quarta-feira, novembro 06, 2019

EU NÃO SOU NEGRO


“Tomar consciência de si sem se negar é como entrar nas águas de Narciso.” (Rodner Lúcio)

No Brasil a negritude é fruto do sistema escravista. Nossa sociedade é fruto do trabalho escravo e suas estruturas continuam a reproduzi-lo. O escravismo frequenta ainda hoje as mentes de grande parte de nossas elites econômicas, políticas, intelectuais, religiosas e se alastra em largos setores de uma classe média medíocre. Por mais que queiramos afirmar que o negro, a negra são homens e mulheres e precisam ser dignificados como tais, a negritude é o apagamento desta evidência. A negritude rebaixa a dignidade de nós homens e mulheres, brasileiros, brasileiras, de pele escura e retinta. Parafraseando Joaquim Nabuco que dizia “o escravismo degradava o escravo e corrompia o proprietário”, a negritude apaga homens e mulheres num termo e torna parte de nossa sociedade repugnante. Nossa esperança era que afirmando positivamente a negritude, derrogássemos o escravismo e emprestássemos dignidade aos despossuídos e extorquidos de nossa sociedade. Não, negro, negra para alguns é uma vergonha para outros um xingamento, uma ofensa. É preciso contexto para usar o termo: o tom de vós, o tom de pele, o ambiente em que se usa pode corresponder a articulação de movimentos sociais, mas bem pode caracterizar exclusão. Dependendo de quem vem: nego, nega é carinho ou ofensa. Na afirmação, então, de nossa condição nos deparamos com nosso apagamento e a negação de nossa participação plena em todos os segmentos e ambientes sociais. Mas tomarmos consciência de que somos mais que uma condição marcada pelo tom de nossa pele já não é suficiente. É preciso passar para negação. A consciência é um movimento dialético. A afirmação visibiliza, coloca em foco. A negação criticiza, provoca superações. A conscientização continua necessária. E criticamente afirmo, não sou negro: eu sou homem, sou mulher, brasileiro, brasileira com plenos direitos de ocupar qualquer função e ou posição social, de ingressar e circular por qualquer ambiente comercial ou social sem receios. Ser tratado com dignidade e respeito não é uma concessão que peço, devido ao tom de minha pele. É um direito que tenho, para além do tom de minha pele. É hora de dizer que tomando consciência de nossa condição, nós não a aceitamos, nós não a exaltamos, nós queremos supera-la, porque ela nos apaga, nos rebaixa, nos avilta. Ser negro não é ter um lugar. Eu não quero ficar restrito à negritude, eu quero o estatuto pleno. Não sou negro! Para nossas elites econômicas, políticas, intelectuais e religiosas, e para a parcela medíocre de nossa classe média, afirmarmo-nos negros não passa de uma evidência. Esta expressão soa a seus ouvidos: “eu estou aqui para servir-vos!”. E a ela eles respondem desdenhosos: “então, ponha-te em teu lugar”. Não, o que os perturba, o que lhes tira o sono não é afirmamos nossa diferença é exigimos igualdade. E a igualdade se exige negando o lugar que nos determinam. Ato político, e ofensivo, é afirmar-se brasileiro, brasileira e afirmar que temos o direito de assumir as mesmas funções e posições políticas, econômicas, sociais que eles, que temos o direito de circular os mesmos espaços que eles e receber o mesmo tratamento respeitoso que eles. Que não queremos lugar de fala, porque queremos e podemos falar em todo lugar. A estética: “o negro é bonito!” tem que ceder à política: O Negro tem fala e não apenas aparência.  E eu quero poder falar em qualquer lugar, sobre qualquer coisa e não de um lugar de fala de um sempre e mesmo assunto: minha negritude. Eu não sou negro! Se este lugar não me liberta, se este lugar me restringe! Eu não sou negro é para romper com o lugar de fala, um lugar cômodo para quem não nos quer ouvir, para exigir o lugar da fala, a tribuna, a cátedra, o púlpito o parlamento e poder falar e ser ouvido sobre qualquer assunto. Não sou negro: sou logos! Eu não preciso ser bonito, preciso ser levado em conta. Não somos um elemento racial. Somos uma parcela de um povo, a parcela dos que não conta nos lugares da fala.

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