Na época em que ainda, “inocentes”, fazíamos planos de viajar o mundo de mochilas nas costas e pouco dinheiro no bolso, corríamos pela orla, ficávamos horas no chapadão assistindo as ondas arrebentarem-se nas pedras, os surfistas e suas manobras, os banhistas, o céu ao horizonte multicolorindo-se. Eu deitado em teu colo, falava-te da escola, dos professores, da turma, e, para provocar-te, da Izaura. Havia tanta beleza em ti, tanta alegria, tanta vontade de vida, de uma vida de aventuras. Às vezes, ficávamos no Marujo, petiscando marisco frito, tomando cerveja, acompanhando os pescadores preparando os barcos, as redes, lançando-se ao mar... Nós nos víamos numa daquelas barcas assumindo o mar, tornando-o nossa estrada, nosso destino, nossa morada. Pensávamos viver de porto em porto. Em nossos sonhos não havia noites tenebrosas, tinha sempre estrelas nos iluminando e uma lua plena nos guiando. Em nossos sonhos não havia dias terríveis, tenebrosos, não havia insanidades, havia incrédulos, mas não negacionistas. Em nossos sonhos reinava a sensatez, a camaradagem, o bom humor, a cortesia, a partilha, a solidariedade. Nos víamos atravessando o mundo sendo acolhidos sem distinções, sem restrições, sem classificações. Nós sabíamos dos conflitos, das guerras, da intolerância, da violência que nos campeia, mas projetávamos um outro mundo. Um mundo que me lias em tuas poesias, que cuidando de tuas plantas me ensinava. Numa daquelas tarde de nossa “inocência”, falaste-me de uma casa com jardim, horta para suas ervas, pomar, uma biblioteca. E um quarto em que um gigante haveria de reinar. De tão feliz que fiquei, lancei-me tal criança no mar, abracei-te e beijei-te tanto que o mundo parou a nos contemplar. Nossos planos mudaram, os sonhos não. Com eles criamos os meninos, que seguem os próprios caminhos. Não estava tudo perfeito, nos desdobrávamos para ajustar-nos à realidade, sem perder a “inocência de nossas tardes”. Então, por que fazes isto comigo? Por que partes para as aventuras de nossos sonhos, para o outro mundo possível? Por que te vais? Por que eu fico? Porque levas nossos planos, nossos sonhos, nossa inocência contigo? Por que tira-me o chão? Por que deixa-me sem sentido?
Estamos chegando a 300mil sonhos que hão de se realizar em outro mundo. Neste não cabe inocência só desespero...
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