Eu escrevo porque gosto de escrever. E publico porque quero ser lido. Não sei se sou lido ou não, mas gostaria de ser. Escrevendo eu organizo as ideias, pondero termos, penso sua pertinência. Há coisas que escrevo e não publico: minhas sandices não carecem de audiência. Quero contribuir com o pensar bem, não com o pensar sem pensar. “Tudo posso, nem tudo convém”, é um princípio que procuro ter também na escrita. Se não vai contribuir para esclarecer, para chamar à reflexão, para simplesmente deleitar o leitor, a leitora, guardo para mim. Um texto é do seu autor até o momento de sua publicação, uma vez publicado, ele pertence, agrade ou não, lido ou não, ao leitor, à leitora. E a leitora, o leitor, não precisa de autorizações para referenciá-lo. Para o bem ou para o mal, o leitor é responsável por aquilo que lê. Há escritos que são provocativos, há escritos que são reflexivos, há escritos que se pretendem casuais, como uma conversa ao redor de uma mesa, acompanhada de petiscos, cervejas e boas risadas. Quando estou escrevendo suponho três cenários: a sala de aula, a academia, o sarau. Escrevo para ensinar, escrevo para revisar e aprofundar conhecimentos ou desvelar minhas ignorâncias, escrevo para elevar o espírito para além das turbulências cotidianas. Em nenhum cenário me pretendo doutrinário ou dogmático. Não escrevo verdades, escrevo em busca de razões razoáveis e se chego à compreensão de alguma coisa já me dou por satisfeito. Escrevendo me percebo não perfeito...
sábado, janeiro 30, 2021
quarta-feira, janeiro 27, 2021
quarta-feira, janeiro 20, 2021
EICHMANN E O SINISTRO DA SAÚDE
EICHMANN E O SINISTRO DA
SAÚDE
Adolf K. Eichmann era um
logístico a serviço de Hitler. Era ele quem organizava o transporte de judeus
aos campos de extermínio. De modo algum, segundo Hannah Arendt, era uma pessoa burra,
mas “terrível e assustadoramente normal”. Descrevendo-o como um típico bom funcionário
de qualquer empresa privada ou órgão público, que recebeu uma tarefa monstruosa
e não titubeou em realizá-la, segundo Arendt, movia-o um carreirismo adesista e
subserviente ao ideário nazista, e a razão de ele ter se tornado um dos maiores
criminosos da era moderna era simplesmente a irreflexão. Eichmann, embora
leitor de Kant, descreve Arendt, era pretensioso e, tendia à mentira e ao
autoengano. Em última analise, Hannah
Arendt pontua que na ausência de pensamento presente em Eichmann enraíza-se o
que ela denominou “a banalidade do mal”, ou a capacidade de pessoas comuns praticarem
crimes com a imperturbável consciência de apenas estarem cumprindo seu dever. É impossível ler as considerações de Arendt a
respeito de Eichmann e não projetá-las em Pazuello.
terça-feira, janeiro 19, 2021
EXISTIR É TER DO QUE SE LEMBRAR
Uma certa manhã, de um tempo distante, mas não muito remoto, entre despertando e ainda dormindo, do quarto de mãe, tomando toda a casa, modesta casa, dois quarto e cozinha, rompia a sonora voz de Elis Regina: “Não quero lhe falar meu grande amor/Das coisas que aprendi nos discos...”, misturando-se ao aroma de café ainda coando... Passado o tempo, a professora explicou-nos: “há perigo na esquina”; “Eles venceram”; “O sinal está fechado pra nós”... Mas foi num finzinho de tarde, enamorando-me de Christine Ramos, vestido florido, flor no cabelo, sorrindo-me, que da velha vitrola de dona Guaraciaba para meu ser, invadiu-me e em mim se estabeleceu este amor que carrega meu pensamento... Amor nos lábios de Christine, cantarolando com Elis: “Olha! Está chovendo na roseira... Que chuva boa prazenteira/ Que vem molhar minha roseira...”. Ouvir Elis, molha de sentido minha existência.
