sexta-feira, dezembro 31, 2021

QUE VENHA 2022

 

Meu avô, homem do campo, costumava contar a história de um tipo que ficava olhando para a terra e contando o tanto de milho, feijão, mandioca que iria colher. A esposa, que acompanhava a contagem se alegrava com a futura fartura. De repente, ela deu com a realidade e lascou a pergunta: “Ozório, ocê tá aí colhendo esta fartura toda, mas quem tá plantando?” Lembro que certa feita eu desenhava uma casa em papel de pão. Meu pai, mestre de obras, guardava os papéis de pão para minha irmã nos ensinar – eu, meu irmão e ele próprio –, os rudimentos da matemática. Ele acompanhava meus traços. “Menino, no papel, uma casa até se começa pelo telhado, nos sonhos se pode começar pela sala ampla arejada ensolarada animada pela família e pelos amigos, no dia-a-dia, uma casa se constrói tijolo a tijolo, mas, antes, é preciso por fundamentos sólidos”, ensinou-me meu pai. Embora eu olhe para o dia de amanhã abrindo um novo ano e deseje que o ano que inicia seja um ano melhor, no fundo eu não vejo motivos para acreditar que será. As sementes que lançamos nos últimos quatro anos não nos permitem esperar boa colheita. Continuamos esperando que o bem social se dê da exploração do trabalho e da expropriação dos direitos trabalhistas, continuamos acreditando que podemos exaurir um pouco mais os recursos naturais, desmatar um pouco mais nossas florestas, restringir um tanto mais as necessidades básicas das camadas populares. Como esperar um ano melhor com o crescente número de pedintes, de moradores de rua, de crianças abandonando a escola para “se virar”? Que ano bom teremos com as redes de ódio se preparando para conquistar nossos corações em nossas redes sociais, difundindo fake news e negacionismos pela disputa do poder político? No papel, o mundo que desenho é uma bela ilustração destas que me apresenta um testemunha de Jeova. No dia-a-dia, andando pelas ruas de minha cidade, entrando no mercado, tomando o transporte público, acompanhando o noticiário, sinto que falta-nos fundamentos sólidos para sonhar um ano melhor. Mesmo assim, desejar não custa nada. Então, sabendo que pássaro só não apaga incêndio em gaiola, quiçá em floresta, e mesmo não sabendo por onde começar, eu desejo algo que não serve a nada: que em 2022 eu não desista de ser! É só um desejo, nada prometo.

terça-feira, dezembro 21, 2021

PEDIOFOBIA

 

Havíamos acabado de esculachar uns pretinhos cheios de “meus direitos pra cá”, “meus direito prá lá”, e o Saldanha foi logo dando a letra: “Ohh cidadão, teu direito é um fato isolado de bala perdida, estamos entendido?”, seguiu-se o “plaft” do safanão. Estávamos, então, ali na padoca da Florentino, degustando tradicional iguaria, quando recebemos um chamado de ocorrência em andamento. Era por volta das 22h e tratava-se de violência doméstica. Chinelamos ao endereço indicado, a mansão do honorífico pastor Abderaldo. Aqui era preciso seguir o manual e manter cortesia no trato e evitar esculacho e ou vexamento do pastor e familiares. À entrada da residência, em pijama, encontramos a Senhora Abderaldo armada de arma branca: uma faca de carne, gritando impropérios, fazendo ameaças. Com esmerada delicadeza e paciência, fomos contornando a situação. Aos poucos, a digníssima senhora amainou os ânimos e pôs-nos a par da situação: “Este desgraçado, filho da puta, disse-me que trabalharia até mais tarde no escritório, que tinha sermão para preparar, e precisava estudar as Escrituras. Eu querendo, fazer um agrado, preparei um drink e levei para ele. Qual não foi minha surpresa: o desgraçado estava fazendo sexo com um boneco inflável. Não, vocês não ouviram errado não, o desgraçado com um boneco inflável. Fosse, ao menos, a Juelmira, nossa colaboradora, mas um boneco? Fosse a Taizinha, minha filha, mas um boneco?. ” Nisto a digníssima senhora inflamou-se novamente de ira e lançando o impropério: “seu desgraçado, destruidor de lares!”, avançou contra o pacífico boneco, retalhando-o todo, recitando trechos da Escritura. A mesma foi conduzida à 14º DP e atuada por pediofobia. Lavrado o boletim de ocorrência, chinelamos de volta à padoca da Florentino, para mais uma rodada de coxinhas.  

