Dá-me mais vinho, porque a vida é nada (Fernando Pessoa)
Para
Camila Viana de Souza
As
coisas se deram assim: era um sábado primaveril, eu era na praça de alimentação
do Shopping e degusta uma massa ao molho pesto e saboreava um Sauvignon Blanc,
de safra chilena. Eu era perdido em divagações sobre o filme que acabara de
assistir: Una giornata particolare,
de Ettore Scola, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Por algum motivo, um
burburinho de discussão atraiu-me. Era coisa de ciúmes, o rapaz, parece-me,
havia espichado o olhar para uma outra que não a sua companheira. “Me permite?”,
chegou-me uma voz educada, tirando-me o interesse pela confusão que já se ia
formando. Voltei-me para a voz que me invocava. Ela queria saber se podia ocupar
o assento de frente para mim. Ao voltar-me para a voz, dei-me com um oásis,
para não dizer o paraíso. Um ser divino, num vestido vermelho bordô,
acompanhando o tom dos lábios que me sorriam, e esperavam meu acanhado assentimento.
Durante uma eternidade imperou um silêncio conturbado que coube a ela quebrar: “saúde!”,
disse-me erguendo com uma sutil inclinação em minha direção o seu Bordeaux.
Repeti o gesto com o meu Sauvignon Blanc. Outro silêncio imperou, e, novamente,
partiu de seus lábios: “o que você brindaria hoje?”, a iniciativa de quebrar o
gelo. A mim coube a expressão de estranhamento e um “O que?”, apalermado. “Quando
se bebe vinho acompanhado, se brinda: eu brindo muitas coisas e você?” “A boa
companhia!”, saiu-me acanhado, receoso de que eu falava com uma miragem. Ela
sorriu-me seu sorriso bordo, seus olhos grandes, amendoados também sorriam-me.
Aos poucos fomos entabulando uma conversa entorno da bebida que nos aproximava.
Eu mais fiquei sabendo, que pude informar, dada minha ignorância. Assim, dela
fiquei sabendo que o ritual de brindar nasceu na Grécia. “Para garantir aos
convivas que o vinho não estava envenenado, os gregos costumavam compartilhar a
mesma taça. O anfitrião tomava do vinho e depois erguia a taça ao convidado. Isto
se dava, principalmente, entre os reis. Com o tempo blindar se tornou um
símbolo de confiança e amizade.” Outra coisa que fiquei sabendo e que “Simpósio
em grego significa beber juntos. E entre os gregos um estilo de vida, a forma
máxima de prazer reunindo vinho, mulher e música. Aprendi, por fim, das
propriedades afrodisíacas do vinho. A mim coube, mergulhando em sua taça de
rubro inebriante, dar-lhe versos de Florbela
Espanca:
“[...]
Embriagou-me
o teu beijo como um vinho
Fulvo
de Espanha, em taça cinzelada...
E a
minha cabeleira desatada
Pôs
a teus pés a sombra dum caminho...
[...]
Tens
sido vida fora o meu desejo
E
agora, que te falo, que te vejo,
Não
sei se te encontrei... se te perdi...”
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