quarta-feira, novembro 20, 2019

RACISMO COVARDE


A ideia que entende a humanidade constituída por raças diferentes se difundiu com a formação dos Estados nacionais europeus no século XVI e raça significava pertencer a uma linhagem. Até o século XIX, não havia uma classificação entre raças superiores e inferiores. A definição de raça como um sistema de classificação humana se dá na França, no século XVIII com a criação da Frenologia. A Frenologia pretendeu estabelecer as características de cada raça com base nas medidas e no tamanho do cérebro. Ela influenciou as teorias eugênicas sobre raças superiores nos séculos XIX e XX. Um de seus mais destacados adeptos foi o italiano Cesare Lombroso, criador da Antropologia Criminal, defendia que a criminalidade era uma questão biológica e hereditária. No século XIX, com o chamado darwinismo social, se afirmará não só a diferença de raças humanas, mas a superioridade de umas sobre as outras e a eugenia, que propõe uma seleção artificial das raças, eliminando as raças inferiores. O racismo é a aplicação prática dessas teorias. Sua expressão ocidental mais trágica deu-se com o nazismo e os campos de concentração, sobremodo Auschwitz.
No Brasil o racismo sofre influência de Arthur de Gobineau, um conde francês, partidário de um determinismo racial absoluto. Gobineau escreveu o Ensaio “Sobre a desigualdade das raças humanas” (1855), que apresenta os primeiros fundamentos para a eugenia e o racismo no século XiX. Ele serviu como diplomata no Brasil durante o segundo império e teve grande influência na corte. Gobineau considerava o Brasil, devido a miscigenação de seu povo, uma nação dada ao fracasso, à degeneração. A única saída seria o incentivo à imigração de "raças" europeias, consideradas superiores. Nossa sociedade escravista absorveu com deleite as teses de Gobineau e delas se alimentam ainda hoje.
É preciso pontuar que o racismo não é universal, não são todos os homens e mulheres que são racistas. O racismo tornou-se uma ideologia de classe, justifica o poder e os privilégios econômicos de uns poucos. Como toda ideologia, atinge indivíduos fora das classes privilegiadas, mas é uma ideologia de classe.
Condenado moral e criminalmente, é combatido no mundo todo. No entanto, como uma doença incurável, alimenta entre nós a visão de mundo de uma elite presa ao escravismo.
E em sua expressão mais bárbara e irracional tem se manifestado como pratica covarde. Falta a seus adeptos argumentos, são homens e mulheres ignorantes que alimentam uma fantasia de superioridade. Como não há mais ciência que justifique tal fantasia, fazem uso da arrogância, da força, da injuria e da brutalidade para imporem-se como se fossem senhores de engenho. A atitude do deputado Marcio Tadeu, do PSL, é uma ilustração cabal de tamanha covardia.

terça-feira, novembro 19, 2019

CONSCIÊNCIA HUMANA E CONSCIÊNCIA NEGRA




“A consciência humana é um atributo de um psiquismo complexo e a complexidade desse psiquismo é produzida em condições objetivas de vida e de educação” Profª. Drª. Lígia Márcia Martins