sexta-feira, dezembro 17, 2021

MINHA INFÂNCIA FOI UM PARAÍSO

 

As crianças hoje não sabem brincar, vivem conectadas a celulares. Eu não, eu tive uma infância rica, criativa. Brincava a valer. Eu subia em árvores, tomava banho em rio, nadava em lagoa, armava arapuca, corria descalço. Minha infância era divertida. Só dona Marta e sua régua de alfaiate macula a memória de minha infância. Dona Marta não perdoava eu não decolar a tabuada, não aceitava eu não saber conjugar o verbo vir na terceira pessoa do singular no pretérito. Dona Marta descia-me a régua por eu trocar o “r” por “l”. Ainda acordo com a profecia de dona Marta ressoando em minha cabeça: “Não serás ninguém! Não serás ninguém!” Não obstante dona Marta, brinquei a valer: esconde- esconde, pega- pega, mãe da mula, mãe da rua, pique, pião, carrinho de rolimã. Tornei-me cidadão de bem. Em minha infância eu não ficava enfurnado na escola em período integral, meus pais não inventavam ballet, judô, esgrima, grego, pintura a dedo, coisa e tal, para ocupar o meu tempo, tirar-me da rua.  Feita a lição de casa: cópias e mais cópias de livros para folhas de almaço, minhas tardes eram livres e eu ganhava as ruas em estripulias. Minha infância era um paraíso. Brincando, não dava conta que o Pedro Henrique vivia com braços e pernas enfaixadas. Não, ele não tinha ossos frágeis, mas pai alcoólatra e violento. Minha infância era um paraíso, não percebia que as manchas no pescoço de Maria Rita não eram de alergia, mas chupões do tio abusivo. Eu me esbaldava de brincar, o Jorge Luiz não. Não que não quisesse, que não gostasse. Ele tinha que levar dinheiro para casa, empurrando carrinho de sorvete. E o esquizito do Tonzé, qual era mesmo o nome do Tonzé Lelé? Eu não dava conta que ele não era esquizito, era autista. Eu nadei muito em rio e lagoas, mas, na boa, não permito a meus filhos tal aventura, esfolei muitas vezes o dedão chutando pedra no lugar da bola, meus filhos nem dentro de casa ficam descalços. As crianças de hoje não sabem brincar! É sério isso? Tiramos-lhe as árvores, tiramos-lhes os rios, tiramos-lhes as ruas para congestioná-las de carros e enche-las de lombadas, tiramos-lhes o tempo, enfurnando-as em escolas sem atrativo algum e em cursos e mais cursos apenas para lhes ocupar o tempo. Crianças não nasceram com celulares, celulares não brotam nelas.  Não obstante, elas brincam, brincam com o que tem, com aquilo que lhes oferecemos. É da criança brincar. Mas não lhes cobremos subir em árvores, construímos arranha-céus em seus lugares;  não exijamos  brincar de mãe da rua, as ruas não mais seguras são; não lhes permitamos das águas de nossos rios saírem outras, pois não ousamos nelas nos banhar. Minha infância foi um paraíso, mas eu não consigo olhar para minha infância no paraíso sem ser visitado pela sombra de dona Marta, sua régua de alfaiate, seu vaticínio me assombrando: “Não serás ninguém!” Eu não consigo olhar para minha infância no paraíso sem me recordar das fraturas do Pedro Henrique, dos chupões no pescoço de Maria Rita, da vida de labuta precoce do Jorge Luiz, do como maltratávamos o Tonzé. Eu brinquei a valer, mas muitos dos meus coetâneos viveram o inferno. E, hoje, parece-me, se o modo de brincar mudou, o inferno para muitas crianças ainda é o mesmo.   No Brasil de hoje, a infância de muitas crianças é de abandono e fome, mesmo conectadas a celulares. E é isto o que me preocupa, não como elas brincam.

DESESPERAÇÃO

 


Como nuvens carregadas

Cobrindo o céu de incertezas

Minha estupidez escondeu-me teu sorriso

Naufrago à deriva

Procuro o brilho de teus olhos –

Faróis de minhas noites sombrias –  

Que apenas me cospem desencanto

E, merecidamente, me condenam.

Palavras são facas que ferem

Ditas com raiva

Delas fiz o veneno que nos separa

E me mata

Tênue os fios que nos uniam

Os rompi dando asas à teimosia de me achar em razão

Quando era apenas arrogância e decepção.