segunda-feira, janeiro 18, 2021
PASSARAM A TARDE EM FESTIVA EXPECTATIVA
Madrugada ainda. Chovia! Chuva amena! Na verdade, garoa insistente. Abriu a janela, arejando o quarto escuro. Contemplou pela vidraça respingada o dia começando úmido, nublado. Ligou o radio. Uma canção já pela metade preencheu o ar, logo em seguida o locutor informava: “Tonico e Tinoco, Pé de Ipê! ... Acerta a hora, a hora é agora: Cinco para as cinco! Manhã chuvosa na cidade que não para”. Seguiu-se outra canção: “Na solidão do meu peito/O meu coração reclama/Por amar quem está/distante/E viver com quem não ama...” Demorou-se olhando no espelho. Depois preparou café, despertou os meninos, os curou e encaminhou à escola. Passou a manhã folheando revistas. O telefone tocou. Atendeu: “Amor, tudo bem? E as crianças?... Olha, estou na estrada, voltando pra casa... Correu tudo bem... Cheio de saudades... Beijos... Logo, logo, chego!”. Na rádio dizia a canção: “Eu fico recordando com saudade/Os beijos que te dei com emoção/Naquela noite cheia de ternura/Quando entregaste a mim teu coração...” Quando da escola os meninos voltaram, era efusiva. Passaram a tarde em festiva expectativa...
sábado, janeiro 16, 2021
UMA CARROÇA SEM RUMO
A carroça com um certo carroceiro avançava lentamente, puxando para a esquerda. Alguns diziam que o problema era nas rodas, outros nos cavalos. Mas tem quem dizia, e ainda hoje afirma, que o problema era o carroceiro, que, mesmo conduzindo a carroça com distinção, a ponto de a carroça ser admirada na região, tendia a levar a carroça para o buraco. Entre os que colocavam responsabilidade no carroceiro, tinha um grupo interessado não na carroça, mas em partes importantes da carroça. Estabeleceram a tese de que se ajustava o seu andar diminuindo o descanso e a alimentação dos cavalos, propunham rever o regime de adestramento, reduzir preparadores, vender equipamentos. Há quem defendesse que a carroça não necessitava freios, que aos cavalos se dispensava as ferraduras. Para implementar seus interesses, fomentaram um tipo tosco, de conversa grosseira, que vivera uma vida encostado a um pé de laranja cuidando dos negócios da família. Um conluio se fez em torno dele, para que ele assumisse a carroça. Com a ajuda de pastores, especuladores e boateiros o tosco cultivador de laranjas ganhou legenda. Os que o produziam sabiam de sua inércia e de seu caráter grosseiro, que seu único interesse era os negócios da família. Por isso, era perfeito. Assim, conduziram todo o processo. Não o deixavam falar e tranquilizavam o vilarejo: “quem iria colocar a carroça no prumo seria um jênio*, ele apenas assumiria a cochia. Para levar a cabo o projeto de assédio à carroça, contaram com a ajuda do jornal local que se passa por isento e de um juiz de roça. Assim, de um funesto, produziram um carroceiro. O fato é que com ele, a carroça não avança e se destroça. O jênio que tudo sabia e a ajustaria à direita tornou-se cartomante e, em cartas marcadas, lê sinais de retomada. Mas o vil imbecil que promoveram a carroceiro anuncia: “A carroça está quebrada! Não posso fazer nada!” Os que o colocaram como carroceiro se consolam: “a culpa não é dele; é daquele cachaceiro!” Desgovernada, a carroça se arrasta ao despenhadeiro. Se a história não nos acaba bem, eu digo: Em política nada é casual. Foi para isto que colocaram o funesto de carroceiro. Há abutres interessados nos destroços da carroça.
* Jênio
é a forma correta de grafar pessoas que se acham donos de um conhecimento ou
experiência que não tem, que se vendem como solucionadores de crises e as
aumentam.
sexta-feira, janeiro 15, 2021
METAMORFOSE
Certa manhã, um bicho tal despertou de sonhos tranquilos. Encontrou-se no amontoado de comodidades em que se alojara metamorfoseado num homem monstruoso. Estava sentado sob sua ignorância bruta, e ao levantar um pouco a cabeça, a sentiu cheia e pesada, mas não era de ideias ou pensamentos. Não, ele viu-se um homem desarrazoado, parvo. Já não sentia suas ágeis patas, seu apurado faro, seus proeminentes dentes, o longo rabo. O que aconteceu comigo? Pensou.
