – questões que não são levantadas pela mente das crianças.”

Também José Angelo Gaiarsa procura demonstrar a ambivalência entre o valor que damos à educação e sua execução escolar. Para ele “Educar tem pouco a ver com discurso, sermão e palavras” e, numa escola ideal, “metade do tempo seria dedicado ao movimento, à criação, à fantasia, ao brinquedo, ao teatro, à música, à cantoria etc. Trinta por cento, recreio apenas, e a fundamentação desses 30% é surpreendente – pela omissão! Jamais a escola cuida explicitamente da socialização. Está suposto que as crianças acabarão convivendo, mas ninguém discute a qualidade desse convívio, que é péssima...”

Entre o modelo escolar criticado por Tolstoi e o modelo ensejado por Gaiarsa, o mundo mudou, convulsionou-se, e estamos num vácuo de rumos. Esperamos da escola o que não lhe compete.

Segundo Umberto Galimberti, “Platão pensava que a política fosse uma basileké tekne (rainha das artes ou técnicas). Segundo ele, enquanto as outras técnicas sabem fazer as coisas, a política sabe o porque e se se deve ou não fazer as coisas. A política, então,  era o lugar da decisão. Hoje assistimos que a política não é mais o lugar da decisão. Hoje, vivemos a subordinação da política à economia. Para tomar decisão a politica mira a economia. A direção que a politica assume se decide lá onde se faz calculos econômicos. A democracia acabou, porque a politica não mais decide, deve apenas executar as determinações econômicas...”

Galimberti nota, ainda, que “Kant nutria a esperança de que o homem fosse tratado como um fim, mas, num mundo em que tudo é mercadoria e o valor se mede pela utilidade,  o homem é, como tudo o mais, meio, é consumível e descartável quanto qualquer outra mercadoria.”

Nesta perspectiva, a sociedade atual, de consumidores consumíveis, a escola esta direcionada aos interesses econômicos, a partir de um ponto de vista estritamente utilitarista. E, não obstante nosso discurso por um outro modelo de escola, que respeite a individualidade, a diversidade, os sentimentos, os saberes de nossos alunos-filhos, o ritmo próprio de seu desenvolvimento autônomo, procuramos impor-lhes valores e um modelo de sociedade que se esgarça e de suas fissuras a intolerância, o ódio, o autoritarismo vão se impondo e instalando incertezas e medo generalizado. E “ordem e disciplina triunfam quando a sociedade tem medo” (Umberto Galimberti).

Contra nossos temores estamos a exigir uma escola centrada apenas no aprendizado mecânico, formal, reacionário. A escola, espaço do acesso ao conhecimento,  se torna o espaço do controle social pela restrição e retaliação.

Contra minhas resistências afetivas à escola, eu espero que ela assuma uma perspectiva menos arbitrária e formalista. Espero que, centrada no conhecimento, na sua transmissão e reelaboração, ela desperte para a autonomia do pensamento. Uma sociedade incapaz de incentivar o pensamento autônomo é uma sociedade fadada a ingerência externa ou ao desmando de governos ilegítimos, que governam ou com a força das armas ou com a compra das lideranças políticas e de negociatas econômicas.

Um partido é sempre um espaço de interesses políticos específicos visando a administração do poder. Na escola não cabem interesses específicos. Enquanto espaço de formação e não de poder, ela precisa considerar a diversidade e a pluralidade como eixos da sociabilidade. Num partido é possível impor um rumo programático. Da escola se espera pessoas capazes de ponderar concepções políticas e ideológicas de todos os matizes e preparar seu alunado para assumirem a responsabilidade por escolhas que não dizem respeito apenas a si, mas à coletividade.

Por isso, eu sou favorável a uma escola sem partido, que, necessariamente vinculada às determinações políticas, não sobre ingerência política, em que o conhecimento não seja controlado por setores específicos da sociedade, mas mediado pela inter-relação e pela reflexão-ação, reelaborando os saberes propositivamente.

