domingo, abril 24, 2016

CONFIAR ATÉ QUE PROVE O CONTRÁRIO


“Quando duas pessoas se encontram há, na verdade, seis pessoas presentes: cada pessoa como se vê a si mesma, cada pessoa como a outra a vê e cada pessoa como realmente é” William James

Nossa realidade cotidiana nos coloca com o pé atrás com a política, pois as experiências que vivenciamos nos revelam, com frequência, a falta de vínculos entre ética e política. A desconfiança, porém, é mais profunda. De fato, desconfiamos não da política, mas da pessoa humana mesma. Nossa visão do humano é uma visão negativa. É o ser humano que é mesquinho, que é desonesto. Numa visão hobbesriana: Somos maus por natureza. E pragmaticamente dizendo, na posição de A ou de B, faríamos a mesma coisa: somos humanos. Mas se a compreensão da política, por ser humana, guarda semelhanças com a compreensão do humano, é preciso acrescentar um critério propriamente humano à análise da política e de seus agentes: O humano é sendo.
Porque deveríamos confiar apenas em Maquiavel ou Hobbes como juízes absolutos da natureza humana e de sua mais importante ação social? Como podemos afirmar categoricamente que o ser humano é (isto nos inclui, ou não seriamos humanos) falso, ou desonesto, ou, radicalizando, mal e ao mesmo tempo desejar que ele seja honesto, seja bom e se comprometa com a verdade?
Do mesmo modo que todos os dias faço a experiência de situações que me fazem suspeitar das pessoas, também faço a experiência da generosidade, da solidariedade, da militância engajada de milhões de voluntários. Pessoas que por um sorriso num rosto desconhecido, pelo brilho num olhar abandonado, pelo direito de que o outro também tenha acesso ao mundo e ao que nele o homem produz, me ensinam constantemente que o ser humano não é totalmente mal.
É preciso desconfiar de quem insiste em desqualificar a política. Ela é ação humana, não isolada, mas coletiva que visa um fim. Para muitos seu fim é o poder, estes a corrompem. Mas há aqueles que veem na política a construção do Bem Comum, algo difícil de traduzir, porque para se chegar ao que é comum a todos é preciso que todos se manifestem.
Desqualificar a política; reduzi-la a ação de alguns poucos (os desonestos) é impedir que todos se manifestem; é perpetuar a condição em que ela se encontra, isto é, dissociada de uma ética. O discurso maquiavélico serve a isto: a manter as coisas como estão. É preciso superar este discurso. É preciso dizer ao ser humano que ele não é mal e nem bom por natureza, mas, ser sendo. É por suas escolhas que ele se vai afirmando e produzindo o mundo.
Estas escolhas não são isoladas e não recai sobre si apenas e nem estão destituídas de critérios. Como as possibilidades de escolhas se dão mediante um conhecimento sempre incerto de nós mesmos e da realidade que nunca dominamos plenamente, só a desconfiança nos possibilita reconsiderar constantemente nossas escolhas e avançar por sobre nossos erros.
Politicamente, desconfiar é saber que, sendo uma ação humana, a ação política – escolha pelo poder ou pelo bem comum – só pode ser julgada a seu termino. Quando podemos observar se seu fim se coaduna à sua intenção.
Se a minha crença no campo de trigo for que ali só nasce trigo, eu vou colher joio misturado ao trigo. Mas se eu desconfiar que entre o trigo possa haver também joio, antes de colher o trigo eu vou procurar reconhecer e separar o joio. Num sentido inverso, se eu acreditar que na política (e querem me fazer acreditar nisto) só há malandros, eu deixo de olhar para os poucos bons que ainda se arriscam a propor o bem comum e os desconsidero. Mas se eu olhar com desconfiança para estes que reduzem a política a um covil de raposas e que dizem que a política é isto mesmo e atentar um pouco mais para as pessoas, talvez eu encontre pessoas seriamente comprometidas com o bem comum, que realmente querem uma política associada à ética. Desconfiar, neste sentido é positivo, porque não é negação, nem rejeição.
Não somos maus, não somos bons até o fim de uma ação. Eu ainda acredito que somos capazes de construir um mundo melhor e a realidade me mostra todos os dias pessoas que estão dando a vida por isto. Não participar da vida política é abandonar estas pessoas à própria sorte e entregar meus sonhos às raposas.
Por isso, se “todo mundo é suspeito”, canta o grupo Titãs: “É bom desconfiar/ De ser desconfiado/ Não vou desconfiar de você/ Até que prove o contrário”.
Que do meio deste joio, possamos descobrir o que é trigo.

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