domingo, outubro 16, 2016

O INCRÍVEL HOMEM DE DOMINGO


Acorda no rotineiro horário de todos os dias, mas concede-se um tempo a mais na cama. Pode contemplar o sono confiante da companheira. Percebe com satisfação os sinais de uma longa vida juntos. Uma lembrança de tempos remotos invade-lhe e o apraz. “Estamos envelhecendo”, pensa. Levanta, lava o rosto, escova os dentes, ajusta os cabelos. Circula pela casa e percebe que apenas o mais moço dormiu em casa. Prepara o café, folheia o matinal, liga a televisão, abre a porta recepcionando o efusivo Banzé, um vira-latazinho amarelado. Fazem festa, prepara-lhe a ração: “Vamos tomar um banho, rapazinho!” O animal parece entender; murcha as orelhas, baixa o olhar. Troca o pijama por um conjunto de moletom surrado. Vai à feira, encontra antigos companheiros, cumprimenta-os com cordialidade, com um ou outro estende um pouco mais a conversa, faz as compras da semana, nota a variação dos preços, come pastel, toma caldo de cana. Já em casa, encontra a companheira no banho, saúda-a com um selinho, evitando se molhar. Por jogo a companheira lhe faz respigar água da ducha. “Comprou tomates para o molho?” “Sim!” Prepara o banho de Banzé que se esconde atrás da maquina de lavar. Não o poupa, e contra sua vontade o joga na banheira... Agora cuida do carro, ouvindo Tim Maia, Tom Zé, Maysa... A companheira lhe trás suco, biscoitos, comenta algo acerca do mais velho: a família deve crescer... Ajustado o carro, toma banho, socorre na cozinha, limpando a louça, picando alho, cebola, beliscando o bacon dourando... Almoçam, a futura nora anuncia a vinda de Gusthavo ou Lhaila, brindam... Agora tira uma soneca, acompanhado de Banzé... O mais moço anuncia estar indo ao Shopping com os amigos... Acompanha o futebol na televisão, discute com os comentaristas, “quanta asneira numa só frase!” A companheira ri, meneando a cabeça: “não te ouvem!”... O domingo vai minguando, prepara um lanche rápido para si e para a companheira, tomam vinho. Ele lê para ela versos de Hilda Hilst, assistem um documentário sobre a Revolução Cubana... O mais moço anuncia estar em casa. O mais velho chega logo em seguida. A companheira corre a casa verificando portas e janelas, apagando as luzes... Prepara as coisas para a semana... Ele já deitado, espera a razão de seu ser, folheando um livro. Acolhe-a junto a si. Abraça-a ternamente, desejando uma boa noite e: “sonhos comigo!”. A companheira repousa a cabeça sobre seu ombro: “vencemos mais um domingo!”       

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