sábado, abril 23, 2016

ANNE

Narrar a história de homens e mulheres que viveram e que inventamos ter vivido torna o mundo um lugar habitável (Christine Ramos)


Jacob contou a Pompeu a história de Anne Frank. Daí o nome de Anne, filha de Pompeu. Anne nunca viu uva, mas sabe que o vinho e o vinagre são produzidos a partir dela. E ela só sabe do vinho e da uva, porque o pai os recebeu como pagamento pelo consertos de alguns sapatos. Pompeu e Jacob acertavam que “numa refeição, a combinação do vinagre ao azeite na salada e do vinho na taça, rende um momento de extraordinário prazer. No entanto, se invertermos os usos, condimentando a salada com vinho e levando vinagre à taça, o resultado será totalmente desagradável”. Jacob comprometeu-se a trazer, de sua próxima viagem, uvas, “para a pequena Anne saber o que é, e o “camarada”, matar saudades da terra”. Anne não entendia tudo que Jacob dizia, mas gostava de suas visitas ao pai. Caixeiro viajante, às vezes levava meses sem aparecer. Mas, cada vez que aparecia trazia uma história diferente. Jacob e Pompeu se conheceram no navio que os trouxeram ao Brasil no curso da Segunda Grande Guerra. A amizade entre eles nasceu no mesmo momento em que se conheceram “n’è vero carcamano”, brincava Jacob com Pompeu. Jacob trouxe a Pompeu o livro de Primo Levi. Passaram a tarde conversando, para deleite de Anne que a certo ponto ouviu de Jacob: “a vida humana arrisca de desaparecer para sempre se não é recordada e contada por alguém.” Depois contou a história de um Imperador que ordenou a execução de 10 conspiradores. “Meses depois da execução, ficou ele sabendo que entre os executados, um era inocente.  O imperador, então, mandou convocar todo o império e diante de seus súditos se depôs do trono. Os súditos todos, atordoados, indagavam o imperador tamanha atitude. O imperador explicou-se: “Se em um pelotão de fuzilamento houver 100 homens e entre eles, por erro do aparelho de Estado, um inocente for fuzilado, o Estado terá cometido um desagravo profundo à humanidade, não terá sido apenas injusto, terá sido desumano. Eu não suportaria viver num Estado desumano, quanto mais governá-lo””.  Neste dia Anne resolveu que seria contadora de histórias. Contaria histórias que iluminam dias sombrios.

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