quinta-feira, junho 24, 2021

A PORCA DE SÁ ODORICA

 


“Cumpadre, cê se lembra?”. Quando ouvíamos esta expressão, já sabíamos: lá vinha um causo. “Cê se lembra de Raimundo, fio de Sá Odorica, que tinha uma porca de estimação. Ela tratava a bicha como filha. Tinha até nome a bendita. Chamava se Maria Rita. Cê se lembra, cumpadre de Sá Odorica? Quem esquece Sá Odorica! Sá Odorica era madrinha honorária dos órfãos das Irmãs da Imaculada. Um dia indo visitar o orfanato, levava consigo um cesto de pão, marmelada e queijo, para lanchar com os órfãos e órfãs. No caminho, Sá Odorica foi interpelada por uma senhora que lhe pediu esmola. E Sá Odorica deu-lhe algumas moedas e dos pães, da marmelada e do queijo. Dizem, que agradecida, a velha senhora deu-lhe Maria Rita. Mas voltemos a Raimundo, fii de Sá Odorica. Pois então, cumpadre, Raimundo de Sá Odorica andava amuado, encostado pelos cantos, ombros caídos, rastando pé, resmungando. Foi de Sá Odorica levar Raimundo em dona Dita. Cê se lembra de dona Dita, cumpadre? Lógico que se lembra, cumpadre! Num foi dona Dita que lhe fez aquela garrafada de melado, com ervas e raízes, de quando cê convalesceu, cumpadre. Foi sim cumpadre, oh si num foi! Então cumpadre, deu de Sá Odorica levar Raimundo em dona Dita. E dona Dita, assim dizem, consultou o mazelado, pousou a mão em sua cabeça, na testa, no peitoral, olhou fundo nos seus olhos, dentro de sua boca, sentiu cheiro de seu bafo, experimentou sua saliva, fez o rapazola levantar bem os braços. Depois, assim dizem, acendeu vela, pitou charuto, queimou ervas, e chamuscou fumaça no atempado, enquanto rezava avesmaria e crendeuspadres.   “É feitiço!” Disse em seguida, naquela voz rouca e sombria. Cê se lembra da voz de dona Dita, cumpadre, era de dar arrepio! “Este menino (numa voz sombria) está de quebranto de amor. Em São João, antes da meia noite, ele deve pular fogueira três vezes, e pedir a São João que lhe revele aquela que lhe tomou o coração. A cada vez que ele pular a fogueira, deve fazer esta oração: Glorioso São João Batista, que a Cristo batizou, revele-me numa fita quem meu coração roubou.” Cê se lembra cumpadre, foi das festa de São João, a festa mais bonita, não teve outra igual no tempo. E a história de Raimundo, que corria de orelha a orelha, atraiu grande público. Arrastando os pés como andava, poucos acreditavam que Raimundo, saltaria fogueira. E, a custo de fato, dona Dita o arrastou ao festejo. Lá pelas tantas, noite avançando, já se preparava o foguetório, a fogueira crepitava com o fogo dançando animado, parecia apenas ateado. Raimundo se arrastando, tomou de coragem. Num se sabe por que milagre o danado deu os três saltos rezando o combinado. No fim do terceiro salto, num é cumpadre, que o menino tava sarado! E para surpresa de todos, a leitoa de dona Dita, que era toda enfeitada de fitas, de seu colo deu um salto, e transformando-se numa moça das mais bonita a Raimundo enlaçou uma das fitas.” Era noite de São João, e tia sabia cada causo!  

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