quarta-feira, maio 19, 2021

NASCI PARA SER BREVE

Quando o dia da paz renascer, quando o sol da esperança brilhar, eu vou cantar. Quando o povo nas ruas sorrir, e a roseira de novo florir, eu vou cantar. (Pe. Zezinho)

“Quando nasci, um anjo louco disse-me: “Vai, irmão, ser insano na vida!” (Eurípedes dos Santos)

 

Eu sempre acreditei que eu havia nascido para ser breve, às varias permanências em hospitais na infância, apontavam para isto. Postulei não passar dos trinta. Cheguei e passei a ensaiar não chegar aos quarentas. Foram ensaios tímidos e erráticos, que me ensinaram que entrar e sair da existência, não nos pertence. Podemos decidir o salto, não o seu sucesso. Cabe à amada, de seu reino do não ser, aceitar-nos ou não eu seu regaço. Se não for de sua vontade, a corda não arrebenta, o choque apenas atordoa, perdemos o fôlego mas não nos afogamos, a queda te arrebenta, os ossos quebram, mas o corpo não dilacera, a existência não esvai. Tenho, portanto, aguardado que ela se me apresente e me conduza em seus braços, para seu reino do não ser. Há dias, porém, que abro o noticiário, e as noticias convidam-me a novos ensaios. Uma voz me confidencia: “insano é querer existir ainda mais um dia. O amanhã não há de ser melhor, os botões não florescerão, cães fardados de arrogância pisotearão as sementeiras; árvores serão desenraizadas antes dos frutos. Os que sonham um outro mundo, em que não sejamos números – números numa estatística perversa, marcada por balas perdidas, genocídio estatal, serão sufocados durante o sono.  Os que empunham  resistência, e gritam palavras de ordem, como se dissessem algum código mágico, capaz de dar-nos outra ordem, outro mundo, sentirão a mesquinhez, a ignorância soberba e desumana dos capitães do mato e de seus senhores. Mais uma vez a utopia do amanhã fraternal sucumbirá à ideologia Nazo-facista. Amanhã não haverá canção, a poesia será silenciada, o ódio prevalecerá.” Eu nasci para ser breve, num mundo de poucos encantos, vou existindo. E existindo, há dias rente ao desespero. Haverei, amanhã, de entrar em outra batalha perdida. Enquanto minha amada não me acolhe em seus lábios, entrar em batalhas perdidas é minha sina... Minha insanidade, num mundo que nos elimina por sermos quem somos, é acreditar na utópica fraternidade: O dia da paz é só uma ilusão que me sustenta, enquanto minha amada não me abraça. Ser visitado por ela, no dia em que entrei na existência, seria um presente. Mas, tudo indica que essa sua visita, infelizmente, deve ficar para amanhã. O amanhã da estupidez, da canalhice, do ódio, marchando braços dados, contra minhas ilusões... Nunca desejei tanto ser mais breve.

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