sábado, janeiro 30, 2021

POR QUE ESCREVO?

Eu escrevo porque gosto de escrever. E publico porque quero ser lido. Não sei se sou lido ou não, mas gostaria de ser. Escrevendo eu organizo as ideias, pondero termos, penso sua pertinência. Há coisas que escrevo e não publico: minhas sandices não carecem de audiência. Quero contribuir com o pensar bem, não com o pensar sem pensar. “Tudo posso, nem tudo convém”, é um princípio que procuro ter também na escrita. Se não vai contribuir para esclarecer, para chamar à reflexão, para simplesmente deleitar o leitor, a leitora, guardo para mim. Um texto é do seu autor até o momento de sua publicação, uma vez publicado, ele pertence, agrade ou não, lido ou não, ao leitor, à leitora. E a leitora, o leitor, não precisa de autorizações para referenciá-lo. Para o bem ou para o mal, o leitor é responsável por aquilo que lê. Há escritos que são provocativos, há escritos que são reflexivos, há escritos que se pretendem casuais, como uma conversa ao redor de uma mesa, acompanhada de petiscos, cervejas e boas risadas. Quando estou escrevendo suponho três cenários: a sala de aula, a academia, o sarau. Escrevo para ensinar, escrevo para revisar e aprofundar conhecimentos ou desvelar minhas ignorâncias, escrevo para elevar o espírito para além das turbulências cotidianas. Em nenhum cenário me pretendo doutrinário ou dogmático. Não escrevo verdades, escrevo em busca de razões razoáveis e se chego à compreensão de alguma coisa já me dou por satisfeito. Escrevendo me percebo não perfeito...

quarta-feira, janeiro 27, 2021

 

TOPIAS

Atopias

Utopias

Distopias

Isotopias

Entropias

Paratopias

Homotopias

Heterotopias

Multitopias

Pluritopias

Exotopia

Tantas topias

E eu

desalojado

 

quarta-feira, janeiro 20, 2021

EICHMANN E O SINISTRO DA SAÚDE

 

EICHMANN E O SINISTRO DA SAÚDE

 

Adolf K. Eichmann era um logístico a serviço de Hitler. Era ele quem organizava o transporte de judeus aos campos de extermínio. De modo algum, segundo Hannah Arendt, era uma pessoa burra, mas “terrível e assustadoramente normal”.  Descrevendo-o como um típico bom funcionário de qualquer empresa privada ou órgão público, que recebeu uma tarefa monstruosa e não titubeou em realizá-la, segundo Arendt, movia-o um carreirismo adesista e subserviente ao ideário nazista, e a razão de ele ter se tornado um dos maiores criminosos da era moderna era simplesmente a irreflexão. Eichmann, embora leitor de Kant, descreve Arendt, era pretensioso e, tendia à mentira e ao autoengano. Em última analise, Hannah Arendt pontua que na ausência de pensamento presente em Eichmann enraíza-se o que ela denominou “a banalidade do mal”, ou a capacidade de pessoas comuns praticarem crimes com a imperturbável consciência de apenas estarem cumprindo seu dever.  É impossível ler as considerações de Arendt a respeito de Eichmann e não projetá-las em Pazuello.

terça-feira, janeiro 19, 2021

EXISTIR É TER DO QUE SE LEMBRAR

Uma certa manhã, de um tempo distante, mas não muito remoto, entre despertando e ainda dormindo, do quarto de mãe, tomando toda a casa, modesta casa, dois quarto e cozinha, rompia a sonora voz de Elis Regina: “Não quero lhe falar meu grande amor/Das coisas que aprendi nos discos...”, misturando-se ao aroma de café ainda coando... Passado o tempo, a professora explicou-nos: “há perigo na esquina”; “Eles venceram”; “O sinal está fechado pra nós”... Mas foi num finzinho de tarde, enamorando-me de Christine Ramos, vestido florido, flor no cabelo, sorrindo-me, que da velha vitrola de dona Guaraciaba para meu ser, invadiu-me e em mim se estabeleceu este amor que carrega meu pensamento... Amor nos lábios de Christine, cantarolando com Elis: “Olha! Está chovendo na roseira... Que chuva boa prazenteira/ Que vem molhar minha roseira...”. Ouvir Elis, molha de sentido minha existência.

segunda-feira, janeiro 18, 2021

Não Sei dizer: Não sei não querer-te


 

"Só o amor permite persistir" (Christine Ramos)

PASSARAM A TARDE EM FESTIVA EXPECTATIVA

 

