Sou um ser humano: tudo aquilo que acontece a um ser humano concerne a mim também. (Cremes de Terêncio, em Kant: Fundamentação da metafísica dos costumes)
A ação que possa concordar com a autonomia da vontade é permitida; a que com ela não concorde é proibida (KANT: Fundamentação da metafísica dos costumes).
O termo é apresentado por Emmanuel
Kant, em 1785, em sua obra Fundamentação
da metafísica dos costumes, que tem como objetivo central: “a busca e
fixação do princípio supremo da moralidade.” Kant defende a capacidade da
vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma
estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com uma influência
subjugante, tal como uma paixão ou uma inclinação afetiva incoercível, e tal
capacidade tem sua expressividade na autonomia. Assim, a autonomia, para Kant,
consiste na apresentação da razão para si mesma de uma lei moral que é válida
para a vontade de todos os seres racionais.
Pensa Kant que a lei moral
não pode ser imposta de fora ao homem, nem mesmo por Deus. O homem, ao seu
parecer, está atrelado a uma legislação moral simplesmente pelo fato de que a
voz que o chama para a obediência dessa legislação parte de seu próprio ser, de
sua própria consciência. A autonomia, identificada, então, por Kant como sendo
o fundamento da vontade diverge da heteronomia, que surge quando a razão é
determinada por um interesse egoístico ou uma inclinação sensível “devo fazer
tal coisa, porque quero uma tal outra.”
Para uma determinada ação
ser autônoma ela não pode estar a serviço dos desejos pessoais de cada
indivíduo, o que a tornaria condicionada e heterônoma. A ação autônoma se dá
pela capacidade de escolher apenas aquilo que a razão, independente da inclinação,
reconhece como praticamente necessário, quer dizer como bom. (FMC, BA 36).
Em torno da autonomia, a
pergunta que Kant se propõe é a seguinte: existe um imperativo que não está a
serviço de qualquer fim subjetivo? E mais: há um imperativo capaz de expressar
um mandamento absoluto e incondicionado da razão prática, ou vontade?
Ao lançar tal
questionamento, Kant adverte que nós temos uma vontade imperfeita do ponto de
vista subjetivo, isto é, uma vontade que se inclina facilmente aos desejos e a
interesses contrários à razão. E a razão nos dita a agir sempre segundo o bem,
que não se confunde (isto sou eu que estou a dizer), com a satisfação ou a
comodidade. A autonomia consiste em agir não segundo o melhor a ser feito, mas
segundo o que, de fato, guiado pela razão, se deve fazer.
Ao fim de sua empresa,
conclui Kant que “o homem é um fim em si mesmo” e não pode ser utilizado como
meio ou instrumento para a consecução de finalidades de outrem. “Ora, se os
homens são fins em si mesmos, e não podem ser utilizados como meio para a
obtenção de outros fins; se os homens são os únicos seres no mundo capazes de
viver segundo as leis que eles próprios editam, daí se segue que só os homens
têm dignidade; o que significa que eles não têm preço. O preço é o valor
daquilo que pode ser substituído por outra coisa. Mas os homens em geral, e
cada homem em particular, são propriamente insubstituíveis na vida.” (Fabio
Konder COMPARATO. Ética, Direito, Moral e
Religião no Mundo Moderno. São Paulo: Companhia das Letras. 2006, p. 297)
Na busca de fundamentar a
autonomia, Kant oferece um princípio, que ele nomeia imperativo categórico, para
orientar a vida humana, em qualquer circunstância: “Age de forma a tratar a humanidade,
não só em tua própria pessoa, mas na pessoa de qualquer outro, ao mesmo tempo
como uma finalidade e jamais simplesmente como um meio” (in. COMPARATO, 297). Em
outros termos: não faças ao outro aquilo que não farias a ti.
Neste sentido, a autonomia
preconiza a capacidade de escolha, mas não de qualquer escolha, mas orientada
por um princípio, que repetimos: não faças ao outro aquilo que não farias a ti.
Então, em que consiste a
autonomia do professor: a de não desinformar, a de não ensinar conhecimentos destituídos
de fontes verificáveis, prováveis, universalizados. Mesmo que numa perspectiva
crítica e provocante o ensino não pode ser engodo ou demagogia. E em que
consiste a autonomia do médico, não é a de prescrever qualquer medicamento ou
terapêutica, mas em, fundado em conhecimentos consolidados, promover a saúde, a
preservação, a melhor qualidade de vida de seus pacientes. Professores, vocês, em
sua formação continuada, gostariam de ser formados por profissionais pouco
consistentes em seus conhecimentos e que fundam seu ensino em estudos e
pesquisas sem qualificação, sem referências, sem fontes, fundados apenas em
suas suposições? E vocês médicos, tomariam medicamentos duvidosos? Se tratariam
com profissionais que abrem mão de estudos e pesquisas qualificadas e adotam
procedimentos personalistas?
A razão dita-nos apenas duas
normas: Ousa conhecer! Faça ao outro o que esperas a ti!
Sem conhecimento não há autonomia,
que, ao fundo, consiste em oferecer ao outro aquilo que desejas receber:
verdade, respeito, conhecimento, confiança ...
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