Democrática e universal, eu espero que a escola seja celeiro de embates que conduza o sujeito de uma sujeição inicial ao conhecimento ao “papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo...”, em que sua ação sócio-política prima pela liberdade, pela justiça, pela solidariedade. Eu penso que o espaço escolar não é um espaço de doutrinação. Também não é espaço de formação de opinião. É um espaço de autonomização: capacidade de pensar por si mesmo sem encerrar-se, ensimesmar-se, mas abrir-se e pôr-se fronte a fronte, olho no olho, e produzir novos saberes com o outro.

É neste sentido que defendo uma escola sem partido, mas profundamente política. Porque somos, não apenas, profundamente políticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GAIARSA, José Angelo. Sobre uma Escola para o Novo Homem. São Paulo:Gente. 1995



TOLSTOI, Leo. "Sobre Educação Popular", em Artigos Pedagógicos, 1862, traduzido do Russo para o Inglês por Leo Wiener (Dana Estes & Co., Boston, 1904), passagens retiradas das pp. 7-18 (ênfases acrescentadas). Citado apud Daniel Greenberg, Announcing a New School: A Personal Account of the Beginnings of the Sudbury Valley School (The Sudbury Valley School Press, Framingham, MA, 1973, p. 175)

domingo, julho 24, 2016

Όνειρο


 .. ... Meio da noite, a porta abriu-se sorrateira. Ela apareceu-me como flor em botão, mas eu sabia ser uma jovem por quem nutria certo interesse. Quis consultar as horas. Não achei o despertador. Talvez estivesse caído embaixo da cama. Às vezes acontecia. Fechei os olhos, tentei retomar o sono. Uma canção de Marvin Gaye preencheu o ar enquanto ela desnudava-se ao seu ritmo. Arremessava suas peças intimas sobre mim que, imóvel, procurava despertar...  Toda nua, abriu a janela do quarto, e uma brisa fria o invadiu. Aproximou-se de mim.
Ardendo em minha cama, eu evitava olhar para seu corpo, mas o olhar é dono de si... “Eu adoro sexo oral e você?”, disse-me, selando um beijo em meus lábios. Eu me queimava de volúpia, ao mesmo tempo, certa repugnância me imobilizava. Era-me apenas flor desabrochando. Eu sabia não poder colhê-la...
Como eu não me movesse ela subiu sobre mim, abrindo as pernas sobre meu rosto: “ser chupada me leva às nuvens e tu o fazes tão bem!”, falou-me com voz carregada de sensualidade... O seu cheiro era inebriante, estava prestes a ceder... O despertador me trouxe à realidade.
Tomei um banho, organizei meu material, tomei café. Preparava-me para sair: “Não vai à escola hoje não”, falou-me com voz carregada de chamego. Virei em direção ao quarto: “Eu não sabia que meu irmão transava tão bem”: Sorriu-me inebriante... Já não tinha mais certeza alguma... Talvez eu ainda durma e o despertar seja apenas sonho.