Madrugada ainda. Chovia! Chuva amena! Na verdade, garoa insistente. Abriu a janela, arejando o quarto escuro. Contemplou pela vidraça respingada o dia começando úmido, nublado. Ligou o radio. Uma canção já pela metade preencheu o ar, logo em seguida o locutor informava: “Tonico e Tinoco, Pé  de Ipê! ... Acerta a hora, a hora é agora: Cinco para as cinco! Manhã chuvosa na cidade que não para”. Seguiu-se outra canção: “Na solidão do meu peito/O meu coração reclama/Por amar quem está/distante/E viver com quem não ama...” Demorou-se olhando no espelho. Depois preparou café, despertou os meninos, os curou e encaminhou à escola.  Passou a manhã folheando revistas. O telefone tocou. Atendeu: “Amor, tudo bem? E as crianças?... Olha, estou na estrada, voltando pra casa... Correu tudo bem... Cheio de saudades... Beijos... Logo, logo, chego!”.  Na rádio dizia a canção: “Eu fico recordando com saudade/Os beijos que te dei com emoção/Naquela noite cheia de ternura/Quando entregaste a mim teu coração...” Quando da escola os meninos voltaram, era efusiva. Passaram a tarde em festiva expectativa...

sábado, janeiro 16, 2021

UMA CARROÇA SEM RUMO

A carroça com um certo carroceiro avançava lentamente, puxando para a esquerda. Alguns diziam que o problema era nas rodas, outros nos cavalos. Mas tem quem dizia, e ainda hoje afirma, que o problema era o carroceiro, que, mesmo conduzindo a carroça com distinção, a ponto de a carroça ser admirada na região, tendia a levar a carroça para o buraco. Entre os que colocavam responsabilidade no carroceiro, tinha um grupo interessado não na carroça, mas em partes importantes da carroça. Estabeleceram a tese de que se ajustava o seu andar diminuindo o descanso e a alimentação dos cavalos, propunham rever o regime de adestramento, reduzir preparadores, vender equipamentos. Há quem defendesse que a carroça não necessitava freios, que aos cavalos se dispensava as ferraduras. Para implementar seus interesses, fomentaram um tipo tosco, de conversa grosseira, que vivera uma vida encostado a um pé de laranja cuidando dos negócios da família. Um conluio se fez em torno dele, para que ele assumisse a carroça. Com a ajuda de pastores, especuladores e boateiros o tosco cultivador de laranjas ganhou legenda. Os que o produziam sabiam de sua inércia e de seu caráter grosseiro, que seu único interesse era os negócios da família. Por isso, era perfeito. Assim, conduziram todo o processo. Não o deixavam falar e tranquilizavam o vilarejo: “quem iria colocar a carroça no prumo seria um jênio*, ele apenas assumiria a cochia. Para levar a cabo o projeto de assédio à carroça, contaram com a ajuda do jornal local que se passa por isento e de um juiz de roça. Assim, de um funesto, produziram um carroceiro. O fato é que com ele, a carroça não avança e se destroça. O jênio que tudo sabia e a ajustaria à direita tornou-se cartomante e, em cartas marcadas, lê sinais de retomada. Mas o vil imbecil que promoveram a carroceiro anuncia: “A carroça está quebrada! Não posso fazer nada!” Os que o colocaram como carroceiro se consolam: “a culpa não é dele; é daquele cachaceiro!” Desgovernada, a carroça se arrasta ao despenhadeiro. Se a história não nos acaba bem, eu digo: Em política nada é casual. Foi para isto que colocaram o funesto de carroceiro. Há abutres interessados nos destroços da carroça.  

 

* Jênio é a forma correta de grafar pessoas que se acham donos de um conhecimento ou experiência que não tem, que se vendem como solucionadores de crises e as aumentam.

sexta-feira, janeiro 15, 2021

METAMORFOSE

 

Certa manhã, um bicho tal despertou de sonhos tranquilos. Encontrou-se no amontoado de comodidades em que se alojara metamorfoseado num homem monstruoso. Estava sentado sob sua ignorância bruta, e ao levantar um pouco a cabeça, a sentiu cheia e pesada, mas não era de ideias ou pensamentos. Não, ele viu-se um homem desarrazoado, parvo. Já não sentia suas ágeis patas, seu apurado faro, seus proeminentes dentes, o longo rabo. O que aconteceu comigo? Pensou.

