sexta-feira, setembro 24, 2021

TAÇA DE RUBRO INEBRIANTE

 

Dá-me mais vinho, porque a vida é nada (Fernando Pessoa)

 

Para Camila Viana de Souza

 

As coisas se deram assim: era um sábado primaveril, eu era na praça de alimentação do Shopping e degusta uma massa ao molho pesto e saboreava um Sauvignon Blanc, de safra chilena. Eu era perdido em divagações sobre o filme que acabara de assistir: Una giornata particolare, de Ettore Scola, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Por algum motivo, um burburinho de discussão atraiu-me. Era coisa de ciúmes, o rapaz, parece-me, havia espichado o olhar para uma outra que não a sua companheira. “Me permite?”, chegou-me uma voz educada, tirando-me o interesse pela confusão que já se ia formando. Voltei-me para a voz que me invocava. Ela queria saber se podia ocupar o assento de frente para mim. Ao voltar-me para a voz, dei-me com um oásis, para não dizer o paraíso. Um ser divino, num vestido vermelho bordô, acompanhando o tom dos lábios que me sorriam, e esperavam meu acanhado assentimento. Durante uma eternidade imperou um silêncio conturbado que coube a ela quebrar: “saúde!”, disse-me erguendo com uma sutil inclinação em minha direção o seu Bordeaux. Repeti o gesto com o meu Sauvignon Blanc. Outro silêncio imperou, e, novamente, partiu de seus lábios: “o que você brindaria hoje?”, a iniciativa de quebrar o gelo. A mim coube a expressão de estranhamento e um “O que?”, apalermado.   “Quando se bebe vinho acompanhado, se brinda: eu brindo muitas coisas e você?” “A boa companhia!”, saiu-me acanhado, receoso de que eu falava com uma miragem. Ela sorriu-me seu sorriso bordo, seus olhos grandes, amendoados também sorriam-me. Aos poucos fomos entabulando uma conversa entorno da bebida que nos aproximava. Eu mais fiquei sabendo, que pude informar, dada minha ignorância. Assim, dela fiquei sabendo que o ritual de brindar nasceu na Grécia. “Para garantir aos convivas que o vinho não estava envenenado, os gregos costumavam compartilhar a mesma taça. O anfitrião tomava do vinho e depois erguia a taça ao convidado. Isto se dava, principalmente, entre os reis. Com o tempo blindar se tornou um símbolo de confiança e amizade.” Outra coisa que fiquei sabendo e que “Simpósio em grego significa beber juntos. E entre os gregos um estilo de vida, a forma máxima de prazer reunindo vinho, mulher e música. Aprendi, por fim, das propriedades afrodisíacas do vinho. A mim coube, mergulhando em sua taça de rubro inebriante,  dar-lhe versos de Florbela Espanca:

“[...]

Embriagou-me o teu beijo como um vinho

Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...

E a minha cabeleira desatada

Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

[...]

Tens sido vida fora o meu desejo

E agora, que te falo, que te vejo,

Não sei se te encontrei... se te perdi...”

 

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