sábado, julho 23, 2016

O ARTISTA EM TEMPOS SOMBRIOS


Para VI MOSTRA DE ARTES CÊNICAS OPERETA¹

Há algum tempo vimos assistindo a um processo de desqualificação de nossas instituições. No combate à corrupção colocamos sobre suspeita todos e tudo. E para onde olhamos, queremos indicar responsabilidades. Também o artista é chamado a se explicar e assumir posição, tanto mais quando, para produzir sua arte, conta com financiamento público. E diante dos impasses quanto a nosso futuro enquanto nação que ainda não se firmou democraticamente, surge-nos um questionamento: qual o papel do artista nas demandas políticas que determinam seu ser-existir? Como o arista articula sua dança, sua música, sua poesia, seu teatro, seu canto aos ditames das decisões políticas? Ainda mais quando tais decisões comprometem o futuro, pois o anunciam menos, num Estado restrito e restritivo entregue às leis do jogo econômico?
A arte não é pura fruição, não é puro alheamento ou gratuita alienação. É articulação com o mundo humano, o mando e desmandos em que se embatem sensações, sentimentos, concepções de mundo e de pessoas com suas mentalidades, seus conhecimentos e suas ilusões e ou enganos.
O artista não é profeta, não é oráculo, não é sacerdote, não é o guardião de um mistério, não é um bufão a alegrar a corte. É um produtor-questionador de sentidos, de significações. Ele não explica, não anuncia, não evidencia. A força e a originalidade de sua arte é nos remeter ao estranhamento à nossa existência humana. Ele, com sua criação, rompe com o cotidiano, com o mesmo, com o rotineiro, nos remete à realidade que presente ante nós, não chegamos a perceber. O artista interrompe o passo apressado do transeunte, desvia-lhe o olhar, aponta para algo que lhe concerne e que lhe passa despercebido. O artista liga a pessoa à sua realidade, provocando-a, colocando-a em questionamento. E o artista, cômico ou trágico, concreto ou abstrato, realista ou romântico  é necessariamente político, pois o seu provocar se dá na arena, diante de um público: seu provocar é um incitar.
Onde não há convite a pensar, a buscar compreender, não há arte. Pois, mesmo lá onde se diz haver pura espontaneidade, esta se torna arte, porque nos incomoda, nos provoca, requer-nos uma resposta. Em tempos em que tudo esta preste a ser entregue à fúria dos insensatos, à arrogância dos opulentos de posses, mas vazios de sentidos, e à falta de bom senso daqueles que nos pretendem administrar, o artista é convocado a nos provocar, tirar-nos de nosso cômodo, exigir-nos posicionamentos. O artista não nos decide a sorte, mas pode nos ajudar a assumir nossa responsabilidade no mundo que produzimos, mesmo quando não o fruímos.

sexta-feira, julho 22, 2016

BHEATRIZ



“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” (Karl Marx, Os dezoito Brumário de Luis Bonaparte)

          Uma miragem nostálgica, uma remota lembrança aflorou-me num sorriso estrangeiro passando com a turba rumo ao palácio. Iam, punhos cerrados, palavras de ordem, desfilando cartazes e proferindo discursos. O brilho de seus olhos, a expressão indignada, mas confiante no rosto, as cores de sua causa vestindo sua juventude, o misto de marcha e dança de seus passos avançando contra o governo, tudo, num fugaz instante, imprimiu-me a impressão do passado visitando-me em uma tarde sem expectativa de futuro...
        Foi num remoto maio de 1968, marchávamos confiantes de que escrevíamos os rumos do mundo, que, dali em diante, inaugurávamos a humanidade e haveria, de então, apenas a liberdade a nos guiar. Mais adiante, a guarda nacional, os cães do atraso, da intolerância, os truculentos aguardava-nos. Confiávamos transpô-los: o desejo nos guiava febris. Houve o confronto: baionetas, tanques, granadas, gás... contra corpos armados apenas de cartazes, desejos e ilusões. Nos dispersamos, recuamos, saímos em fuga...
       Tirei os óculos, esfreguei os olhos, Bheatriz vinha em minha direção desorientada, abracei-a, e escapamos juntos. Encontramos um quarto de hotel, para restaurar-nos.
      Sozinha, no banheiro, fechada por uma cortina que lhe servia de porta, Bheatriz observava seu corpo, buscava as marcas do confronto, tocava os pontos de dores. Olhou-se em um pequeno espelho.  A maquilagem desmanchada em lágrimas dava-lhe um aspecto selvagem. Tinha a beleza de uma ingênua adolescência... Chegou mais perto do espelho, começou a despir-se. Tirou a calça jeans, a camiseta, o sutiã. Acariciou lentamente os seios, massageou os mamilos. Deslizou a mão pela barriga. Prendi minha atenção à sua sombra. Ela tirou a calcinha, afagou a diminuta pelugem pubiana ... Bheatriz ligou a ducha e entregou-se extenuada ao escorrer da água, aos poucos, relaxando, suas mãos escorria entre as pernas, tocando-se, afagando-se delicadamente, ritmadamente, freneticamente, com cada vez mais intensidade... Um caleidoscópio de sensações a assumia.  Não sentia meus olhos, como línguas, pousados à sombra de seu corpo...
        Acordamos, no meio da noite, sobressaltados. A porta pendida ao chão, homens fortemente armados nos rendiam ainda sonolentos... Meu nome de família rendeu-me castigos corporais, que resultou na perda da audição, e um exílio de trinta anos. Bheatriz, de menos nome, foi encontrada nua, cravejada oito vezes, numa vala. Noticiou-se suicídio...
        A multidão avançou rumo ao palácio. Em seu festivo apelo, o fugaz sorriso estrangeiro seguiu o cortejo (desejei-lhe melhor sorte)... O fantasma de Bheatriz sentou-se a meu lado. Tomamos cerveja, rememoramos nossas ilusões: “O velho Hegel falava dos grandes personagens, meu caro, dos grandes personagens...” Disse-me, beliscando salame e queijo. “Entre nós, a história poderia ser contada como arremedo, mimetismo, não do trágico, que já seria um ganho, mas da farsa...” Procuramos um quarto de hotel...


