Firmeza total, mais um ano se passando
Graças a Deus a gente tá com saúde aí,
morô?
Muita coletividade na quebrada,
dinheiro no bolso
Sem miséria, e é nóis
Vamos brindar o dia de hoje
Que o amanhã só pertence a Deus, a
vida é loka
(RACIONAIS
MC’S)
Não
obstante o esgoto correndo a céu aberto, as ruas de terra lamacentas, as casas,
quando de alvenaria, construídas sem qualquer planta e sem acabamento, as
crianças maltrapilhas, descalças, subnutridas, os homens sonolentos às portas
de botecos, o clima das festas de ano se
aproximando se assistia nas conversas de comadres e nos botecos. As rezadeiras
desfilavam pelas vielas da quebrada, de barraco em barraco, com seus padenossos
e avemarias, visitando presépios, distribuindo doces para a criançada. O time da comunidade promovia campanha para
arrecadar e distribuir brinquedos, anunciava a abertura de uma rifa na
rivalidade de casados e solteiros. À noite, quando se acendiam as pequeninas
luzes de natal, a favela, vista de longe, das coberturas, enchiam os olhos: “era
como cartão postal”, sugeria uma madama. “Nem parece um antro de vagabundos e
parasitas”, comentava o marido, abrindo um Stag´s Leap: “Paris ou Rhodes?”,
pergunta à madama. O clima era de festa,
a chuva dera uma trégua, as luzes piscantes de natal iluminavam as vielas. O
grupo, em algazarra, voltava da escola. Combinavam um churrasco de encerramento
do ano letivo, quem levava a carne, quem a cerveja, o amigo secreto, quem
falava com a diretora... Ainda tinha a semana de provas, depois: “Era só
alegria!” Entrando num beco, para tomar a Ladeira do Sacrifício, deram com a
polícia. “Seis jovens morrem em confronto com a polícia”, deu no plantão,
interrompendo a partida de futebol. “Estamos
colhendo informações, mas posso afirmar ser um caso isolado. Já tomamos todas
as providências. Exigi apuração imediata. É uma fatalidade”, respondia o
Governador no jornal da noite, arrotando o Stag´s Leap. Aos repórteres disse o
comandante que “os polícias, surpreendidos, sentiram-se ameaçados, abriram fogo”.
A cena do crime foi adulterada. A imprensa fez o seu papel de levantar
suspeitas contra os jovens assassinados, relembrou históricos de violência na
comunidade, a passagem de um pela Fundação Casa, o envolvimento do pai de outro
com a criminalidade. Minou-se a indignação. No entanto, tudo apurado, a única
arma encontrada foi uma inscrição para a FUVESTE, na mochila de um dos
assassinados. Algo lido num pé de página. Era época de natal. Quando os primeiros fogos pipocaram no céu, quatro
mães lamentavam não ter mais o que celebrar ao ano que nascia. Eram tempos
melhores aqueles.
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