Se é preciso falar de consciência humana, vamos falar de consciência humana.
A consciência é a percepção imediata daquilo que se passa em nós e fora de nós, é a impressão primeira que temos de nossos atos de nosso estado psíquico e da realidade. É também a capacidade que tem o espírito humano de imitir juízos espontâneos. Das operações imediatas nós distinguimos, diferenciamos, relacionamos, tiramos conclusões. Ela se prende à mera aparência da realidade sem se dar conta das contradições que movem a realidade e presa à espontaneidade da percepção imediata produz equívocos, distorções, mistificações, falsas concepções de si e da realidade.
A realidade é movida por contradições e conhecer e compreender estas contradições é fundamental para entendermos como criamos um conceito universal de humanidade em que homens e mulheres são iguais, merecem ser tratados com a mesma dignidade e respeito e, ao mesmo tempo, alijamos e impedimos populações inteiras e grupos humanos específicos de desfrutarem do mínimo de nossa riqueza material e cultural, condenando-os a condições sub humanas de existência.
Percebendo as contradições que entremeiam a percepção imediata e procurando compreender tais contradições nós percebemos que consciência imediata não é a fonte de todo conhecimento e de toda ação, e pode converter-se em fonte de enganos e ilusões. Daí que a consciência assume uma dimensão reflexiva, buscando amparo no conhecimento e na critica ao conhecimento.
Sem conhecimento nós ficamos presos à mera aparência da superficialidade do imediatismo, e limitamos nossa capacidade de entender o mundo no qual vivemos e suas contradições. O conhecimento amplia e aprofunda nossas concepções de mundo, nos auxilia a entender como natureza, cultura e sociedade se relacionam e condicionam as formas de nossa inserção no mundo. No entanto, as ciências, as artes, a religião, a filosofia, fontes de nosso conhecimento também produzem enganos e alienações. Daí que a consciência precisa ser critica. Para ampliarmos nossa compreensão das contradições que nos marcam devemos nos ancorar no conhecimento, mas é preciso um ponto crítico ao conhecimento.
A consciência crítica não para no conceito de natureza como elemento orgânico necessário à nossa existência, ela busca compreender as contradições que as ciências produziram e que nos levam a aniquilar os recursos naturais, a devastar florestas, a produzir o caos ambiental que ameaça a existência de novas gerações. Da consciência crítica nasce a consciência ambiental que defende a necessidade de frear a ação indiscriminada sobre a natureza.
Do mesmo modo a consciência crítica não se firma no conceito de humanidade universal. Ela questiona a formalidade dos princípios universais e aponta a distância entre estes princípios e a realidade concreta. Ainda há homens e mulheres vivendo em condições sub-humanas, ainda há homens e mulheres que vivem alijados de nossa riqueza material e cultural, há ainda homens e mulheres que devido sua opção religiosa, sexual, são perseguidos, destratados e mesmo mortos, há ainda homens e mulheres que devido à pigmentação de sua pele, devido a seus traços físicos são destratados, humilhados e mesmo mortos. A consciência critica desperta movimentos que colocam em causa tais contradições e cobram o avanço em direção aos princípios fundamentais que regem o conceito de humanidade. O dia de Consciência Negra não se contrapõe a Consciência humana, ele faz um apelo para que essa consciência não seja um apego ao espontaneísmo da consciência imediata que diz: “somos todos iguais”, mas ignora o desrespeito, o destrato, a morte continua de homens e mulheres, crianças, jovens, adultos, devido a pigmentação de sua pele. Em seu nível mais elevado a consciência humana é consciência transformadora. O dia de Consciência Negra aponta para as transformações que devemos enfrentar, aponta para o nível mais elevado de consciência humana.

sábado, novembro 16, 2019

CONSCIÊNCIA NEGRA




“É verdade, as pessoas não nascem racistas. Mas se se tornam é porque o racismo existe. E reconhecer sua existência é o primeiro passo para combatê-lo.” (Ildes Comparato).

“O racismo é a pretensão de ser superior a uma pessoa ou grupo humano, devido sua etnia. E tal pretensão te leva ao ponto de submeter a pessoa ou grupo humano a seus caprichos e descartá-los como se descarta um objeto inutilizado. É uma doença do ego.” (Josias Capello)