terça-feira, julho 19, 2016

PÁSSARO




Houve o canto de pássaro.

Era pássaro?

E, de onde pendia

entre molduras

uma das bailarinas

de Degas,

uma janela

entreabriu-se ...

Raios solares.

Entre as frestas

[e o canto pássaro],

Olympia,

mãe dos deuses,

suas ninfas banhando-a,

brincando jocosa.

Deu-se a razão,

Olympia não brinca

quando Zeus a engana.

Não era pássaro:

Chaleira pitando...  










domingo, julho 17, 2016

INSANOS ARTISTAS


A Associação Cultural Opereta está por completar 22 anos. Marco Antônio Senna pediu-me, recentemente, um texto sobre o papel do artista em tempos como o nosso. Escrevi sem o devido convencimento.  Novamente tento. Antes, aos amigos desta aventura sempre sendo: Parabéns!



Dizem que eu sou insano porque converso com fantasmas mentais e conduzo temerariamente minha insípida existência... Mas há pessoas que teimam em acreditar que educação, cultura, arte..., muda o mundo. E estas pessoas pintam o rosto, ora vestem roupas estranhas, chamam figurino, ora, em nome de seus sonhos-lutas, despem-se; tocam instrumentos e impostam a voz e os gestos em nome dessa crença: o humano está, como o anjo de Michelangelo, no coração das pessoas. Há pessoas que acreditam que seu mister é esculpir olhos adentro do expectador a vida como deveria ser: justa, equitativa, harmônica, integradora, plural. Que seu mister é revelar olhos adentro do expectador o que o preenche de sentido e o faz desejar ser mais e não o mesmo. Que seu mister é arrancar o riso do olhar triste, a sensibilidade do rancor, a esperança da dor. Que seu mister é denunciar no canto, na dança, na personificação do imaginário (que dizem ser personagens), na representação-resignificação do cotidiano, o desmando do mando autoritário, presunçoso, arrogante.  Há pessoas que insistem em acreditar que outro mundo, um mundo humano, é possível. Eu sou o insano. Elas artistas.




RECOMEÇAR




Para Ione Viana de Souza



Quando te conheci, não eras mãe.

Eu não era pai.

Quando te conheci eras colegial,

curtias Legião e Engenheiros.

Eu, na segunda graduação,

lia Sartre e São João da cruz.

Quando te conheci, ias à missa

Eu deixava de ser católico,

mas continuava a predicar a Palavra

Quando te conheci, querias viajar,

 estudar, conhecer o mundo.

Tinhas interesse por certas lutas políticas

Eu, sentado em meu jardim, lendo Borges,

não me interessava por revoluções.

Quando te conheci, me conquistastes

com teu sorriso.