Porto em que me encontrava e me reestabelecia

Fechaste-me tua acolhida hospitaleira e festiva

Já não encontro mais o calor de teu colo

Teus afagos nas noites que me angustiam

O amor não pode tudo, não se sujeita à estupidez

Das palavras que desencantam

Que querem fazer valer, ao tom mais alto,

Nossas mentiras.

O amor tem sua kryptonita, o orgulho

Que o expulsa do coração, consome-nos a razão

E nos impede pedir perdão

E neste mar revolto vou me afogando

No orgulho que me empurra ao abismo

Da desesperação.

  

quinta-feira, dezembro 16, 2021

NO TEMPO EM QUE TUDO ERA MELHOR

  

Firmeza total, mais um ano se passando

Graças a Deus a gente tá com saúde aí, morô?

Muita coletividade na quebrada, dinheiro no bolso

Sem miséria, e é nóis

Vamos brindar o dia de hoje

Que o amanhã só pertence a Deus, a vida é loka

(RACIONAIS MC’S)

 

Não obstante o esgoto correndo a céu aberto, as ruas de terra lamacentas, as casas, quando de alvenaria, construídas sem qualquer planta e sem acabamento, as crianças maltrapilhas, descalças, subnutridas, os homens sonolentos às portas de botecos, o  clima das festas de ano se aproximando se assistia nas conversas de comadres e nos botecos. As rezadeiras desfilavam pelas vielas da quebrada, de barraco em barraco, com seus padenossos e avemarias, visitando presépios, distribuindo doces para a criançada.  O time da comunidade promovia campanha para arrecadar e distribuir brinquedos, anunciava a abertura de uma rifa na rivalidade de casados e solteiros. À noite, quando se acendiam as pequeninas luzes de natal, a favela, vista de longe, das coberturas, enchiam os olhos: “era como cartão postal”, sugeria uma madama. “Nem parece um antro de vagabundos e parasitas”, comentava o marido, abrindo um Stag´s Leap: “Paris ou Rhodes?”, pergunta à madama.  O clima era de festa, a chuva dera uma trégua, as luzes piscantes de natal iluminavam as vielas. O grupo, em algazarra, voltava da escola. Combinavam um churrasco de encerramento do ano letivo, quem levava a carne, quem a cerveja, o amigo secreto, quem falava com a diretora... Ainda tinha a semana de provas, depois: “Era só alegria!” Entrando num beco, para tomar a Ladeira do Sacrifício, deram com a polícia. “Seis jovens morrem em confronto com a polícia”, deu no plantão, interrompendo a partida de futebol.  “Estamos colhendo informações, mas posso afirmar ser um caso isolado. Já tomamos todas as providências. Exigi apuração imediata. É uma fatalidade”, respondia o Governador no jornal da noite, arrotando o Stag´s Leap. Aos repórteres disse o comandante que “os polícias, surpreendidos, sentiram-se ameaçados, abriram fogo”. A cena do crime foi adulterada. A imprensa fez o seu papel de levantar suspeitas contra os jovens assassinados, relembrou históricos de violência na comunidade, a passagem de um pela Fundação Casa, o envolvimento do pai de outro com a criminalidade. Minou-se a indignação. No entanto, tudo apurado, a única arma encontrada foi uma inscrição para a FUVESTE, na mochila de um dos assassinados. Algo lido num pé de página. Era época de natal.  Quando os primeiros fogos pipocaram no céu, quatro mães lamentavam não ter mais o que celebrar ao ano que nascia. Eram tempos melhores aqueles.

sexta-feira, dezembro 10, 2021

DESEJAMOS UM BOM DIA

 

“Hoje eu tomo coragem”, ia pensando no busão, no trânsito lento da Marginal: “vou convidá-lo para sair.”  Consulta o relógio: “Se continua assim, chego atrasado. Logo hoje, com um tanto de relatório para entregar!” “Ele fica jogando umas indiretas, não toma coragem. Vou investir!” Acompanha, pelo celular, as notícias que reporta um acidente grave pouco antes de seu destino. “Vou convidá-lo para o show da Glória Groove.” Envia um zap, informando o possível atraso. “Depois, se rolar rolou. Se não rolar, é amizade que continua , ou não.” Já vislumbra o romance, as trocas de carícias, o estender da noite num motel. Sente um brivido, suspira, transpira, se abana. O teatro atrai olhares. Ruboriza de vergonha...   Não encontra o cartão no ponto, se dirige ao RH. “Senhor Jhonatham, agradecemos tua contribuição, mas já não contamos mais com tua colaboração.”  “Eu poderia me despedir da equipe, dar um alô pro Maurício?” “Infelizmente, senhor Jhonatham, a política da empresa não permite. Tenha a gentileza, queira esperar naquela sala: um colaborador trará teus pertences. Desejamos um bom dia!”

