Quando eu fui conduzido para escola pela primeira vez, eu não queria ir. Chorei, esperneei, não teve jeito, minha mãe me deixou lá, entre outros meninos e meninas e uma professora que, antes de se apresentar, apresentou a disciplina, uma régua de alfaiate. Todo o primeiro esforço que fiz para aprender foi por medo da disciplina, não por gosto do querer saber. Depois, em casa, havia o discurso: "Olha as notas, se tirar nota vermelha leva castigo! Olha, não vá perder o ano! Olha o castigo!". Não foi por querer aprender que eu me empenhei um longo tempo de meus anos escolares, foi por medo do castigo. A ameaça “se você não estudar, você não vai ser ninguém na vida”, estava no discurso de todo professor e de nossos pais. Era uma ameaça assustadora porque não sabíamos o que era ser alguém. E ser alguém parecia nosso destino: ou nos tornávamos alguém ou nos queimaríamos nas profundezas do inferno. O medo sustentado pela religião. Não foi na escola que encontrei o gosto por aprender. Na escola eu temia não aprender, temia a disciplina que vi muitas vezes serem aplicada, temia o castigo familiar, que consistiu em ficar sem a televisão por um mês, temia o castigo divino. Os professores de então contavam com a disciplina, com um relativo apoio dos pais: nem sempre castigavam, mas mantinham as ameaças, com o temor religioso. Eu comecei a gostar de aprender quando encontrei um grupo de jovens que queria saber de música, fanzine e teatro. Eu era como um alienígena no meio desses jovens. Eu não sabia tocar violão, não sabia desenhar, não escrevia e não atuava, mas vivia no meio deles. Com eles, que não me cobravam saber nada, fui percebendo que precisava saber alguma coisa. Eu continuo no meio deles, sem saber tocar instrumento algum, sem saber atuar e sabendo coisas de pouco valor pra nossa realidade. Tornei-me professor, mas não me coloco o desafio de ensinar a quem não quer aprender. No lugar do desafio, assumi um paradoxo: Se eu me empenhar em aprender com que ensino, quiçá, quem não quer aprender aprende. Há trinta anos envolvido com educação fui percebendo que o que condenamos no presente, no futuro nos surpreende. Tive um aluno complicado, desbocado, marrudo, não daria em nada aquele menino. Vejo-o passar diariamente em frente meu portão com o seu menino. O que seria espinho é um botão de humanidade. O que seria nada, tornou-se senhor de si. Hoje não contamos mais com o medo: não temos disciplina, as famílias afrouxaram um pouco, o inferno não existe. Mas ainda não soubemos substituir o medo pelo gosto. O querer se move entre a necessidade e o gosto. Na escola no lugar do medo colocamos a obrigatoriedade, que não é nem necessidade nem gosto. Poucas pessoas entendem a necessidade da escola, poucas tomam gosto pelo saber da escola. Estão na escola porque são obrigadas. Aqui está nosso desafio, as pessoas estão na escola obrigadas e elas estão obrigadas a estarem em um lugar de pouco prestígio, com pessoas pouco prestigiadas. Dê uma olhada no que se fala da escola pública: “não presta”, “é ineficiente”, “não ensina”. Quem quer estar num lugar deste se não for obrigado a estar? Olha o que dizem dos professores: “são mal formados”, “não sabem ensinar”, “são doutrinadores”. Quem quer aprender com esse tipo, se não for obrigado? Tem pai, tem mãe, que não vai na escola saber do filho, vai policiar o professor a professora. O não querer aprender do aluno é fichinha ante o desafio que temos ante a sociedade, as famílias e o Governo: Estabelecer respeito a nosso ofício. Como você consegue lecionar após o Ministro da Educação, em rede nacional, orientar pais e alunos a desconfiarem de ti? Como você quer que teu aluno aprenda contigo se ele desconfia de teu saber que, se não é deficitário, é doutrinário? Desconfiança sustentada por ministros de governo. Como aluno, eu gostei pouco da escola. Como professor, sei que seu menor problema é o aluno.
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