Quando nós nos machucávamos, vó lavava
a ferida com sabão de coco e depois jogava sobre a ferida uns inguentos de
folhas. Era um processo dolorido. Tia que a auxiliava no ofício ficava
sugerindo-nos: “sopra fio, sopra que passa!” Vó ralhava: “Sopra nada! Seja
homi, seja muié! A dor ensina, da próxima veis brinca sem se machucar!”” Assim evitávamos
nos machucar porque sabíamos que o tratamento seria dolorido. O momento que atravessamos é de uma grande
ferida que precisa ser purgada metendo o dedo nas feridas que atravancam nossa
passagem à civilidade. Em torno da ferida que se instalou, falo deste governo,
temas por muito tempo soprado, mostram sem pudor sua face mais dolorida:
mandonismo, sexismo, machismo, racismo, intolerância, ódio ao povo, desfiram
ante nossos olhos suas bandeiras em dia de domingo. Não é possível mais
soprá-los, é preciso deixá-los aflorar. Vó, enquanto nos curava de nossas
feridas, nos alertava: “Tem feridas, fio, fia, que só com fogo se estanca o
sangramento. Às veis, é preciso cortar o membro”. Vó quando queria era sombria,
assustadora. Depois de curar nossas feridas, vó fazia bolinhos de chuva:
estávamos prontos para novas aventuras.
A aventura que nos espera é a civilização. Antes é preciso enfrentar
nossas feridas.
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