quinta-feira, dezembro 09, 2021

UM OUTRO DIA

 

Era para se chamar General. General Lopes. O pai tivera a ideia num boteco, aguardando seu nascimento.  “General não podia”, informou o funcionário do cartório. Ficou João, para descontentamento do pai. Abriu a bojudinha de corote, já para abaixo da metade, quase a esvazia em uma só golada. Limpa os beiços inchados, fruto da confusão em que se metera. Arrumou seu leito sob a marquise do banco. Fora por três anos consecutivos o funcionário do ano. Veio a crise, o banco precisou passar por reformulação. Com o desemprego, a decisão de empreender, o hábito de investir em pirâmides, foi se arruinando. Mudou da região central, para o subúrbio. Veio a separação. Foi morar no morro, num cômodo de madeira. Voltou para o centro numa invasão. Agora está alojado ali, na marquise do banco em que trabalhara por duas décadas. Por três anos seguidos fora o funcionário do ano. Recebeu muitos tapinhas nas costas e nenhuma promoção. Na primeira oportunidade: “já não atendia às novas exigências do mercado”. Dia desses, viu um dos filhos. Eram três, dois rapazes, uma moça. Este passou por ele, sem o reconhecer. “Pudera, com o rosto inchado, cheio de cicatrizes, a barba toda desgrenhada”, não condenava o filho. Sabia-se “miserável”. Se tivesse se chamado General, como o pai quisera, talvez a sorte fosse outra. “Quem sabe ainda teria o sorriso, o colo, os lábios de Mariuza, o carinho e o respeito dos filhos, uma cama confortável...” Tomou outra golada de corote. Enrolou-se em seu carcomido cobertor, recostou a cabeça num embolado de papelões. Desejou sonhar um outro mundo e não ter que acordar um outro dia.  

terça-feira, dezembro 07, 2021

A QUE SERVE FALAR EM LÍNGUAS?

 

Para Tomás Amorim Isabel

Ἐὰν ταῖς γλώσσαις τῶν ἀνθρώπων λαλῶ καὶ τῶν ἀγγέλων ἀγάπην δὲ μὴ ἔχω γέγονα χαλκὸς ἠχῶν ἢ κύμβαλον ἀλαλάζον. (Προς Κορινθιοuς A’ 13,1)
A epígrafe que abre este texto não é uma língua estranha, é grego. Mas se você não tem intimidade com o grego, ela não faz sentido algum, não te diz nada, mesmo que seja um versículo bíblico central do ensinamento paulino. Quem sabe numa outra língua estranha você a compreenda, tentemos: “Pat ja es runātu valodās, cilvēku un eņģeļu valodās, ja man nebūtu žēlsirdības, es būtu kā bronza, kas skan kā šķiņķojošs cimbāls”. Não, né! Letão – isto segundo um amigo – não é mesmo uma língua de fácil entendimento para nós.
Paulo Apostolo reconheceu o dom de línguas, mas observou que: “aquele que profetiza é maior do que aquele que fala em línguas’’. (1 Cor 14, 5). Segundo Paulo: ‘’se oro em línguas, o meu espírito está em oração, mas a minha inteligência nenhum fruto colhe” (1Cor 14, 14). Para mim, a oração em línguas é de uma relação de intimidade com Deus, onde cabe um ensinamento de Cristo: “E quando orardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de fazer oração pondo-se em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará.” (Mat, 6, 5-6).
No segredo de teu quarto até mesmo o silêncio é dom do Espírito, pois, segundo um profeta legítimo, “Deus ouve-te em teu silêncio e fala-te ao coração.” Este profeta ensina que “Deus é sutil, não espalhafatoso. Ele não está no troar dos relâmpagos, mas no sibilar dos ventos, no murmurar das águas. Mesmo quando faz milagres, Deus não dá espetáculo. Ele escapa a aplausos. Daí o Cristo ter ensinado: “não saiba tua mão esquerda o que faz a direita”” (Altamirando Boaventura). Este mesmo profeta observa: “O Espírito Santo sopra onde quer, mas não frequenta cortes e palácios, é do Espírito circular entre os necessitados, o clamor de Deus não está na boca de Reis e autoridades, está no maltrapilho, no esfomeado”
Assim, certas manifestações, ainda mais quando filmadas e viralizadas nos grupos de zap e nas redes sociais, se não é hipocrisia, é instrumentalização da religiosidade popular. E reconhecer isto não caracteriza perseguição aos evangélicos, apenas pede-lhes para estarem atentos: entre os cristãos, de todas as matizes, há lobos em pele de cordeiro. É preciso reconhecer, como o Cristo, que há entre os cristãos gente hipócrita, que faz da oração instrumento de autopromoção e de manipulação política. Suas falas incompreensíveis é puro ilusionismo e não manifestação do Espírito.
Seguindo o Apostolo Paulo, “numa assembleia, prefiro dizer cinco palavras com minha inteligência, para instruir também os outros, a dizer mil palavras em línguas (1Cor 14, 19). E como ele tinha mais apreço à profecia que ao dom de línguas, termino com nosso profeta, Altamarindo Boaventura: ‘’Não espere uma boa política de um governo que mistura interesses privados e terrenos à religiosidade de seu povo. Seu governo será um desastre e arrastará seu povo à fome, ao desemprego, à morte e será motivo de risos entre as nações.
Para quem chegou até aqui, a tradução da epígrafe que abre este texto é a seguinte: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos anjos, se eu não tivesse caridade, seria como bronze que soa como címbalo que tine (1 Cor 13, 1 - Bíblia de Jerusalém)”. E eu não vejo caridade alguma na familícia Bolsonaro.

