Era um início de tarde outonal. Um vento fresco, marítimo, bulia as copas das poucas árvores ao longo do calçamento. Um fio d’água corria o meio fio. A rua era parada. Ouve-se latidos distantes e uma canção de uma casa vizinha: Força Estranha, Gal Costa.
Pés esticados
para fora da calçada, sentado com o corpo reclinado para trás e antebraços
apoiados ao chão. Junto ao corpo um livro, páginas abertas viradas para o chão:
“O homem que via o trem passar”, lia-se na capa. Com os olhos mirando o vasto
céu, perseguindo o voo de andorinhas, o menino se entregava a devaneios. Sem
aviso, mudou a posição do corpo. Encolheu as pernas, tomou o livro, marcando
suas páginas com uma folha de Pata de Vaca, estendeu a cabeça para fora do
portão. Passou a passear o olhar pelas casas, as poucas árvores na calçada, o
movimento que o vento lhes imprimia, os carros estacionados. Seguiu um gato esgueirando
um muro, entregou-se à água correndo o meio-fio. Expectativo, espichou o olhar a
um ponto distante da rua.
Passado
alguns intermináveis segundo, do ponto em que sua vista descansava, uma sombra
foi surgindo, ganhando visibilidade e vindo em sua direção. A figura se
aproximava preguiçosamente, ondulando forma e relevos, aromatizando o ar de sua
colônia.
Passou
pelo menino, shortinho, blusa casual, cabelo preso, um saco de pão, um litro de
leite. Olhou-o sem esboçar percebê-lo, e foi sumindo até se apagar virando a
esquina. Ainda durou um fugaz segundo o aroma de sua colônia. Passada sua epifania,
o menino, tomou o livro, trancou o portão, entrou em casa. Era contentamento.
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