domingo, junho 09, 2019

BOLINHOS DE CHUVA



Quando nós nos machucávamos, vó lavava a ferida com sabão de coco e depois jogava sobre a ferida uns inguentos de folhas. Era um processo dolorido. Tia que a auxiliava no ofício ficava sugerindo-nos: “sopra fio, sopra que passa!” Vó ralhava: “Sopra nada! Seja homi, seja muié! A dor ensina, da próxima veis brinca sem se machucar!”” Assim evitávamos nos machucar porque sabíamos que o tratamento seria dolorido.  O momento que atravessamos é de uma grande ferida que precisa ser purgada metendo o dedo nas feridas que atravancam nossa passagem à civilidade. Em torno da ferida que se instalou, falo deste governo, temas por muito tempo soprado, mostram sem pudor sua face mais dolorida: mandonismo, sexismo, machismo, racismo, intolerância, ódio ao povo, desfiram ante nossos olhos suas bandeiras em dia de domingo. Não é possível mais soprá-los, é preciso deixá-los aflorar. Vó, enquanto nos curava de nossas feridas, nos alertava: “Tem feridas, fio, fia, que só com fogo se estanca o sangramento. Às veis, é preciso cortar o membro”. Vó quando queria era sombria, assustadora. Depois de curar nossas feridas, vó fazia bolinhos de chuva: estávamos prontos para novas aventuras.  A aventura que nos espera é a civilização. Antes é preciso enfrentar nossas feridas.   

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