Não fiz
nada, bem sei, nem o farei,
Mas de
não fazer nada isto tirei,
Que fazer
tudo e nada é tudo o mesmo.
Quem
sou é o espectro do que não serei.
Vivemos
aos encontros do abandono
Sem verdade,
sem dúvida nem dono.
Boa é
a vida, mas melhor é o vinho.
O amor
é bom, mas é melhor o sono.
Fernando Pessoa
A vida não é só o real, é
mais o imaginado. Se a realidade sangra nos cotidianos, a verdade pulsa na
literatura; à realidade escapa em versos. Sem ilusões a razão desatina, os
sentidos amargam. A realidade é dura, nua, crua, e, tomada por verdade,
desalenta. Decepção é tomar a realidade por verdade. A esperança se alimenta de
fantasias. Sem ilusões, a existência, consciência de que viver é não
realizar-se, é melancolia. Existir é imaginar. Toda pressa em ser e toda faina
por ter, sem poesia seria apenas sacrifício e martírio. Então diz o poeta: “Nesta vida, em que sou meu
sono, não sou meu dono [...] E só me encontro quando de mim fujo” (Fernando
Pessoa). E completa: “Tudo depende do que não existe. [...] Tudo é esperar à
beira de uma estrada/A vinda sempre adiada.” Na vida “nada perdi”, por nada ter
tido, na morte “tudo serei”... Se a
realidade reside na crônica, a verdade permeia a ficção. E, em versos, não diz
o que por agora é, mas o como sempre tudo tem sido. A realidade nos sufoca de
cotidianos enganos, a imaginação impede a razão de desatinos. Nem lá, nem cá, a
verdade, é nas ilusões que ela se afirma. É morto que se está bem. Quando apenas
se é, sem nada ter: morto “tudo serei”. A
vida é só metade do que a morte completa. Se existir é condenar-se a ser livre,
vive-se para morrer: só a morte liberta. “Boa é a vida [...], mas é melhor o
sono.”
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