Não era um sonho. Seu habitat já não era mais um reduzido gabinete em que vivera 30 anos, mas um gabinete enorme, com mesa larga e poltrona confortável. O olhar do verme olhou para a janela e contemplou o céu carregado. Percebeu sob a mesa um jornal, estranhou conseguir lê-lo, e o que leu deu-lhe uma estranha satisfação: “Pandemia fora de controle: Caminhamos para 250 mil mortos!”. “Que tal eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas essas tolices?” Virou para um lado, virou para outro, sentia um incomodo. Pareceu-lhe difícil aquela vida. Chamou-lhe a atenção um burburinho entrando pela porta, aguçou os sentidos: “Mito, mito, mito...”, pode distinguir. Sentiu-se reconfortado. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato, ou era?  Meu Deus! O bicho era presidente de um gado.

quarta-feira, janeiro 13, 2021

UM NOVO 7X1

 


Em um ano tal, de um mês qualquer, Jaminto chegou com um novo aprendizado em casa. O professor havia anunciado o Big Bang: “a grande explosão”. O pai não quis ouvir “tamanha insidia”, silenciou Jaminto seco, severo: “lavo-te a boca com sabão”, em seguida, ponderou: “Deus todo poderoso tudo criou. A Sagrada Escritura não mente!” No dia seguinte, Jaminto chegou à escola acompanhado do pai, exigindo o “insidioso”: “Diria poucas e boas a aquele comunista doutrinador!”  O pai procurou, ainda, o Capitão Hemorgenes, subintendente de educação e protocolou uma representação contra o professor. O professor, para defender o seu, passou a tratar de símbolos pátrios, datas comemorativas, personalidades ilustres. Ensinou até receita. Passados os anos escolares, Jaminto dedicou-se ao estudo desordenado e superficial de teologia e gestão de pessoas com o fito de assumir o negócio paterno: vender promessas divinas. Com as novas tecnologias, Jaminto transportou o negócio do pai para a rede. Tornou-se influenciador digital e coaching espiritual. Em seus canais tem ensinado que se vacinar é fazer pacto com o tinhoso: “como pelas águas do batismo nos tornamos filhos de Deus, quem se vacina se torna filho do Belzebu.” A coisa é bizarra? Não! É preocupante!: para cada Margareth Dalcolmo, encontramos 7 Jaminto.

terça-feira, janeiro 12, 2021

Meu “ódio do bem” é desejo de sair da tormenta

 


 

A turma da terra plana, do racismo reverso, do vitimismo etc., agora resolveu acusar-nos de propagar o “ódio do bem”. Eles tomam nossa reação, nossa resistência, nossa indignação e tentam igualar-nos a eles. Não, não existe “ódio do bem”, a indignação não é passiva e pode incorrer em excessos, mas não se iguala ao ódio, que é próprio deles. Nossa reação à dor e ao sofrimento pode até ensejar aos que nos fere a mesma dor e sofrimento que nos causam. Diante de um filho, um irmão, um pai que morre por “bala perdida”, na dor da perda, desejar a morte do algoz, não é ódio, é desconsolo. Diante de quem nos destrata, achincalha e humilha, por sermos quem somos, serrar os punhos e partir pra cima e descer a porrada, não é ódio, é reação, é impor-se e se fazer respeitar. Desejar, diante da indiferença à nossa dor e sofrimento, que o outro também sinta na pele as nossas perdas não é ódio é desolação. Não me deixo igualar às bestas feras que sustentam o desgoverno e sua ideologia de morte. Se por algum momento passa por minha cabeça o desejo de que ele termine antes do tempo (até sugerindo suicídio), acredite: o que eu sinto não é ódio, é desejo de sair da tormenta.

sexta-feira, janeiro 08, 2021

Eles estão de Olho na Cloroquina***

 

Quem não conhece a pandemia de Covid e
A importância da vacina
Pra vida retomar
O logístico general, ministro do Zé Ruela
Passa o dia no ministério
Desdenhando dela
Eles estão de olho na cloroquina
Eles estão de olho é na cloroquina
Eles estão de olho na cloroquina
O mundo todo seguindo medidas
De contenção da pandemia
Num esforço pela vida
Correndo para desenvolver uma vacina
Mas o general incompetente, capacho do Zé Ruela
Que diz não ser coveiro
E que todos morrem um dia
Desconsidera a ciência
e faz de tudo pra vacina atrasar
Eles estão de olho é na Cloroquina
Eles estão de olho na Cloroquina
Eles estão de olho é na Cloroquina
Eles estão de olho na Cloroquina
*** Partiu Genival Lacerda e nos deixou o jegue e um gado que o segue!!!

[...] a crítica da religião está, no essencial, terminada... (Karl Marx). E as religiões estão aí a se manterem "papel enciclopédico do mundo" (Zózimo e Itaca)

quinta-feira, janeiro 07, 2021

EPIFANIA DE FIM DE TARDES

 

Era um início de tarde outonal. Um vento fresco, marítimo, bulia as copas das poucas árvores ao longo do calçamento. Um fio d’água corria o meio fio. A rua era parada. Ouve-se latidos distantes e uma canção de uma casa vizinha: Força Estranha, Gal Costa.