A expressão "consciência negra" foi cunhada pelo ator político anti-colonialista Sul Africano Steve Biko. Steve Biko tinha 30 anos, quando foi preso, torturado e assassinado pelo Apartheid em 12 de setembro de 1977. Ainda estudante de medicina, ele criou a Organização dos Estudantes Sul-Africanos (SASO, em língua inglesa).
Na África do Sul, o movimento de Biko reclama o reconhecimento do racismo e da condição subalterna do sujeito negro. Para ele tomar consciência do racismo, fundado na desvalorização social de homens e mulheres, submetidos a um regime de opressão é o primeiro passo no caminho da superação do racismo. Steve Biko destacava a importância de modificar a imagem do negro contada pela cultura, pela educação, pela religião e pela política, combatendo formas e manifestações de racismo.
Para Biko a dominação não se dá apenas de forma política, e ou nas estruturas do judiciário. Sua maior incidência se dá no campo das ideias, dos valores, das ideologias. De tal modo, segundo ele "a arma mais potente do opressor é a mente do oprimido.” Ele acreditava que para superar o racismo existente na África do Sul era preciso desconstruir o discurso desprestigioso acerca do homem e da mulher negra, criando uma ideia oposta, de força e orgulho negro. Para Biko o confronto do racismo com a consciência negra produziria uma síntese mais humana, construindo um país igual entre negros e brancos.
Assim a consciência negra não propõe um confronto entre pessoas, mas entre mentalidades, de um lado a racista e colonizadora e de outro a da valorização e emancipação do oprimido, marcado pela pigmentação de sua pele.
O movimento de Biko e suas ideias irão reverberar no Brasil já na década de 1970. E em julho de 1978, com o surgimento do Movimento Negro Unificado (MNU), o dia 20 de novembro passa a ser um dia de combate ao racismo. 20 de novembro recorda a morte de Zumbi de Palmares em 1695, Neste gesto, o movimento negro brasileiro elege a luta do Quilombo dos Palmares como gancho para a reflexão acerca do tratamento desprestigioso e desrespeitoso dispensado a homens e mulheres no Brasil devido a pigmentação de sua pele.
Não podemos ignorar que, ainda hoje, pessoas são destratadas, humilhadas e até mortas devido a pigmentação de sua pele.  O entendimento desse sistema de desvalorização do ser humano segundo a pigmentação de sua pele e das consequências que ele acarreta como exclusão social, marginalização e criminalização arbitraria de sujeitos e de comunidades é um passo necessário para superarmos nossas contradições.
Para Steve Biko “O princípio básico da Consciência Negra é que o homem negro deve rejeitar todos os sistemas de valores que buscam torná-lo um estrangeiro em seu país natal e reduzir sua dignidade humana básica.” (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/09/12/Quem-foi-Steve-Biko-e-como-ele-se-tornou-um-%C3%ADcone-contra-o-apartheid).
Nem todo homem branco, nem toda mulher branca é racista e, por isso, os não racistas não deveriam se incomodar com o dia de consciência negra. Pois, o dia de consciência negra não é um combate ao homem branco ou à mulher branca, é um combate ao racismo nas estruturas de poder, em instituições e entre aqueles e aquelas que destratam, humilham, marginalizam, criminalizam e executam arbitrariamente pessoas, devido sua etnia ou pigmentação de pele.

domingo, novembro 10, 2019

SOBRE A FAMÍLIA


Eu tenho observado uma coisa: o termo família, parece-me, pode ser aplicado a uma série de situações de amizade e camaradagem, menos para família. Eu tenho muitos conflitos com minha mãe, meu pai, meus irmãos e irmãs, considero alguns encontros entre amigos, encontros familiares. Com eles não há conflitos, há apenas bebericadas, comilanças, troças de ideias destoantes, a aceitação parcimoniosa de nossos desatinos. E é isso que procuramos: uma família em que não temos que dar explicações nem assumir responsabilidades... Mas família, família mesmo: é pai, mãe, irmãos, irmãs, com todas as rusgas que se possa produzir em seus encontros. Eu não dou minha confiança e minha lealdade a ninguém que maldiz seus irmãos e irmãs, que demonstra pouco respeito por seu pai, sua mãe. Família não é para ser um paraíso é para ser o berço onde forjamos nossa personalidade e nossa personalidade se forja no conflito, principalmente com nosso pai, com nossa mãe. Um dia percebemos, como diz a canção, que somos como eles e como nossos irmãos e irmãs. Eu brigo muito com minha família, não a troco, porém por minhas amizades, que podem até ser uma espécie de família, mas é uma espécie menor. Pai, mãe, irmãos, irmãs não se substituem.

sábado, novembro 09, 2019

PELO BOM SENSO

“Ou somos uma civilização, ou somos um apanhado de bárbaros” (Rodner Lúcio).

