terça-feira, setembro 21, 2021

PALESTRA DE INTRODUÇÃO AO IÍDICHE

 

Uma promessa bíblica diz que seremos como a areia na praia e as estrelas no céu. Bem, pisados como a areia nós já somos, quando é que começa a parte das estrelas?  (Franz Kafka)

 

A epigrafe que abre este texto recolho de Palestra de introdução ao iídiche, de Franz Kafka, na tradução de Tomaz Amorim Izabel, que vai se firmando um dos principais interpretes de Kafka no Brasil.

O texto de Kafka foi lido por ele em 18 de fevereiro de 1932, preparando um público de judeus de Praga à apresentação de três poemas em iídiche por seu amigo Isaac Löwy. Explica Amorim Izabel que “a introdução deveria servir para quebrar o gelo com um público de judeus assimilados, que tinha uma postura um pouco desconfiada (ou "arrogante", como diz Kafka na palestra) com o dialeto iídiche considerado ainda rural.”

Para os poucos acostumados com Kafka, seus escritos são geralmente inquietantes, colocando em evidência os paradoxos da condição humana.  Utilizando-se, com maestria, de imagens de animais e objetos antropomorfizados, Kafka promove profundas críticas aos processos de banalização da existência humana que reduzem o ser humano à burocrática conformidade à luta pela sobrevivência.  Assim, perspicaz observador das situações que embrutecem as pessoas em um mundo que naturaliza as práticas desumanas, os textos kafkiano conseguem provocar desconforto ao desvelar aspectos de nossa gênese social e de nossa subjetividade e que podem nos conduzir ao aniquilamento. Para Günther Anders (Kafka: Pró e Contra), em Kafka, o inquietante não é o espantoso das situações de absurdidade, mas as pessoas não se espantarem, de as pessoas “normalizarem”, para usar um termo do qual temos abusado, situações e fatos que deveriam nos perturbar. Em um outro trabalho (Odradek, quimera incapturável), explica Amorim Izabel que: “acostumado a encontrar nas histórias uma solução ou uma pista para o estranho, em Kafka [o leitor] é forçado a aceitar o estranho ou aplicar por contra própria, sem apoio do texto, uma interpretação simbólica ou alegórica.

Em Palestra de introdução ao iídiche, menos emblemático, Kafka procura desarmar o público da imagem bastante pejorativa que marcava o iídiche entre os judeus assimilados. Para estes o iídiche não seria verdadeiramente uma língua, mas um conjunto de “jargões” sem regras, característico do gueto. Para Kafka, no entanto, o contato com iídiche, a partir da amizade com Isaac Löwy e sua trupe itinerante de teatro, representará a descoberta de uma cultura, de uma literatura, de ideal que exprime o tipo de judaísmo que lhe aprazia.

Segundo Tomaz Amorin Izabel, "a revista judaica "Selbstwehr" descreveu a introdução de Kafka como "elegante e charmosa", conduzindo os presentes a uma audição mais generosa e com menos medo do "jargão".”

Sob a pergunta sob quando começa as estrelas, a resposta não vamos encontrar em Kafka. Eu arrisco a dizer que elas não existem. É o peso das botas que nos pisam que nos fazem acreditar que possa existir um céu de estrelas. Existissem, o provável seria desabem sob nós.

 

Franz Kafka. Palestra de introdução ao iídiche. tradução Tomaz Amorim Izabel. - 1ed. São Joao de Meriti, Rj: Desalinho, 2021.

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