segunda-feira, maio 01, 2023

HÁ UMA LITERATURA DO ALTO TIETÊ?

 

“A literatura utiliza da palavra, como o pintor das tintas, para criar arte” Christine Ramos

 

A pergunta no título deste texto foi lançada por Ademiro Alves de Sousa (Sacolinha) durante o EducaShow, que ocorreu entre 25 e 30 de abril, no Parque Max Feffer, Suzano. Participei da conversa com meu compadre Marco Maida e o poeta e dramaturgo Matheus Borges. Entre os presentes destaco a presença do poeta Vandei Oliveira, o Poeta Zé, e acompanhado da esposa Cristina Domingos, o filósofo Elvis Almeida, sempre com uma pergunta provocativa. O que segue é um exercício de pura divagação a partir do que lá foi dito.

A linguagem humana é variadíssima, além de complexa. De um galho de árvore quebrado intencionalmente à uma pedra cinzelada, de entalhes em um tronco de árvores a nós em um cipó, de um aceno de mão a um dedo em riste ou sobrepondo os lábios, o ser humano comunica saberes, sentidos, sentimentos, emoções. A palavra, das muitas formas de o ser humano se dizer e dizer o mundo, é a mais complexa porque a mais sofisticada. E ela se presta a muitos usos. Ela acessa, organiza, fixa, conserva, disponibiliza, compartilha o particular de cada indivíduo ou coletividade. Jogando com a memória, o imaginário, a intuição, a criatividade, resgata o passado, descreve o momento presente, prospecta o futuro. O uso da palavra torna o humano acessível, mas, ao mesmo tempo, com a palavra “o  homem mata mais que com faca”, dizia minha avó. O ser humano não é só linguagem, mas sem a linguagem, não seria este ser sendo.

A literatura é uma forma de uso da palavra, não da língua. A língua é como a pedra para o cinzel: a palavra; é algo bruto clamando o entalhe, o polimento. Da língua faz uso as ciências, as religiões, a política, cada uma dessas manifestações e outras tem a língua como árvore a ser talhada pela palavra a seu modo. A língua pede beleza, não apenas precisão lógica, rigor gramatical ou reverencial.

O literato, como um construtor de mosaicos, toma a palavra como a cacos cerâmicos, alinhava-os em sentimentos, em emoções, em sensações, em pensamentos, e dá à língua um lugar-oásis entre os desertos que permeiam nosso cotidiano de falas rudes e perversas.

Não é o lugar que define a literatura. É o escritor, no seu talhar a palavra, dando à língua nuances de sons, sabores, ritmos, cores de seu lugar, que o eleva e o universaliza. Não há literatura deste ou daquele lugar. Há o escritor, que tornando bela a língua de seu lugar, eleva o lugar de onde escreve. O Além Tejo do Pessoa, a Itabira do Andrade, não seriam, não fossem o Pessoa e o Andrade. Não há literatura do Alto Tietê, a quem faça deste cinzel instrumento para ornar a língua do lugar e tornar a realidade menos bruta. No Alto Tietê há escritores de muita excelência, alguns já brilham para além de suas fronteiras. Em suas conquistas pessoais, nossos escritores tornam o alto Tietê mais altivo, e, ao revelar-nos ao mundo, estimulam novos escritores.     

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