Eu não sou um homem político, mas acompanho a política e me posiciono à esquerda, se defender educação pública de qualidade, educação critica, que não descuide do conhecimento, mas que não faça deste conhecimento justificativa para nossa vergonhosa desigualdade social, mas, pelo contrário, faça do conhecimento um ponto de apoio para a intervenção e a inserção no mundo, em vista de combater desigualdades e injustiças. Se isso for ser de esquerda, eu sou de esquerda. Eu sou de esquerda se de esquerda for defender o SUS e a Universidade Pública para os filhos e filhas da maior parcela de nosso povo, os que não contam. Eu não defendo um estado mínimo nem um Estado absoluto, eu defendo um Estado do tamanho das necessidades da maior parcela de seu povo, desta que se equilibra em empregos precários, em subempregos (empreendedorismo) e na informalidade para viver. Se acreditar que a segurança que tanto ansiamos não está no aparato policial (de uma policia preparada para ser capitão do mato e não guardiã de nossas vidas e respeitadora de nossa dignidade), mas na educação, na distribuição de renda, na melhoria das condições de vida das parcelas em vulnerabilidade social, no combate ao tráfico de armas e de drogas, nas fronteiras, nos condomínios de alto padrão, nas organizações comerciais, nas articulações palacianas, nas milícias, e não em nossas comunidades. Não é rotulando a todos nós de bandidos e nos matando com “balas perdidas”, ou nos prendendo indiscriminadamente, que venceremos a violência. Apenas a institucionalizamos. Se defender menos polícia e mais promoção social, mais intervenção cultural, mais práticas esportivas, mais espaços de convivência, aliados à educação formal é ser de esquerda, eu sou de esquerda. Se acreditar que as pessoas têm o direito a um julgamento justo, independente do crime que cometeram, brando ou hediondo, e que só podem cumprir pena após condenação judicial, esgotado todos os recursos; que prisão preventiva ou cautelar não é cumprimento de pena e não podem ser usadas como instrumento de intimidação, de perseguição e para negociatas em que se forjam “delações”, que seu prolongamento é falha do sistema investigativo, da promotoria pública, do judiciário e do sistema prisional e caracteriza não nosso desejo de justiça, mas nossa vontade de vingança contra um mal que receamos sofrer, é ser de esquerda. Mesmo que ingênua, minhas posições são de esquerda. Manter pessoas presas porque, se livres irão, numa hipótese factível, nos agredir, é um crime não contra a pessoa; é um crime contra a humanidade. Só em regimes autoritários se condena por antecipação. É a morosidade do sistema que precisa ser questionado, não nossos direitos. Ninguém deve estar preso sem assistência jurídica, sem previsão de julgamento. E quando julgado e condenado a pena deve se dar em ambiente humanizante e não degradante. Temos quase 200mil pessoas presas neste país sem um único julgamento. O mínimo que elas merecem é uma condenação, não de meus medos e de meu ódio, mas da justiça. Ou somos uma civilização, ou somos um apanhado de bárbaros. O bom senso não encontra morada no ódio. E vivemos um momento em que as pessoas estão odiando por antecipação, nutrem desejos de vingança antes de sofrerem qualquer ofensa, um problema para a saúde mental que alguns têm transformado em instrumento político. Ou retomamos o caminho do bom senso, do diálogo, do debate civilizado, ou estamos fadados a um genocídio. É onde o medo e o ódio, como política, nos levam.

sexta-feira, novembro 08, 2019

Coisas que aprendi com minha avó

Embora eu me esqueça com muita frequência e descambe pra cretinice, minha avó, não com as palavras que seguem, nos ensinou: "vocês não são cretinos, não são bárbaros, não animais. Vocês não devem resolver suas questões com xingamentos ou agressões. Não tendo o que responder fechem a boca, mas não sejam cretinos. A honra do homem não está no braço, está na fala. Homem que é homem não ofende, não agride, não sai no tapa, sustenta o que fala, com a fala. Xingou, ofendeu, não se perde apenas a razão, iguala-se a um cão."

quarta-feira, novembro 06, 2019

EU NÃO SOU NEGRO


“Tomar consciência de si sem se negar é como entrar nas águas de Narciso.” (Rodner Lúcio)

