Acorda
no rotineiro horário de todos os dias, mas concede-se um tempo a mais na cama.
Pode contemplar o sono confiante da companheira. Percebe com satisfação os
sinais de uma longa vida juntos. Uma lembrança de tempos remotos invade-lhe e o
apraz. “Estamos envelhecendo”, pensa. Levanta, lava o rosto, escova os dentes,
ajusta os cabelos. Circula pela casa e percebe que apenas o mais moço dormiu em
casa. Prepara o café, folheia o matinal, liga a televisão, abre a porta
recepcionando o efusivo Banzé, um vira-latazinho amarelado. Fazem festa,
prepara-lhe a ração: “Vamos tomar um banho, rapazinho!” O animal parece
entender; murcha as orelhas, baixa o olhar. Troca o pijama por um conjunto de
moletom surrado. Vai à feira, encontra antigos companheiros, cumprimenta-os com
cordialidade, com um ou outro estende um pouco mais a conversa, faz as compras
da semana, nota a variação dos preços, come pastel, toma caldo de cana. Já em
casa, encontra a companheira no banho, saúda-a com um selinho, evitando se
molhar. Por jogo a companheira lhe faz respigar água da ducha. “Comprou tomates
para o molho?” “Sim!” Prepara o banho de Banzé que se esconde atrás da maquina
de lavar. Não o poupa, e contra sua vontade o joga na banheira... Agora cuida
do carro, ouvindo Tim Maia, Tom Zé, Maysa... A companheira lhe trás suco,
biscoitos, comenta algo acerca do mais velho: a família deve crescer...
Ajustado o carro, toma banho, socorre na cozinha, limpando a louça, picando
alho, cebola, beliscando o bacon dourando... Almoçam, a futura nora anuncia a
vinda de Gusthavo ou Lhaila, brindam... Agora tira uma soneca, acompanhado de
Banzé... O mais moço anuncia estar indo ao Shopping com os amigos... Acompanha
o futebol na televisão, discute com os comentaristas, “quanta asneira numa só
frase!” A companheira ri, meneando a cabeça: “não te ouvem!”... O domingo vai
minguando, prepara um lanche rápido para si e para a companheira, tomam vinho.
Ele lê para ela versos de Hilda Hilst, assistem um documentário sobre a
Revolução Cubana... O mais moço anuncia estar em casa. O mais velho chega logo
em seguida. A companheira corre a casa verificando portas e janelas, apagando
as luzes... Prepara as coisas para a semana... Ele já deitado, espera a razão de
seu ser, folheando um livro. Acolhe-a junto a si. Abraça-a ternamente,
desejando uma boa noite e: “sonhos comigo!”. A companheira repousa a cabeça
sobre seu ombro: “vencemos mais um domingo!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário