terça-feira, abril 18, 2023

OMBO’M’GO

Estela é um monumento monolítico feito em pedra em que os antigos faziam inscrições de caráter sepulcral. Em um monumento destes, datado entre 1210  e 1205 encontra-se registrado as conquistas do faraó Merneptá. É um monumento de granito, medindo cerca de 3m de altura por 1, 60m de largura e espessura de 31cm. Nele se relata as vitórias do faraó contra os povos da região entre os quais os israelitas. A maioria dos povos citados na estela de Merneptá tem sua existência comprovada em outros registros históricos e se pode traçar deles um perfil cultural. Uma informação nesta estela sempre chamou a atenção dos arqueólogos, a citação de uma tribo sem registros em outros documentos históricos: os Ombo’m’gos. Diz-se na estela que: “Merneptá deteve os Ombo’m’gos, que “que subiram da Núbia”. Tirada está citação os Ombo’m’go, inexistem, é um povo fantasma, nada dele se sabe. Melhor, se sabia. Acaba de vir à luz, leio em uma publicação francesa, o Journal d’étymographie, um conjunto de cerâmica com traços arqueológicos significativos. Encontrado em escavações no Benin, o conjunto é composto de  vasos cerâmicos e entalhes em madeira, um dos vasos é ornado com o desenho de um toro sobre um trono e uma inscrição não identificável, em um outro vê-se um touro sobre um trono, rodeado por personagens em oração, em outros vasos figuram girafas, elefantes, antílopes, leões, bovídeos e símbolos fálicos. Para o antropólogo Jean Jacques d’ Senna, “as iconografias apontam para uma divindade venerada sob a forma de um touro” e “uma região verdejante, cheio de vida animal e humana”. As inscrições encontram-se em duas tabuas de ébano, um caso único. “Das inscrições” relata, d’ Senna, “ainda não podemos dizer muito. É uma escrita pré-meroítica que ainda estamos em processo de identificação e tradução”. Um fato curioso chama a atenção do estudioso, diz ele: “ Mas o que mais nos chama a atenção é o conjunto cerâmico. É um tipo de cerâmica que será encontrada na região do Sinai, onde também se encontram muitos locais de culto a uma divindade sob a forma de um touro. O curioso, no entanto, é que o conjunto cerâmico que nos vem à luz parece ser mais antigo que a cerâmica do Sinai.”

Narro estas coisas para falar de Leopoldo, um fantasma de família, que diz ter sido mordomo na corte de Dom Pedro II. Ele é cheio de me pregar peças e costuma aparecer-me em situações inapropriadas. E desta volta, não foi diferente. Eu deslizava minha língua pelas dobras de Maria Izhabel, quando ela me deu um chute no rosto, antecedido de um grito de susto. Atordoado, percebi-a pálida. Entre nós, Leopoldo com um riso galhofo: “Olá, fogoso mestre, trago-vos novidades”. Estendia-me à mão, sustentando o riso de zoeira: “Eis-te, em primeira mão, a tradução das estelas do Benin, um remoto espírito Ombo’m’ go, me as traduziu.” E, sem mais nem menos, do mesmo modo que apareceu, Leopoldo desapareceu. Maria Izhabel, primeiro, desnorteada, depois avexada, praguejava um rosário de impropérios. Depois de acudir, acalmar e me desculpar com Maria Izhabel, amaldiçoando Leopoldo, mas tomado pela curiosidade, resolvi ler a tradução que me deixara.

“YHW e sua consorte  ASH corriam o deserto e os montes como crianças, e como crianças misturavam suas salivas à terra árida e criava de seus barros toda espécie de estatuetas: pássaros, gnus, girafas, leões... e bonecos sem vida. YHW criava seus Yha (machos) e suas Yhe. ASH criava seus Yha e suas Yhe. E YHW e ASH jogavam com seus Yha e Yhe. E jogavam uns contra os outros, e jogavam como irmãos uns dos outros, e deitavam uns nos outros. YHW deitava seus Yha e suas Yhe sobre os Yha e as Yhe de ASH sem critério, e os colocavam em disputa uns contra outros, ora como irmãs e irmãos, ora como rivais. ASH deitava seus Yha e suas Yhe sobre os Yha e as Yhe de YHW. E em seus brinquedos, toda espécie que YHW e ASH modelava para brincar eram barro. Mas, então, as criações de YHW e ASH, não tinha ainda movimento próprio, não trabalhavam o campo, não caçavam, não geravam. Caindo a noite, YHW encheu o céu de estrelas para enfeitar ASH. ASH encheu a taça de YHW. YHW e ASH, deitando um no outro, tornaram um só e jorraram como rio, e suas águas inundaram seus Yha, suas Yhe e toda espécie de criação suas. As terras revestiram-se de flores e frutos. Desde então, Yha e Yhe  correm as terras de aqui e de além de aqui, e trabalham a terra e caçam e geram yhayha e geram yheyhe. Ora se rivalizam, ora jogam como irmãos, e deitam uns nos outros. Ombo’m’go, é YHW e ASH correndo o deserto, modelando barro, deitando Yha e Yhe, deitando uns nos outros, sem critério. YHW e ASH os abençoa a todos”.

Leopoldo é cheio de graça, é bem possível que tenha sido ele a compor este texto. Maria Izhabel, passado o susto e o aborrecimento, até gostou do texto de Leopoldo. “Que YHW e ASH, nos abençoe!”, exclamou-me em um riso trigueiro, beijando-me os lábios. Contemplando as estrelas, deitamos nossos corpos um no outro.

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