No Brasil a negritude é fruto do sistema escravista. Nossa sociedade é fruto do trabalho escravo e suas estruturas continuam a reproduzi-lo. O escravismo frequenta ainda hoje as mentes de grande parte de nossas elites econômicas, políticas, intelectuais, religiosas e se alastra em largos setores de uma classe média medíocre. Por mais que queiramos afirmar que o negro, a negra são homens e mulheres e precisam ser dignificados como tais, a negritude é o apagamento desta evidência. A negritude rebaixa a dignidade de nós homens e mulheres, brasileiros, brasileiras, de pele escura e retinta. Parafraseando Joaquim Nabuco que dizia “o escravismo degradava o escravo e corrompia o proprietário”, a negritude apaga homens e mulheres num termo e torna parte de nossa sociedade repugnante. Nossa esperança era que afirmando positivamente a negritude, derrogássemos o escravismo e emprestássemos dignidade aos despossuídos e extorquidos de nossa sociedade. Não, negro, negra para alguns é uma vergonha para outros um xingamento, uma ofensa. É preciso contexto para usar o termo: o tom de vós, o tom de pele, o ambiente em que se usa pode corresponder a articulação de movimentos sociais, mas bem pode caracterizar exclusão. Dependendo de quem vem: nego, nega é carinho ou ofensa. Na afirmação, então, de nossa condição nos deparamos com nosso apagamento e a negação de nossa participação plena em todos os segmentos e ambientes sociais. Mas tomarmos consciência de que somos mais que uma condição marcada pelo tom de nossa pele já não é suficiente. É preciso passar para negação. A consciência é um movimento dialético. A afirmação visibiliza, coloca em foco. A negação criticiza, provoca superações. A conscientização continua necessária. E criticamente afirmo, não sou negro: eu sou homem, sou mulher, brasileiro, brasileira com plenos direitos de ocupar qualquer função e ou posição social, de ingressar e circular por qualquer ambiente comercial ou social sem receios. Ser tratado com dignidade e respeito não é uma concessão que peço, devido ao tom de minha pele. É um direito que tenho, para além do tom de minha pele. É hora de dizer que tomando consciência de nossa condição, nós não a aceitamos, nós não a exaltamos, nós queremos supera-la, porque ela nos apaga, nos rebaixa, nos avilta. Ser negro não é ter um lugar. Eu não quero ficar restrito à negritude, eu quero o estatuto pleno. Não sou negro! Para nossas elites econômicas, políticas, intelectuais e religiosas, e para a parcela medíocre de nossa classe média, afirmarmo-nos negros não passa de uma evidência. Esta expressão soa a seus ouvidos: “eu estou aqui para servir-vos!”. E a ela eles respondem desdenhosos: “então, ponha-te em teu lugar”. Não, o que os perturba, o que lhes tira o sono não é afirmamos nossa diferença é exigimos igualdade. E a igualdade se exige negando o lugar que nos determinam. Ato político, e ofensivo, é afirmar-se brasileiro, brasileira e afirmar que temos o direito de assumir as mesmas funções e posições políticas, econômicas, sociais que eles, que temos o direito de circular os mesmos espaços que eles e receber o mesmo tratamento respeitoso que eles. Que não queremos lugar de fala, porque queremos e podemos falar em todo lugar. A estética: “o negro é bonito!” tem que ceder à política: O Negro tem fala e não apenas aparência.  E eu quero poder falar em qualquer lugar, sobre qualquer coisa e não de um lugar de fala de um sempre e mesmo assunto: minha negritude. Eu não sou negro! Se este lugar não me liberta, se este lugar me restringe! Eu não sou negro é para romper com o lugar de fala, um lugar cômodo para quem não nos quer ouvir, para exigir o lugar da fala, a tribuna, a cátedra, o púlpito o parlamento e poder falar e ser ouvido sobre qualquer assunto. Não sou negro: sou logos! Eu não preciso ser bonito, preciso ser levado em conta. Não somos um elemento racial. Somos uma parcela de um povo, a parcela dos que não conta nos lugares da fala.

sábado, novembro 02, 2019

SAMBINHA PARA MURMURAR-TE


Flor de minha existência

Vou fazer-te um sambinha
Destes que ninguém escuta
Pra cantar em teus ouvidos
Cafunando tua nuca

Vou fazer este sambinha
Um tanto desafinado
Pra depois do amor
Ser-te assobiado

Um sambinha acalanto
Pra murmurar-te com lábios trêmulos
Enquanto, reposada em meu braços
 De teu sorriso me encanto

Um sambinha vou fazer-te
Deste meu jeito
Pra falar-te de tua presença
Energia que pulsa em meu peito


