sexta-feira, janeiro 15, 2021

METAMORFOSE

 

Certa manhã, um bicho tal despertou de sonhos tranquilos. Encontrou-se no amontoado de comodidades em que se alojara metamorfoseado num homem monstruoso. Estava sentado sob sua ignorância bruta, e ao levantar um pouco a cabeça, a sentiu cheia e pesada, mas não era de ideias ou pensamentos. Não, ele viu-se um homem desarrazoado, parvo. Já não sentia suas ágeis patas, seu apurado faro, seus proeminentes dentes, o longo rabo. O que aconteceu comigo? Pensou.

Não era um sonho. Seu habitat já não era mais um reduzido gabinete em que vivera 30 anos, mas um gabinete enorme, com mesa larga e poltrona confortável. O olhar do verme olhou para a janela e contemplou o céu carregado. Percebeu sob a mesa um jornal, estranhou conseguir lê-lo, e o que leu deu-lhe uma estranha satisfação: “Pandemia fora de controle: Caminhamos para 250 mil mortos!”. “Que tal eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas essas tolices?” Virou para um lado, virou para outro, sentia um incomodo. Pareceu-lhe difícil aquela vida. Chamou-lhe a atenção um burburinho entrando pela porta, aguçou os sentidos: “Mito, mito, mito...”, pode distinguir. Sentiu-se reconfortado. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato, ou era?  Meu Deus! O bicho era presidente de um gado.

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