quinta-feira, dezembro 09, 2021

UM OUTRO DIA

 

Era para se chamar General. General Lopes. O pai tivera a ideia num boteco, aguardando seu nascimento.  “General não podia”, informou o funcionário do cartório. Ficou João, para descontentamento do pai. Abriu a bojudinha de corote, já para abaixo da metade, quase a esvazia em uma só golada. Limpa os beiços inchados, fruto da confusão em que se metera. Arrumou seu leito sob a marquise do banco. Fora por três anos consecutivos o funcionário do ano. Veio a crise, o banco precisou passar por reformulação. Com o desemprego, a decisão de empreender, o hábito de investir em pirâmides, foi se arruinando. Mudou da região central, para o subúrbio. Veio a separação. Foi morar no morro, num cômodo de madeira. Voltou para o centro numa invasão. Agora está alojado ali, na marquise do banco em que trabalhara por duas décadas. Por três anos seguidos fora o funcionário do ano. Recebeu muitos tapinhas nas costas e nenhuma promoção. Na primeira oportunidade: “já não atendia às novas exigências do mercado”. Dia desses, viu um dos filhos. Eram três, dois rapazes, uma moça. Este passou por ele, sem o reconhecer. “Pudera, com o rosto inchado, cheio de cicatrizes, a barba toda desgrenhada”, não condenava o filho. Sabia-se “miserável”. Se tivesse se chamado General, como o pai quisera, talvez a sorte fosse outra. “Quem sabe ainda teria o sorriso, o colo, os lábios de Mariuza, o carinho e o respeito dos filhos, uma cama confortável...” Tomou outra golada de corote. Enrolou-se em seu carcomido cobertor, recostou a cabeça num embolado de papelões. Desejou sonhar um outro mundo e não ter que acordar um outro dia.  

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