E um certo brilho no olhar

Quando te conheci o tempo parou:

Foi-me um recomeçar


sábado, julho 16, 2016

VOZES




Como os humanos temem suas trevas!

Como temeis em vós a criatura!

Hilda Hilst



Às vozes antecedem perfumes, aromas, cheiros. As visões se fazem acompanhar de sons. As vozes me acompanham desde a infância e me acostumei a elas. Às visões não. Elas começaram há alguns anos. Se umas são companheiras insidiosas, outras são enganosas, desestabilizam-me.
Era uma tarde de domingo, eu lia na biblioteca versos da Hilst. O aroma de café, vindo da copa, misturava-se a um delicado perfume de rosas de l‘acqua di fiore. Pensava certamente em M..., que eu flertava com reserva e pudor, por tratar-se de uma religiosa. 
Não demorou, ela sussurrou-me: “está no escritório, na mesa do monsenhor. Aproveita, estão todos dormindo! Coragem!”. Referia-se à chave da adega. Lembrei-a da tentativa frustrada de observar o banho de irmã Alline. “Podíamos tentar novamente, quem sabe ela não repouse nua? Podíamos ir expiar!...”, disse-me.  “Eu já toquei seu corpo nu”, respondi ofegando. “Sim! É verdade! Mas o prazer está no risco, na expectativa-receio de ser denunciado... O prazer não está na conquista que o desvanece. Tudo dura enquanto não se conclui...” 
Procurava fixar a atenção nas paginas do livro, folheando-o mecanicamente, apegando-me a um parágrafo qualquer: “Coragem, uma dose é o suficiente!” Passei a ler em voz alta, já não seguia o que lia: “Um litro, leva pra sua cela. Não vão dar conta...”, continuava o sussurro.
 Abandonei o livro: “Não! Comprometi-me com monsenhor, que beberia apenas durante as refeições, e um cálice apenas.”... Um ruído se fez, desviei o olhar para sua direção, a estante tombava esparramando livros para todos os lados, rumores de guizos e de metal sendo limado, malhado, serrado se misturavam. Receei que o barulho que se seguiu despertasse as irmãs, que já deveriam, na verdade, estarem despertas para o rosário e as Vésperas. Um espectro assomou-se à minha frente: Luizha.
Por um instante tudo se silenciou, mesmo o pulsar de meu coração. Chamas tomaram conta de toda a biblioteca, entre rumores e gritos lancinantes. Gritei por ajuda o quanto pude...
 Acordei na enfermaria. Tinham me sedado. Das vozes fiz-me companheiro. As visões me atemorizam.


sábado, julho 09, 2016

FINDAR DO DIA

“Não fites com insistência uma beleza desconhecida.” Eclesiastes

              Ela quase surpreendeu-me o olhar com que eu a fantasiava.
Ela brincava nas águas tranquilas e tépidas da piscina menor, na qual descansava as águas de uma cascata artificial. Eu estava sentado sob o toldo próximo ao bar e tomava caipirinha de vodka. Curtia minha natural melancolia, com semblante de poucos amigos, avisando às pessoas ser de pouca conversa. 
Quando a vi, tal rosa abrindo-se ao sol, emergir de entre as águas da piscina, olhei ao redor, certificando-me da cumplicidade de outros olhares, mas o barman atendia um outro cavalheiro, acompanhado da senhora e interessado em uns petiscos que indicava ao barman. O bombeiro acompanhava o grupo de banhistas da piscina central, envolvidos num jogo aquático, proposto por um monitor. 
Um instante de satisfação e desejo de vida aflorou-me, lembrando-me que eu devia ser feliz. Olhos cerrados, ela sorria e movia suavemente os lábios, como a cantarolar a si uma canção. De gestos comedidos, suaves, graciosos, meneava a cabeça, os quadris. Tinha uma beleza sensual de adolescente consciência de si.
Eu a consumia com fantasias que se assomavam ao despertar de remotos desejos. Misturo-me à água da cachoeira de granito e cimento, e escorro-me por seu corpo, e a envolvo junto às águas tépidas da piscina.
Ela quase surpreendeu-me o gozo no olhar. Desviei o olhar para as pedras ao redor, procurava olhares cúmplices ao meu; todos se ocupavam de seus deleites. Respirei um respiro aliviado. A leve satisfação de um pecado aos poucos cedeu lugar a meu gosto de solidão.
Curti o findar do dia à memória daquele momento luminoso. 
Procurei me informar na recepção. Não havia hospede com a descrição que eu fazia.
O desejo produz seus objetos...   







