No dia treze de maio de 1888, decretaram o dia do esquecimento, da anulação de três séculos de expropriação da vida e da dignidade de homens e mulheres em condição de escravidão. A liberdade concedida vinha com os auspícios de que se esquecêssemos o flagelo da escravidão. Com a liberdade “concedida”, como se luta não houvesse tido, se devia iniciar uma nova história. Deixássemos para trás toda sujeição e dor passada. Agora seriamos todos iguais: os que usufruíam da dor sangrada de nossos corpos e os que tinham apenas os corpos sangrados e maltrapilhos. Era preciso olhar para o futuro. E o futuro sorri-nos seu sarcasmo: pretos e pobres continuam sangrando executados em nossas quebradas, enquanto os que sempre usufruíram deste sangue-sofrimento desfiram de verde e amarelo por nossas ruas legitimando o genocídio de nossa gente. A liberdade que nos concede não nos convém celebrá-la, em seu bojo sorri-nos nossa miséria, porque exige-nos esquecer o porquê eles se sentem no direito de nos humilhar e matar. A liberdade se não a conquistamos por nossas lutas, recuperando e preservando nossa história, não a temos. E sem liberdade, a igualdade é um discurso enganoso. Eu não tenho a menor vontade de ser igual a quem nos mata, a igualdade deles, dos capitães do mato (a polícia), dos senhores da senzala (os que detém nossas riquezas) e seus apaziguados (esta escumalha de verde e amarelo, que tomam nossas ruas), não me interessa. Não quero frequentar os seus palácios, participar de seus chás ou churrascos. De ser livre de fato, e ser tratado com respeito e dignidade, disto não abro mão. Esta liberdade não vem sem organização, resistência e luta. Sem ela, qualquer discurso sobre sermos iguais é concessão para continuar nos matando.
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