Não era um sonho. Seu habitat já não era mais um reduzido gabinete em que vivera 30 anos, mas um gabinete enorme, com mesa larga e poltrona confortável. O olhar do verme olhou para a janela e contemplou o céu carregado. Percebeu sob a mesa um jornal, estranhou conseguir lê-lo, e o que leu deu-lhe uma estranha satisfação: “Pandemia fora de controle: Caminhamos para 250 mil mortos!”. “Que tal eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas essas tolices?” Virou para um lado, virou para outro, sentia um incomodo. Pareceu-lhe difícil aquela vida. Chamou-lhe a atenção um burburinho entrando pela porta, aguçou os sentidos: “Mito, mito, mito...”, pode distinguir. Sentiu-se reconfortado. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato, ou era? Meu Deus! O bicho era presidente de um gado.
quarta-feira, janeiro 13, 2021
UM NOVO 7X1
Em
um ano tal, de um mês qualquer, Jaminto chegou com um novo aprendizado em casa.
O professor havia anunciado o Big Bang: “a grande explosão”. O pai não quis
ouvir “tamanha insidia”, silenciou Jaminto seco, severo: “lavo-te a boca com
sabão”, em seguida, ponderou: “Deus todo poderoso tudo criou. A Sagrada
Escritura não mente!” No dia seguinte, Jaminto chegou à escola acompanhado do
pai, exigindo o “insidioso”: “Diria poucas e boas a aquele comunista
doutrinador!” O pai procurou, ainda, o
Capitão Hemorgenes, subintendente
de educação e protocolou uma representação contra o professor. O professor,
para defender o seu, passou a tratar de símbolos pátrios, datas comemorativas,
personalidades ilustres. Ensinou até receita. Passados os anos escolares,
Jaminto dedicou-se ao estudo desordenado e superficial de teologia e gestão de
pessoas com o fito de assumir o negócio paterno: vender promessas divinas. Com
as novas tecnologias, Jaminto transportou o negócio do pai para a rede. Tornou-se
influenciador digital e coaching espiritual. Em seus canais tem ensinado que se
vacinar é fazer pacto com o tinhoso: “como pelas águas do batismo nos tornamos
filhos de Deus, quem se vacina se torna filho do Belzebu.” A coisa é bizarra?
Não! É preocupante!: para cada Margareth Dalcolmo, encontramos 7 Jaminto.
terça-feira, janeiro 12, 2021
Meu “ódio do bem” é desejo de sair da tormenta
A turma da terra plana, do racismo
reverso, do vitimismo etc., agora resolveu acusar-nos de propagar o “ódio do
bem”. Eles tomam nossa reação, nossa resistência, nossa indignação e tentam
igualar-nos a eles. Não, não existe “ódio do bem”, a indignação não é passiva e
pode incorrer em excessos, mas não se iguala ao ódio, que é próprio deles. Nossa
reação à dor e ao sofrimento pode até ensejar aos que nos fere a mesma dor e
sofrimento que nos causam. Diante de um filho, um irmão, um pai que morre por “bala
perdida”, na dor da perda, desejar a morte do algoz, não é ódio, é desconsolo.
Diante de quem nos destrata, achincalha e humilha, por sermos quem somos,
serrar os punhos e partir pra cima e descer a porrada, não é ódio, é reação, é impor-se
e se fazer respeitar. Desejar, diante da indiferença à nossa dor e sofrimento,
que o outro também sinta na pele as nossas perdas não é ódio é desolação. Não me
deixo igualar às bestas feras que sustentam o desgoverno e sua ideologia de
morte. Se por algum momento passa por minha cabeça o desejo de que ele termine
antes do tempo (até sugerindo suicídio), acredite: o que eu sinto não é ódio, é
desejo de sair da tormenta.
sexta-feira, janeiro 08, 2021
Eles estão de Olho na Cloroquina***
quinta-feira, janeiro 07, 2021
EPIFANIA DE FIM DE TARDES
Era um início de tarde outonal. Um vento fresco, marítimo, bulia as copas das poucas árvores ao longo do calçamento. Um fio d’água corria o meio fio. A rua era parada. Ouve-se latidos distantes e uma canção de uma casa vizinha: Força Estranha, Gal Costa.
