Embora
pavio curto e grosseiro, Flavio Eduardo Carluzzo não era de ir às vias de fato.
Elevava a voz, gesticulava apontando o dedo, cerrando o punho, dizia
impropérios, parco de argumentos era como se impunha. Quando presente, as
pessoas, então, evitavam assuntos polêmicos, sobretudo, questões de gênero.
Carluxo, como os amigos o chamavam, tinha posições extremadas: “queimaria todos
esses comunistas de merda na fogueira!” Aconteceu que a companheira de Carluxo,
dado dia, desapareceu. Investigado, Carluxo foi indiciado e formalmente acusado
da morte da companheira. A procuradoria, na peça acusatória, mesmo alegando não
ter encontrado o corpo da vítima, afirmava que ela havia sido executada a
golpes de faca. E fundamentou sua convicção no perfil grosseiro e agressivo do
réu, e na ausência de uma faca num jogo de facas suíças que o réu ostentava em
sua cozinha. Para a promotoria, a faca faltante teria sido ocultada junto com
ao corpo da companheira desaparecida. À falta de provas, o promotor arengou que
a prova “do maior crime, jamais cometido na história da humanidade”, era
justamente o fato não ter prova alguma, “a prova cabal das convicções da
promotoria”. Assim, “não haver provas confirmam nossa tese de que o réu é o
maior criminoso de todos os tempos!”, concluiu o promotor contra Carluxo. Para
convencer o júri de suas teses, a promotoria até montou um elaborado
PowerPoint, apresentando situações conflituosas em que o réu se envolvera desde
a mais tenra idade. Mas o apelo maior da promotoria foi à comoção que o caso
havia suscitado na comunidade. Durante meses, a mídia havia alimentado tal
comoção. Diuturnamente se reprisava imagens de Carluxo e seus gestos
grosseiros, seus posicionamentos extremados, sua parca razoabilidade; narrava a
simpatia, a generosidade, a ingenuidade da companheira. “A comunidade exigia o
sentenciamento de Carluxo”, apelava o promotor, reforçado por comentadores de
noticiário (jornalismo é algo que falta em Bananópolis). Para a comemoração de
muitos, Flavio Eduardo Carluzzo, foi sentenciado após seis meses do
desaparecimento da companheira. A celeridade do processo foi louvada e
atribuída, em laudadas tintas de jornais, à competência e firmeza de caráter do
juiz do processo. O fato é que recentemente a desaparecida companheira de
Carluxo apareceu. Conta-se que, enfastiada com nossos ares, a nobre dama andava
pela Europa, fazendo compras; aproveitou para levar a faca para um ajuste numa
oficina especialidade na Suíça. Mas, pasmem! Caros leitores, nossa desaparecida
foi vista, nada mais, nada menos, que sendo cortejada pelo eficiente e impoluto
juiz que presidiu o júri de seu suposto assassinato. Questionado, o honrado
guardião da lei afirmou não vê motivo para suspeição ou constrangimento, “visto
que só nos conhecemos após a conclusão do referido processo.” Há comentários,
porém, de que o cúpido dessa relação não seria outro que o promotor do caso
Carluxo. A comunidade está chocada, mas há quem escuse o relacionamento de
nossos pombinhos. “Carluxo, pelo perfil que tem”, dizem “tem que estar preso.”
Bananópolis tem este tipo de gente, geralmente se dizem cidadãos de bem e
torcem para que o Varão de Bananópolis, como é conhecido nosso juiz, assuma
nossa desaparecida.
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