Pés esticados para fora da calçada, sentado com o corpo reclinado para trás e antebraços apoiados ao chão. Junto ao corpo um livro, páginas abertas viradas para o chão: “O homem que via o trem passar”, lia-se na capa. Com os olhos mirando o vasto céu, perseguindo o voo de andorinhas, o menino se entregava a devaneios. Sem aviso, mudou a posição do corpo. Encolheu as pernas, tomou o livro, marcando suas páginas com uma folha de Pata de Vaca, estendeu a cabeça para fora do portão. Passou a passear o olhar pelas casas, as poucas árvores na calçada, o movimento que o vento lhes imprimia, os carros estacionados. Seguiu um gato esgueirando um muro, entregou-se à água correndo o meio-fio. Expectativo, espichou o olhar a um ponto distante da rua.

Passado alguns intermináveis segundo, do ponto em que sua vista descansava, uma sombra foi surgindo, ganhando visibilidade e vindo em sua direção. A figura se aproximava preguiçosamente, ondulando forma e relevos, aromatizando o ar de sua colônia.

Passou pelo menino, shortinho, blusa casual, cabelo preso, um saco de pão, um litro de leite. Olhou-o sem esboçar percebê-lo, e foi sumindo até se apagar virando a esquina. Ainda durou um fugaz segundo o aroma de sua colônia. Passada sua epifania, o menino, tomou o livro, trancou o portão, entrou em casa. Era contentamento.

domingo, janeiro 03, 2021

Libertar-se é morrer

 


Não fiz nada, bem sei, nem o farei,

Mas de não fazer nada isto tirei,

Que fazer tudo e nada é tudo o mesmo.

Quem sou é o espectro do que não serei.

Vivemos aos encontros do abandono

Sem verdade, sem dúvida nem dono.

Boa é a vida, mas melhor é o vinho.

O amor é bom, mas é melhor o sono.

Fernando Pessoa

 

A vida não é só o real, é mais o imaginado. Se a realidade sangra nos cotidianos, a verdade pulsa na literatura; à realidade escapa em versos. Sem ilusões a razão desatina, os sentidos amargam. A realidade é dura, nua, crua, e, tomada por verdade, desalenta. Decepção é tomar a realidade por verdade. A esperança se alimenta de fantasias. Sem ilusões, a existência, consciência de que viver é não realizar-se, é melancolia. Existir é imaginar. Toda pressa em ser e toda faina por ter, sem poesia seria apenas sacrifício e martírio.  Então diz o poeta: “Nesta vida, em que sou meu sono, não sou meu dono [...] E só me encontro quando de mim fujo” (Fernando Pessoa). E completa: “Tudo depende do que não existe. [...] Tudo é esperar à beira de uma estrada/A vinda sempre adiada.” Na vida “nada perdi”, por nada ter tido, na morte “tudo serei”...  Se a realidade reside na crônica, a verdade permeia a ficção. E, em versos, não diz o que por agora é, mas o como sempre tudo tem sido. A realidade nos sufoca de cotidianos enganos, a imaginação impede a razão de desatinos. Nem lá, nem cá, a verdade, é nas ilusões que ela se afirma. É morto que se está bem. Quando apenas se é, sem nada ter: morto “tudo serei”.  A vida é só metade do que a morte completa. Se existir é condenar-se a ser livre, vive-se para morrer: só a morte liberta. “Boa é a vida [...], mas é melhor o sono.”

sábado, janeiro 02, 2021

ALGO CONTENTAMENTO

 Tal debutantes

 os dedos cafuneiam

encrespados pelos

E sem lesto

infantil a mão corre

às úmidas pétalas

da flor-prazer.

Beijo-te trepido

os lábios

E mordisco pescoço,

 colo, seios

em rijas amoras me

enleio

Gaiata a língua

teu corpo percorre

e a teus lábios túmidos

se entrega

Por um momento

a falsa noção de viver

esvanece

algo contentamento

Jaz em teu sexo.

sexta-feira, janeiro 01, 2021

PARA 2021: FLORES



Onde há flores

há vida

há esperança

há a resistência

flores confortam

na dor

declaram o indeclarável

do amor

onde há flores

a vida insiste

resiste

onde há flores

não falta conflitos

desenganos

perdas

mas onde há flores

não faltam, sobremaneira,

o abraço amigo

os lábios de uma companheira.