NOSSO HOLOCAUSTO COTIDIANO

Por Claudio Domingos Fernandes

Entre nós homens e mulheres em processo de humanização, raça não existe. Existe o racismo, que não é universal, nem de um grupo particular. Nem todo mundo é racista, nem o racismo pertence a um determinado grupo. Deste modo não existe racismo reverso, existe apenas racismo, que atinge a todos nós, se defendemos que uns são melhores ou piores devido suas características étnicas. Assim, o conceito de raça existe, mas a existência de diferentes raças humanas – e daí, a existência de raças inferiores – não. Os privilégios de uns poucos e a escassez de recursos de tantíssimos outros não encontra mais sustentação na biologia. São fatores históricos e aplicações políticas de determinadas teorias que explicam, mas não justificam, a opulência criminosa de uns, a criminalização obscena de tantos outros.
“A origem do pensamento que entende a humanidade a partir de raças diferentes está no século XVI e na formação dos Estados nacionais europeus” (SILVA; SILVA, 2013, p. 346). Foram, porém os iluministas “que cunharam as primeiras doutrinas racialistas”. Assim, durante muito tempo confundiu-se raça com a noção de nação, de povo, de etnia. A noção de raça como ideia da existência de heranças biológicas e físicas permanentes e distintivas de comportamento cognitivo e moral dá-se no século XIX “em vista da crescente sofisticação das ciências biológicas” (Schwarcz, 1993, p. 48), sobretudo darwinistas. Exemplares são a frenologia e a antropometria, que prometiam “interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e a proporção do cérebro dos diferentes povos” (Idem, p. 48).
Essas pseudociências influenciaram teorias eugênicas, que não apenas exaltavam a existência de raças, mas as classificavam em superiores e inferiores, propagando meios de controle da miscigenação, que consideravam degenerar a evolução das “raças superiores”, por fixar “sempre as características mais negativas das raças em cruzamento” (Idem, p. 57). Influenciaram, também, a Antropologia criminal de Lombroso, que defendia que a criminalidade era uma questão biológica e hereditária. A violência e a criminalidade deixava de ter fatores históricos, econômicos e políticos em sua estrutura, e passava a ser determinado pelas características físicas e biológicas dos homens e mulheres e de seus grupos de pertencimento. Assim, quanto mais miscigenado um grupo, mais provavelmente propenso ao atraso social e à criminalidade ele estará fadado.
O racismo é a aplicação prática e política dessas teorias, cujo exemplo mais escandaloso de nossa história recente é o holocausto. Seis milhões de judeus perderam suas vidas em campos de concentração e câmaras de gás por terem sido “reduzidos ao mínimo denominador comum da simples vida biológica” (ARENDT, 2008, p. 227).
A biologia avançou, e hoje, nenhum cientista sério defenderia que a forma de nosso corpo, a cor de nossa pele, de nossos olhos, o nosso cabelo, nossa língua e linguagem, determinam nossas inclinações políticas, religiosas, morais, cognitivas e culturais. No entanto, ainda é comum discriminar as pessoas por conta de suas características físicas e ou identificação a seus grupos de pertencimento.
No Brasil, então, a crença da existência de raças povoa o imaginário popular e enraíza-se nas estruturas de poder e comando, principalmente no preconceito de cor. Diluído nesse preconceito, a crença de raças diferentes sustenta as explicações dos privilégios de alguns poucos diante da escassez de recursos da gritante maioria, explica a pouco representatividade de homens e mulheres de pele escura nas estruturas de poder e de comando.
Em sua aplicação política mais nefasta, explica, mas não justifica, o rigor das estruturas judiciais e a truculência policial contra as camadas populares e empobrecidas (sim, as pessoas são tornadas pobres, a pobreza é uma produção política e não uma condição social) nas periferias de nossas cidades. Esse rigor judiciário e essa truculência policial atingem, principalmente, nossos filhos e filhas, tornando nossas vidas um holocausto permanente e cotidiano.
Sob o titulo de controle social e combate à criminalidade, vamos sendo executados ou encarcerados arbitrariamente, criminosamente. Mesmo negando, estas práticas são implementos políticos com base na diferenciação de raças e na inferiorização de seres humanos. Para o Estado, suas elites e sua polícia somos incontados, descartáveis.
Raças não existem. O racismo, sim. E é mais que um discurso social, e ou um comportamento condenável nas pessoas; é uma prática política: nosso holocausto cotidiano.

Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. Compreender: formação, exílio e totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e questão Racial no Brasil (1870 - 1930). São Paulo: Companhia das Letras. 1993.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Marciel Henrique. Dicionário de conceitos Históricos. São Paulo: Contexto. 2013.