segunda-feira, março 30, 2020

O QUE EU NÃO DIGO DIZENDO: TE AMO?



Para Aline Vieira

O sujeito apaixonado fica angustiado porque o objeto amado responde parcimoniosamente, ou não responde, às palavras (discursos ou cartas) que ele lhe dirige. Roland Barthes.

O que significa dizer "eu te amo”. Quantas vezes eu, você, calamos esta expressão? Como tornar compreensiva ao amado, à amada a amplitude de um sentimento que nos desatina e nos confunde? O que é amar?
Roland Barthes, linguista e semiólogo francês, coloca estas e outras questões do sentimento amoroso sobre análise. E em Fragmentos de um discurso amoroso, sua celebre obra, Barthes nos dá um belo “vocabulário” de uma linguagem marcada pela distância intransponível entre aquilo que o amante experimenta e aquilo que diz.
Embora as expressões amorosas se enquadrem no âmbito do indizível, Barthes procura encontrar definições que nos expliquem as dinâmicas do sentimento amoroso. Em seu intento: “fazer ouvir o que existe de inatural na sua voz, quer dizer de intratável”, ele toma por personagem o amante, o enamorado, na aventura de anunciar o indizível: Eu te amo!, para oferecer-nos um glossário que de “abismar-se” à “verdade”, passando por "abraço", "coração", "dedicação", "encontro", "noite", “união”, compila discursos tecidos “de desejos, de imaginário e de declaração” e “oferece como leitura um lugar de fala: o lugar de alguém que fala de si mesmo, apaixonadamente, diante do outro (o objeto amado) que não fala.”
Barthes apresenta passagens que extrai do Jovem Werther, de Goethe, de um haiku japonês, ou do Simpósio de Platão, da psicanálise lacaniana e da filosofia de Nietzsche para aproximar-nos da verdade intocável do amor.
Cada capítulo do livro é independente, não é preciso seguir uma sequência. E cada capítulo contém todo o encanto e nuances, positivas e negativas, de um que se apaixona. Barthes descreve a agonia, a espera, o adorável, o encanto, a frustração, o luto... Nuances cheias de significações e, ao mesmo tempo, vazias, incapazes de dizer o que o sujeito amoroso é. O sujeito amoroso reconhece ser amado como "atopos", isto é, não classificável, dotado de uma originalidade sempre imprevisível, que “o torna vulnerável” atravessado pela ideia do “ridículo”, da “loucura” da “angustia”.
            Experiências únicas, os sentimentos que Barthes compila descrevem, paradoxalmente, algo conhecido e compartilhado. Toda pessoa apaixonada ocupa a mesma posição que é para ela uma posição única. “uma longa corrente de equivalências liga os enamorados do mundo”, afirma Barthes.
Barthes cita Freud para dizer: “um homem que duvida de seu próprio amor, pode, ou melhor, deve duvidar de qualquer coisa menos importante”.
O indizível do amor é a incerteza de ser amado.
“Há sempre no discurso sobre o amor uma pessoa a quem se dirige... Ninguém tem vontade de falar de amor, se não for para alguém.” E não saber se as coisas que digo me farão amado por aquele, aquela, que amo é o começo do amor. O eu te amo não diz toda emoção, todo desejo, todo encantamento e toda a insegurança e medo do mínimo desapontamento, da mínima magoa. Diante da tua plena riqueza, sinto-me desprovido. Silencio-me. Está feito o discurso.

Roland Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985.

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