...      

quarta-feira, julho 06, 2016

SOLIDÃO


Quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus. Aristóteles

A qualquer lugar que se vá, é bom que se vá sabendo onde se está indo, o que se espera encontrar. Principalmente quando se vai em busca de algo ou alguém. Talvez não encontre o que deseja, ou quem deseja, mas não se sentirá perdido, desanimado e, quem sabe, acabe por encontrar sentido no inesperado.
Sair a esmo, sem finalidade, sem saber o que se quer, sem estar em busca de nada: uma simples aventura que seja, é uma caminhada infrutífera, geralmente, deprimente. Por isso, antes de uma viagem a si mesmo, se pergunte: “Eu quero mesmo me encontrar? O que espero deste encontro?”
Esta história de que a solidão é um bom lugar para se estar só é verdade se lá estiver o que buscamos, caso contrário, a solidão é apenas uma janela aberta nos convidando para um salto, um delírio ébrio ou alucinógeno ao qual nos apegamos na crença de nos ter achado, um vazio imenso porque nunca nos construímos uma identidade...

Ir em busca de si mesmo sem um guia é como entrar numa floresta densa sem mapas, e a solidão uma clareira. Mas se nos falta recursos, uma clareira é o lugar em que estamos mais ameaçados... A solidão é confortável e esclarecedora apenas para quem sabe o porque nela se encontra. Sair em busca de si sem saber de si é como caminhar à forca. A solidão: um patíbulo.

domingo, julho 03, 2016

FOFOCAR OU NÃO: EIS A QUESTÃO?




Tento responder à provocação de uma amiga.



Eu não me recordo bem a história. Ocorreu, penso, nos tempos de Ambrosio, prefeito-bispo de Milão, em fins do século IV. Quem nos a contou foi tia, numa destas noites de muita fogueira, batata doce na brasa, pipoca, chá de erva cidreira e gengibre, quentão...

“Conta”, dizia tia, “que numas terras de nome Milão (cumpadre não é milhão não, é Milão, visse), havia um tipo dado a espalhar a vida alheia. De sua língua mordaz não escapava ninguém. O tipo, um dia caindo em si, foi confessar com o bispo Ambrósio. O sábio pastor analisou o caso e penitenciou o tipo. Ele devia despenar um frango e espalhar as penas pela cidade e depois voltar ao confessionário para receber o perdão das dívidas. Passado uns dias, o tipo apresentou-se novamente diante do bom sacerdote. Este, informado do feito, olhou com candura para o pobre sujeito e asseverou-lhe: “agora, para que completes a penitência, percorras a cidade recolhendo as penas que espalhastes e as restitua ao frango!” O tipo, desanimado, reagiu com certa lamúria: “o que me pedes? Sabeis que tal é impossível!” O bom homem de Deus abriu-lhe um sorriso: “Espero, meu caro, que tenhas compreendido o mal que fazes quando depenas as pessoas e as espalhas com tua língua!” Diz-se que daquele dia em diante o tipo guardou retidão”, concluiu tia.

