“Tomar consciência de si sem
se negar é como entrar nas águas de Narciso.” (Rodner Lúcio)
No Brasil a negritude é
fruto do sistema escravista. Nossa sociedade é fruto do trabalho escravo e suas
estruturas continuam a reproduzi-lo. O escravismo frequenta ainda hoje as
mentes de grande parte de nossas elites econômicas, políticas, intelectuais,
religiosas e se alastra em largos setores de uma classe média medíocre. Por
mais que queiramos afirmar que o negro, a negra são homens e mulheres e
precisam ser dignificados como tais, a negritude é o apagamento desta
evidência. A negritude rebaixa a dignidade de nós homens e mulheres, brasileiros,
brasileiras, de pele escura e retinta. Parafraseando Joaquim Nabuco que dizia
“o escravismo degradava o escravo e corrompia o proprietário”, a negritude
apaga homens e mulheres num termo e torna parte de nossa sociedade repugnante.
Nossa esperança era que afirmando positivamente a negritude, derrogássemos o
escravismo e emprestássemos dignidade aos despossuídos e extorquidos de nossa
sociedade. Não, negro, negra para alguns é uma vergonha para outros um
xingamento, uma ofensa. É preciso contexto para usar o termo: o tom de vós, o
tom de pele, o ambiente em que se usa pode corresponder a articulação de
movimentos sociais, mas bem pode caracterizar exclusão. Dependendo de quem vem:
nego, nega é carinho ou ofensa. Na afirmação, então, de nossa condição nos
deparamos com nosso apagamento e a negação de nossa participação plena em todos
os segmentos e ambientes sociais. Mas tomarmos consciência de que somos mais
que uma condição marcada pelo tom de nossa pele já não é suficiente. É preciso
passar para negação. A consciência é um movimento dialético. A afirmação
visibiliza, coloca em foco. A negação criticiza, provoca superações. A
conscientização continua necessária. E criticamente afirmo, não sou negro: eu
sou homem, sou mulher, brasileiro, brasileira com plenos direitos de ocupar
qualquer função e ou posição social, de ingressar e circular por qualquer
ambiente comercial ou social sem receios. Ser tratado com dignidade e respeito
não é uma concessão que peço, devido ao tom de minha pele. É um direito que
tenho, para além do tom de minha pele. É hora de dizer que tomando consciência
de nossa condição, nós não a aceitamos, nós não a exaltamos, nós queremos supera-la,
porque ela nos apaga, nos rebaixa, nos avilta. Ser negro não é ter um lugar. Eu
não quero ficar restrito à negritude, eu quero o estatuto pleno. Não sou negro!
Para nossas elites econômicas, políticas, intelectuais e religiosas, e para a
parcela medíocre de nossa classe média, afirmarmo-nos negros não passa de uma
evidência. Esta expressão soa a seus ouvidos: “eu estou aqui para servir-vos!”.
E a ela eles respondem desdenhosos: “então, ponha-te em teu lugar”. Não, o que
os perturba, o que lhes tira o sono não é afirmamos nossa diferença é exigimos
igualdade. E a igualdade se exige negando o lugar que nos determinam. Ato
político, e ofensivo, é afirmar-se brasileiro, brasileira e afirmar que temos o
direito de assumir as mesmas funções e posições políticas, econômicas, sociais
que eles, que temos o direito de circular os mesmos espaços que eles e receber
o mesmo tratamento respeitoso que eles. Que não queremos lugar de fala, porque
queremos e podemos falar em todo lugar. A estética: “o negro é bonito!” tem que
ceder à política: O Negro tem fala e não
apenas aparência. E eu quero poder falar
em qualquer lugar, sobre qualquer coisa e não de um lugar de fala de um sempre
e mesmo assunto: minha negritude. Eu não sou negro! Se este lugar não me
liberta, se este lugar me restringe! Eu não sou negro é para romper com o lugar
de fala, um lugar cômodo para quem não nos quer ouvir, para exigir o lugar da
fala, a tribuna, a cátedra, o púlpito o parlamento e poder falar e ser ouvido
sobre qualquer assunto. Não sou negro: sou logos! Eu não preciso ser bonito,
preciso ser levado em conta. Não somos um elemento racial. Somos uma parcela de
um povo, a parcela dos que não conta nos lugares da fala.
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