quinta-feira, dezembro 02, 2021

[...] Tudo o que falamos de qualquer coisa, falamos de nós mesmos. Tudo que falamos da política, da sociedade, das religiões, de Deus, do amor, do outro que nem conhecemos, de tudo, é de nós que falamos. Se em qualquer coisa vemos cinismo, hipocrisia, interesses não revelados, somos nós se pronunciando no que vemos. O mundo, tudo o que há nele, nós mesmos, é produto nosso, é o que somos. [...]

 

O QUE FAZES COM TUA PALAVRA?

 

É muita treta, mano, e o corre não para, dia sim, o outro também, se vende o almoço por uma janta minguada.

Sem fogo a água não esquenta, sem consciência, mano, os grilhões não arrebentam, faz o seu corre, mas não abandone o conhecimento.

O bagulho é louco, a pegada é zika, é muita treta, o verbo é pouco pra quem tem poucas ideias.

Sem sal a comida é insossa, muito salgada é intragável. 

Quem cala não consente, suporta. 

Silêncio de mais sufoca. Mas quem muito fala não ajuda, perturba.

É preciso o tempero justo, nem ativismo, nem só reflexão. Pensar na ação, agir com o pensamento.

Quem pensa em dizer o que pensa, precisa pensar se deve dizer o que pensa para não falar bobagem e se desdizer com outras bobagens.

Dizer o que bem entende é demonstração de nada entender. Quem bem entende, entende que nem tudo se diz.

Na quebrada, o verbo é curto, mas certo! Ele não faz curva, o papo é reto, é atitude.

Ideia em movimento, palavra é faca. E a faca, mano, divide o pão, mas também mata.

Não diga apenas o que pensa, pensa no que diz. Se divide, se exclui, se ofende, se não acrescenta: engole o pensamento.

Ser livre não é dizer o que penso, eu penso muita bobagem. Ser livre é me tornar responsável pelas escolhas que faço.

O mundo não gira em torno do que sabemos. O que move o mundo é o que, podendo, ignoramos saber.

Se a temperatura não baixa, a água não vira gelo, sem estudo, sem conhecimento, o corre, mano, não muda, estarás sempre no vermelho. Sem luta não se sai do perrengue.

Os grilhões se quebram com consciência. Mas não é o que sei que muda o mundo, são minhas atitudes, o compromisso, a coerência com os com quem luto.

É muita treta, o bagulho é louco, a vida tá zika, o almoço se foi, a janta falta. Faz teu corre mano, mas não abandone os estudos. Talento conta, mas atitude, disciplina, é tudo. A palavra é faca, divide o pão e mata.

Mano, o que fazes com tua palavra? Ela acrescenta ou espalha?