terça-feira, março 02, 2021

IDEOGRAMA

 

“Às vezes no silêncio da noite, eu fico pensando em nós dois...”

 

Querida, desculpe-me se vou direto ao ponto, correndo o risco de estar cometendo uma cafajestagem. É que, dia desses, mesmo absolvida em minhas atribuições, não pude deixar de acompanhar conversa sua com uma colaboradora. Como não participava diretamente da conversa, não sei precisar seu conteúdo, mas alguns fragmentos tocaram-me. “Sinceridade é tudo”, dizia você à colaboradora. Num outro instante você arguiu não gostar “de floreios”: “Sou mais o sujeito que chega e diz logo o que quer, que esses metidos a romântico, cheios de lisonjeio. Comigo tem que ser na lata, preto no branco”. Pois bem, embora trabalhemos a considerável tempo juntas, não temos intimidade. Vez ou outra, trocamos gestos breves de cortesia, tudo na mais comedida polidez, como se requer entre pessoas educadas e em um sadio ambiente de trabalho. Mas não somos de trocar intimidades. Acho que é devido um pouco à minha timidez. Eu sou de ficar de canto, de não me enturmar. Mas vamos ao ponto, sem rodeios, sem meias palavras: quero transar com você. Quero beijar-te um demorado beijo, de arrepiar os pelos, correr-me por teu corpo, brincando com seus mamilos, instalar-me entre tuas pernas e deliciar-me em ti. Quero escorregar minha língua por seu corpo inteiro, sentindo o seu cheiro, sua carne tremendo, seu coração pulsando. Quero brincar com todos os teus sentidos e, então, quero te fazer sentir prazer e gozar intensamente. Desejo pegar-te de jeito, nas mais variadas posições, uma noite inteira. Pronto! Falei! Cabe esclarecer que este desejo nasceu recentemente e de uma situação peculiar. Desde que trabalho nesta empresa, acompanho, por oficio, suas atividades, observando planilhas, relatórios, sua interação com os funcionários, pontualidade, prontidão, disponibilidade. Sou eu quem avalio seu desempenho e aprovo uma sua possível promoção. Admiro sua reservada compostura e compromisso profissional, sua prontidão às metas é exemplar. O fato é que nunca a tinha notado fora dos padrões profissionais até pouco mais de um mês. É bem verdade que tem um nosso companheiro que, com certas observações maliciosas ou mesmo grosseiras, vez ou outra, faz-nos notar alguns seus atributos, como de outras companheiras. Mas entre homens, você já deve ter percebido, é corriqueiro ou discutir futebol ou estar fantasiando arroubos sexuais em aventuras que jamais vivenciarão. De tal modo, mesmo com as observações desse nosso companheiro, jamais cheguei a devotar qualquer distinção por você ou qualquer outra funcionária, vítimas de sua boçalidade. Mas, como disse, acerca de pouco mais de um mês, em um seu movimento para ajustar a blusa no corpo, ao levantar-se, notei que você tem uma singela tatuagem em seu quadril direito, um pouco abaixo da linha do umbigo. Pareceu-me tratar-se de um ideograma chinês. Tivesse intimidade, eu teria perguntado a você o porquê de tal tatuagem e o significado. Retive-me, por receio de intromissão e indevida curiosidade. Ademais, foi uma situação muito rápida. Nasceu, porém, a curiosidade junto com a dúvida de ser mesmo um ideograma chinês que eu vira, e, por conseguinte, seu significado. Evitando aborda-te, procurei na internet por algo parecido com o que conservava em mente. Uma empreitada infeliz. Passei, então, a observa-te, na esperança de rever a tal tatuagem. Devido a seu recato no vestir-se, e distinção nos modos, tive apenas outras duas, também fugazes, oportunidades. Este estar a observar-te melhor, sua tatuagem, passei, indiretamente, a saber mais sobre você. Assim, percebi que você costuma ciciar uma canção do Cazuza, enquanto confere o material a ser reciclado, e outra da Rita Lee, quando analisa as tabelas de produção. Descobri que você aprecia Dostoiévski, que desconheço quem seja. Acompanhei uma sua conversava com a copeira e você comentava algo acerca de um “idiota”, penso que seja este Dostoiévski, pois citastes o nome dele. Reforço que meu interesse era caracterizar melhor o ideograma. E no ir observando-te acabei notando que você carrega uma flor de lótus na altura do cóccix, e um olho de Osíris, centrado na passagem do pescoço para o tronco, na linha dos ombros. De um comentário seu, que ouvi passando da copa ao banheiro, soube que você tem outras duas tatuagens. Uma no franco esquerdo, um pouco abaixo do busto, parece ser uma inscrição. A outra ignoro do que se trata e onde se localiza. Em sua mesa de trabalho, observei anotações sobre Lacan e Zizek. Passei as últimas noites pesquisando na internet sobre os mesmos. Confesso não ter entendido coisa alguma. Descorçoei. Mas, depois fiquei fantasiando eu e você tratando de cultura chinesa, Lacan, e esta coisa de significante, signo, significado, desembocando num jogozinho inebriado, os nossos corpos buscando o êxtase desmesuradamente. Querida, bem sei que o desejo que aqui expresso poderia conservá-lo, como conservo certas fantasias sexuais e as desafogo comigo mesma. Não é nenhuma necessidade premente. Mas, ficaria lisonjeada se aceitasse meu convite de passarmos uma noite juntas, num motel aqui perto. Aquele às margens do Pindorama, próximo ao retorno que dá acesso à Duque de Caxias.

 

No aguardo de um seu assentimento

Renata Bessa (Gerente de RH)   

 

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