Saio
da padoca do Galego e caminho para o ponto do ônibus, aquele da praça Garibaldi.
Dele acompanho o movimento matutino. Crianças uniformizadas, acompanhadas de
suas mães, avós, babas, atravessam, ainda sonolentas, a praça rumo à escola que
a contorna. Também, já em algazarras, adolescentes e jovens atravessam ruas e a
praça, sem muita atenção, em todos os sentidos. Uns tomam a direção do Politécnico,
outros do Cientifico, outros do Professor Coutinho. Trabalhadores também circulam a praça de um
lado a outro. Um ou outro se firma para um café, um cigarro, um drops, ou tudo isso
e outra coisa qualquer, nas banquinhas improvisadas, ou nas barraquinhas em seu
entorno. A maioria se dirige para a estação. Pela madrugada e até certa hora da
manhã, o ponto é mais de desembarque que de embarque. Ônibus vindos das
localidades mais distantes despejam a turba amarrotada e descomposta, que, já
alquebradas, descem e tomam, quase em bloco, o mesmo destino: a estação. Do
ponto é, então, possível acompanhar o cortejo cotidiano de crianças, jovens,
adultos seguindo autômatos o que lhes parece ser destino. Atraído pelos badalos
do sino, avisando da missa a começar, olho para a igreja, suas escadarias, as imponentes
torres, a imagem de Nossa Senhora da Piedade, figurando a faixada. Não há almas
em sua direção. Retorno ao vai e vem das pessoas, tomando a praça, cruzando-as
em todas as direções. De tanta e variada gente, passa muita gente de atrair o
olhar: uma cor de paletó ou calça diferente, um salto alto mais alto que os
demais, um cabelo melhor ou menos arrumado, qualquer coisa: tem sempre, na
turba, um tipo que se destaca e que o olhar acompanha. Era assim a garota que
vinha caminhando da Igreja, para o centro da praça. Descia as escadarias como
que desfilando. Não era da missa, por certo que vinha, pois vinha num molejo de
passista abrindo ala. De chinelinha de dedo, bermuda legging preta, destas que
destacam bem o playground, um top cavado, verde claro, realçando os bustos
arredondados, os cabelos molhados, os lábios abatonados. Parecia não ir a lugar
nenhum, apenas se desfilava. E atravessava, indiferente aos olhares e suspiros
dos homens e de algumas mulheres, a praça. Teve um que tropeçou. Teve outro que
levou um safanão da companheira. Um que armava a barraca, colocou a lona do
avesso, outro deixou a mercadoria esparramar-se toda. Teve uma que lhe soltou: “que
bife!”. Indiferente, ela vinha em direção ao ponto e preenchia meus olhos, que já
se alojavam entre os catetos e a hipotenusa, evidenciados por sua bermuda. Ao
meu lado, uma, toda executiva, tomou do celular, teclou um número lá: “Olha, eu
vou ter que ir ao médico! Amanhã levo o atestado!” Levantou-se e foi em direção
à minha miragem: “primeiro vamos ao remédio!”, disse a mim, como em confidência,
num sorriso sacana. E insensível ao arrebatar de meus olhos, foi abordar a
deusa daquele instante, furtando-a de mim. Quando o ônibus chegou, eu era
largado em fantasias de como estariam se amando.
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