Enquanto tia narrava a história, entre trejeitos e pausas que fazia, nós olhávamos uns pro outros e, cúmplices,  para Dona Zita. Nossas molecagens geralmente eram descobertas. E sempre desconfiamos que por trás tinha a figura de Dona Zita. Certa feita, as primas e as amigas combinaram com uns tipos encontrarem-se no lago. E saíram, sem mais, sem menos, como faziam sempre, para a escola. Não sabiam elas que vó e tia já as aguardavam no lago. Dona Zita foi praguejada meses seguidos. Fizeram até Judas da pobre mulher. Na época, não entendíamos que entre os adultos do vilarejo havia um pacto de cuidado compartilhado. Deixavam-nos até certo ponto libertos em nossas aventuras e traquinagens, mas tinha sempre alguém nos vigiando, comunicando uns aos outros, onde estávamos, o que fazíamos. Hoje esse pacto entre adultos, para permitir a sensação de liberdade necessária que a criança deve ter, para querer conquistar a liberdade de fato, parece-me impossível. Ao mesmo tempo em que vivemos sob o signo da vigilância total, vivemos também sob o signo da incomunicabilidade social. Confiamos nos equipamentos eletrônicos de vigilância, mas nos ressentimos facilmente com observações alheias. Não somos afeitos a intromissões em nossas vidas. Li, por exemplo, de recente, uma mãe procurou informar outra do comportamento estranho do filho e dos companheiros. E a mãe juntou-se ao filho (treze anos) e não apenas  mandou a outra para aquele lugar, como a agrediram fisicamente. Vó teria agradecido e colocado as barbas de molho: “aos outros digo que meus netos são santos, mas, bem sei que não há santo que não peque”, dizia para nós. Quando ela e tia tinham que nos deixar sozinhos, recomendavam: “Qualquer coisa, corram à casa de fulana ou sicrana, já conversei com ela.” Hoje eu entendo que existe um certo tipo de fofoca, que podemos dizer ‘protetiva’. Há coisas que câmeras não captam. Um olhar materno ou paterno atento, sim! E seria bom que pais e mães trocassem informações sobre os filhos que são santos, mas pecam.

Nós estamos sempre falando de alguém. “Onde encontrares dois sujeitos conversando, há um terceiro do qual falam”, dizia um amigo italiano. Quando chegava em algum lugar, ia logo perguntando: “De quem estamos falando?”

“Às vezes”, dizia ele, “as pessoas falam uma das outras, porque preocupam-se, querem-se bem, querem participar, sentirem-se parte da vida uns dos outros. Há momentos que somos centro da conversa por “lazer”. Falta assunto, falemos de X, Y, Z. E tudo termina em boas risadas..”

Mas, há a fofoca rasteira, maldosa, que visa nos prejudicar, obter alguma vantagem sobre nós. Isto se dá muito nas relações de trabalho quando a ambição por reconhecimento, a disputa por um posto, uma promoção etc. Geralmente são comentários depreciativos, falsos, que revelam o caráter mesquinho de quem a pratica. Se dá também nas disputas amorosas e também denuncia uma falta de caráter. Nesse tipo de conversa percebemos ambição, inveja, rancor, mesquinhez... Contra esse tipo de conversa vó nos recomendava manter distância: “Quem conversa com cobra de seu veneno recebe”, dizia. Assim, vó sempre nos recomendou prudência ao falar de alguém: “o que lançamos ao vento, o vento espalha. Mas o vento não tem direção, e o que espalhamos, pode nos retornar.”

Se ao fim de um bate-papo o que resistiu foi o riso e a camaradagem, “reforçamos os laços de amizade”, dizia meu amigo italiano. Se, ao contrário, o que ficou foi um clima desagradável, tenso, de desconfiança, “apenas fofocamos”, completava.