Pés esticados
para fora da calçada, sentado com o corpo reclinado para trás e antebraços
apoiados ao chão. Junto ao corpo um livro, páginas abertas viradas para o chão:
“O homem que via o trem passar”, lia-se na capa. Com os olhos mirando o vasto
céu, perseguindo o voo de andorinhas, o menino se entregava a devaneios. Sem
aviso, mudou a posição do corpo. Encolheu as pernas, tomou o livro, marcando
suas páginas com uma folha de Pata de Vaca, estendeu a cabeça para fora do
portão. Passou a passear o olhar pelas casas, as poucas árvores na calçada, o
movimento que o vento lhes imprimia, os carros estacionados. Seguiu um gato esgueirando
um muro, entregou-se à água correndo o meio-fio. Expectativo, espichou o olhar a
um ponto distante da rua.
Passado
alguns intermináveis segundo, do ponto em que sua vista descansava, uma sombra
foi surgindo, ganhando visibilidade e vindo em sua direção. A figura se
aproximava preguiçosamente, ondulando forma e relevos, aromatizando o ar de sua
colônia.
Passou
pelo menino, shortinho, blusa casual, cabelo preso, um saco de pão, um litro de
leite. Olhou-o sem esboçar percebê-lo, e foi sumindo até se apagar virando a
esquina. Ainda durou um fugaz segundo o aroma de sua colônia. Passada sua epifania,
o menino, tomou o livro, trancou o portão, entrou em casa. Era contentamento.
domingo, janeiro 03, 2021
Libertar-se é morrer
Não fiz
nada, bem sei, nem o farei,
Mas de
não fazer nada isto tirei,
Que fazer
tudo e nada é tudo o mesmo.
Quem
sou é o espectro do que não serei.
Vivemos
aos encontros do abandono
Sem verdade,
sem dúvida nem dono.
Boa é
a vida, mas melhor é o vinho.
O amor
é bom, mas é melhor o sono.
Fernando Pessoa
A vida não é só o real, é
mais o imaginado. Se a realidade sangra nos cotidianos, a verdade pulsa na
literatura; à realidade escapa em versos. Sem ilusões a razão desatina, os
sentidos amargam. A realidade é dura, nua, crua, e, tomada por verdade,
desalenta. Decepção é tomar a realidade por verdade. A esperança se alimenta de
fantasias. Sem ilusões, a existência, consciência de que viver é não
realizar-se, é melancolia. Existir é imaginar. Toda pressa em ser e toda faina
por ter, sem poesia seria apenas sacrifício e martírio. Então diz o poeta: “Nesta vida, em que sou meu
sono, não sou meu dono [...] E só me encontro quando de mim fujo” (Fernando
Pessoa). E completa: “Tudo depende do que não existe. [...] Tudo é esperar à
beira de uma estrada/A vinda sempre adiada.” Na vida “nada perdi”, por nada ter
tido, na morte “tudo serei”... Se a
realidade reside na crônica, a verdade permeia a ficção. E, em versos, não diz
o que por agora é, mas o como sempre tudo tem sido. A realidade nos sufoca de
cotidianos enganos, a imaginação impede a razão de desatinos. Nem lá, nem cá, a
verdade, é nas ilusões que ela se afirma. É morto que se está bem. Quando apenas
se é, sem nada ter: morto “tudo serei”. A
vida é só metade do que a morte completa. Se existir é condenar-se a ser livre,
vive-se para morrer: só a morte liberta. “Boa é a vida [...], mas é melhor o
sono.”
sábado, janeiro 02, 2021
ALGO CONTENTAMENTO
Tal debutantes
os dedos cafuneiam
encrespados
pelos
E
sem lesto
infantil
a mão corre
às
úmidas pétalas
da
flor-prazer.
Beijo-te
trepido
os
lábios
E
mordisco pescoço,
colo, seios
em
rijas amoras me
enleio
Gaiata
a língua
teu
corpo percorre
e
a teus lábios túmidos
se
entrega
Por
um momento
a
falsa noção de viver
esvanece
algo
contentamento
Jaz
em teu sexo.
sexta-feira, janeiro 01, 2021
PARA 2021: FLORES
Onde há flores
há vida
há esperançahá a resistência
flores confortam
na dor
declaram o indeclarável
do amor
onde há flores
a vida insiste
resiste
onde há floresnão falta conflitos
desenganos
perdas
mas onde há flores
não faltam, sobremaneira,
o abraço amigo
os lábios de uma companheira.