“Às vezes no silêncio da noite, eu fico
pensando em nós dois...”
Querida,
desculpe-me se vou direto ao ponto, correndo o risco de estar cometendo uma
cafajestagem. É que, dia desses, mesmo absolvida em minhas atribuições, não
pude deixar de acompanhar conversa sua com uma colaboradora. Como não
participava diretamente da conversa, não sei precisar seu conteúdo, mas alguns
fragmentos tocaram-me. “Sinceridade é tudo”, dizia você à colaboradora. Num
outro instante você arguiu não gostar “de floreios”: “Sou mais o sujeito que
chega e diz logo o que quer, que esses metidos a romântico, cheios de
lisonjeio. Comigo tem que ser na lata, preto no branco”. Pois bem, embora
trabalhemos a considerável tempo juntas, não temos intimidade. Vez ou outra,
trocamos gestos breves de cortesia, tudo na mais comedida polidez, como se
requer entre pessoas educadas e em um sadio ambiente de trabalho. Mas não somos
de trocar intimidades. Acho que é devido um pouco à minha timidez. Eu sou de
ficar de canto, de não me enturmar. Mas vamos ao ponto, sem rodeios, sem meias
palavras: quero transar com você. Quero beijar-te um demorado beijo, de
arrepiar os pelos, correr-me por teu corpo, brincando com seus mamilos,
instalar-me entre tuas pernas e deliciar-me em ti. Quero escorregar minha
língua por seu corpo inteiro, sentindo o seu cheiro, sua carne tremendo, seu
coração pulsando. Quero brincar com todos os teus sentidos e, então, quero te fazer
sentir prazer e gozar intensamente. Desejo pegar-te de jeito, nas mais variadas
posições, uma noite inteira. Pronto! Falei! Cabe esclarecer que este desejo
nasceu recentemente e de uma situação peculiar. Desde que trabalho nesta
empresa, acompanho, por oficio, suas atividades, observando planilhas, relatórios,
sua interação com os funcionários, pontualidade, prontidão, disponibilidade.
Sou eu quem avalio seu desempenho e aprovo uma sua possível promoção. Admiro
sua reservada compostura e compromisso profissional, sua prontidão às metas é
exemplar. O fato é que nunca a tinha notado fora dos padrões profissionais até
pouco mais de um mês. É bem verdade que tem um nosso companheiro que, com
certas observações maliciosas ou mesmo grosseiras, vez ou outra, faz-nos notar alguns
seus atributos, como de outras companheiras. Mas entre homens, você já deve ter
percebido, é corriqueiro ou discutir futebol ou estar fantasiando arroubos
sexuais em aventuras que jamais vivenciarão. De tal modo, mesmo com as
observações desse nosso companheiro, jamais cheguei a devotar qualquer
distinção por você ou qualquer outra funcionária, vítimas de sua boçalidade.
Mas, como disse, acerca de pouco mais de um mês, em um seu movimento para
ajustar a blusa no corpo, ao levantar-se, notei que você tem uma singela
tatuagem em seu quadril direito, um pouco abaixo da linha do umbigo. Pareceu-me
tratar-se de um ideograma chinês. Tivesse intimidade, eu teria perguntado a
você o porquê de tal tatuagem e o significado. Retive-me, por receio de
intromissão e indevida curiosidade. Ademais, foi uma situação muito rápida. Nasceu,
porém, a curiosidade junto com a dúvida de ser mesmo um ideograma chinês que eu
vira, e, por conseguinte, seu significado. Evitando aborda-te, procurei na
internet por algo parecido com o que conservava em mente. Uma empreitada
infeliz. Passei, então, a observa-te, na esperança de rever a tal tatuagem. Devido
a seu recato no vestir-se, e distinção nos modos, tive apenas outras duas,
também fugazes, oportunidades. Este estar a observar-te melhor, sua tatuagem, passei,
indiretamente, a saber mais sobre você. Assim, percebi que você costuma ciciar
uma canção do Cazuza, enquanto confere o material a ser reciclado, e outra da
Rita Lee, quando analisa as tabelas de produção. Descobri que você aprecia
Dostoiévski, que desconheço quem seja. Acompanhei uma sua conversava com a
copeira e você comentava algo acerca de um “idiota”, penso que seja este Dostoiévski,
pois citastes o nome dele. Reforço que meu interesse era caracterizar melhor o ideograma.
E no ir observando-te acabei notando que você carrega uma flor de lótus na
altura do cóccix, e um olho de Osíris, centrado na passagem do pescoço para o
tronco, na linha dos ombros. De um comentário seu, que ouvi passando da copa ao
banheiro, soube que você tem outras duas tatuagens. Uma no franco esquerdo, um
pouco abaixo do busto, parece ser uma inscrição. A outra ignoro do que se trata
e onde se localiza. Em sua mesa de trabalho, observei anotações sobre Lacan e
Zizek. Passei as últimas noites pesquisando na internet sobre os mesmos.
Confesso não ter entendido coisa alguma. Descorçoei. Mas, depois fiquei
fantasiando eu e você tratando de cultura chinesa, Lacan, e esta coisa de
significante, signo, significado, desembocando num jogozinho inebriado, os nossos
corpos buscando o êxtase desmesuradamente. Querida, bem sei que o desejo que
aqui expresso poderia conservá-lo, como conservo certas fantasias
sexuais e as desafogo comigo mesma. Não é nenhuma necessidade premente. Mas, ficaria
lisonjeada se aceitasse meu convite de passarmos uma noite juntas, num motel
aqui perto. Aquele às margens do Pindorama, próximo ao retorno que dá acesso à
Duque de Caxias.
No
aguardo de um seu assentimento
Renata
Bessa (Gerente de RH)