Eu, como escritor, estou sempre falando das pessoas. Evito a fofoca porém. É isto!


sábado, julho 02, 2016

CRISTOFOBIA




“Uma polêmica contra o cristianismo não é absolutamente uma luta contra aquilo que é cristão”. Heidegger



De autoria do vereador Eduardo Tuma (PSDB), a Câmara Municipal de São Paulo, em 8 de junho,  aprovou um projeto de lei que instituía o dia de combate a “Cristofobia” a ser celebrado em 25 de dezembro. Felizmente, o tal projeto foi vetado pelo prefeito Fernando Haddad. Segundo o proponente, o projeto pretendia “garantir a liberdade” dos cristãos, que estariam sofrendo “perseguições” ao criticar os homossexuais e as religiões de raízes africanas. Segundo o proponente, que distorce o sentido de ser cristão:  “Hoje, o cristão, principalmente o evangélico, tem suas ações tolhidas por algumas opiniões. Você tem uma minoria sendo tolhida de seus direitos, como liberdade de expressão e, até mesmo, às vezes, liberdade de culto”.

Cristo não disse que a vida dos que acolhessem seus ensinamentos seria fácil e recompensadora, nos Evangelhos não está prometido prosperidade para os que o seguem. Pelo contrário:

“Bem-aventurados sois, quando as pessoas vos odiarem, vos expulsarem do convívio delas, vos insultarem, e excluírem vosso nome, julgando-o execrável, por causa do Filho do homem.” Lc. 6,22

“sereis traídos até por pais, irmãos, parentes e amigos, e matarão alguns de vós.” Lc 21,16

“E, por causa do meu Nome, sereis odiados de todos.”  Mt. 10, 22

“Contudo, o mundo vos tratará mal por causa do meu Nome, pois eles não conhecem Aquele que me enviou.” Jo. 15, 21

Poderíamos contrapor a estas passagens os versículos de 28 a 30 do capitulo dez de Marcos:

E Pedro começou a dizer-lhe: Eis que nós tudo deixamos, e te seguimos. E Jesus, respondendo, disse: Em verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por amor de mim e do evangelho, que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, com perseguições; e no século futuro a vida eterna.

Esses que se dizem perseguidos e ameaçados, em nome de Cristo fundam suas práticas numa perspectiva de ganhos; defendem uma doutrina em que o acumulo de bens é bênção de Deus; que a adesão a Cristo faz aumentar sua riqueza material. Geralmente pastores e padres alinhados a tal teologia são também alinhados a um moralismo rigoroso e preconceituoso, de modo que não apenas condenam, mas chegam a justificar, quando não, motivar, ações homofóbicas, iconoclastas,  de perseguição aos cultos de raízes africanas, às garantias de direitos da mulher...

De tal modo, o que o nobre edil paulistano defende ser perseguição, é, a nosso ver, combate a uma teologia  distante dos ensinamento de Cristo que pede a distribuição dos bens: “vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me” (Lc. 18, 22); o acolhimento dos mais necessitados: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver.” (Mateus 25:35,36); a aceitação do próximo, que é aquele a quem “naturalmente” condenamos e repudiamos (parábola do bom samaritano Lc. 10, 25-37).  

Na ceia com os discípulos, em que Jesus deles se despede, ele diz-lhes: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também..., se compreenderdes essas coisas (capacidade de colocar-se a serviço, de acolher, de perdoar, de amar, de doar a vida...) sereis felizes, sob condição de as praticardes.” (Jo 13, 15).

É certo que certos pastores e padres preferem “E tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Qualquer coisa que me pedirdes em meu nome, vo-lo farei. (Jo 14,13-14), e fazem disso a armadilha para extorquir seus rebanhos.

Não existe uma perseguição a Cristo em nossa sociedade. Pelo contrário, Jesus é uma personalidade, embora de difícil compreensão, admirável, revolucionária, inquietante, provocativa. O que se condena é o oportunismo de um lado e a intolerância de outro de certos seguimentos ditos cristãos, mas totalmente distantes do projeto original de Cristo: "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância" (João 10,10). Todos, não alguns, sustentados pelos demais. Não perseguimos Cristo, combatemos esses alguns que se aproveitam de seus fiéis e os tornam moeda política e econômica nas tramas do poder. Finalizando, cabe aqui as palavras do Cristo contra escribas e fariseus: “Ai de vós padres e pastores hipócritas!” (Mt. 23, 13-15). Não perseguimos a Cristo, vos combatemos!