quinta-feira, dezembro 22, 2016

CRONACA GIALLA


Conheci H no ginásio. Era um menino introvertido, ensimesmado. Travei aproximação devido a um trabalho de artes que a professora exigia ser em grupos. Nós nos encontramos na casa de Marcela, para o trabalho. Naquela tarde, a gata de Marcela desapareceu, sendo encontrada morta na manhã seguinte, sem um pequeno brinco com o qual Marcela a ornava... Passado este incidente lamentável, durante o colégio troquei poucas palavras com H. Depois do colégio, mudei-me com minha família, não mais vi Marcela, H, as outras crianças com quem estudara...
Grata surpresa tive, portanto, quando apresentei-me para o estágio em uma empresa de comércio exterior. H era trainee da empresa e me recepcionou, apresentando-me aos novos colegas de trabalho, a meus novos supervisor e coordenador de setor. Durante meus primeiros meses na empresa, procurei manter distância de H que estava um tanto quanto mudado, embora continuasse um rapaz reservado, comunicava-se bem, com cortesia e discrição. No entanto, com o tempo, enamorei-me do “Estranho”, como o chamávamos nos remotos tempos de escola. Um dia, com certo acanhamento, H apresentou-me um pequeno brinco: “lembras da gata da Marcela?” Olhei-o confusa, espantada, admirada, não sei. Sorriu-me tímido, diante minha estupefação: “brincadeira!” E tímido me convidou: “Quer almoçar comigo?”.
Depois de um ano de namoro, um pouco mais, nos casamos. Eu abri meu próprio negócio, ele continuou na empresa e assumiu a direção de logística de importação. Devido a sua posição na empresa, H viajava o Brasil e o mundo. Algumas vezes, acompanhei-o, mas tinha as crianças, Helena e Heródoto.
Sempre que volta de uma viagem, H presenteia-me um par de brincos novos. Assim, tenho brincos dos quatro cantos do país e de uma dezena de países dos quatro continentes. Recentemente, enquanto aguardava o dentista, folheava uma revista italiana e deparei-me com uma “cronaca gialla”, uma espécie de narrativa policial. A matéria reportava ocorrências policiais em que jovens mulheres, de localidades diversas da Europa, apareciam mortas. O que atraia a atenção nas investigações era uma peculiaridade em comum entre as vítimas: a falta de seus brincos.

Aquilo me intrigou por alguns dias, comecei a relacionar o relato às viagens de H ao velho continente, aos brincos que me presenteava, à gata de Marcela. Contatei o consulado italiano, contei das viagens de H, dos pares de brinco... H está sendo procurado pela Interpol; acabo de receber a visita de um delegado da Polícia Federal do Recife. Acabo de receber também um novo par de brincos de alguma ilha do Caribe. H sempre soube como me fazer feliz.

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